Uma visita à casa do homem que constrói 'filhos robóticos' há 30 anos
"De certa forma eles estão mais próximos de mim do que meus filhos de verdade", diz Wu. Crédito: Aurelien Foucault

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Tecnologia

Uma visita à casa do homem que constrói 'filhos robóticos' há 30 anos

"Estão mais próximos de mim do que meus filhos de verdade", diz Wu, sentado ao lado de um robô com braços de tubo e cabeça de boneca.

"Minha inspiração costuma vir à noite", diz Wu Yulu, gesticulando em direção a uma caixa de metal com pernas, uma cauda esfarrapada e pêlos toscos rabiscados à canetinha. Ele aperta um botão e o robô-roedor se movimenta com um tranco escandaloso. "Às vezes de madrugada, quando minha família está dormindo, eu acordo e ando em círculos pelo meu quintal", continua Wu. Sua voz fica mais fraca quando ele aperta o botão pela segunda vez, imobilizando sua invenção.

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No começo desta semana visitei a casa de Wu, o homem de 54 anos que se tornou uma mini-celebridade na mídia chinesa graças à sua vasta família robótica. Em uma performance que poderia ser interpretarda como uma crítica à recém-descartada política do filho único, ele construiu 63 robôs (em sua maioria humanóides) chamados por ele de "filhos". As máquinas são uma adição aos seus dois filhos de carne e osso.

Wu mantém seus filhos biônicos em dois depósitos localizados na Vila Ma Wu, no distrito de Tongzhou, em Pequim, a cerca de uma hora do centro da cidade. O primeiro depósito que visitei parecia uma mistura entre uma oficina caótica e o apartamento de JF Sebastian, o engenheiro genético de Blade Runner que "constrói amigos" para lhe fazer companhia.

Crédito: Aurelien Foucault

No depósito, fileiras de robôzinhos com cabeças de boneca e sorrisos rabiscados ocupam um lugar de destaque em frente à uma parede coberta com recortes de jornal sobre Wu, conhecido na China como "Pai dos Robôs". Designs elaborados — entre eles um humanóide montado em um inseto e um robô saltitante com um mullet — também preenchem as paredes: pequenos vislumbres da mente obsessiva de Wu.

Muitos dos robôs apenas caminham; alguns, porém, possuem outras habilidades rudimentares. Um robô amarelo, bigodudo e coberto por um emarenhado de tubos, segura um isqueiro e fuma. Outro tem uma luva massageadora em sua mão direita e um ventilador na esquerda. Outro, com um olhar de eterna surpresa em seu rosto quadrado, bate pratos em um volume absurdo.

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Os nomes dos robôs são uma homenagem ao seu criador e à ordem em que foram criados. Wu Número Um, um robôzinho com uma barba de mentira e uma bateria no lugar dos genitais, foi o primeiro a ser construído, em 1986. "Depois de criar o Wu Número Um fiquei apaixonado — não, louco — por robôs", conta Wu. "Meu amor por eles transcende a linguagem."

Wu diz que, antes de sua paixão por robôs, ele tinha um interesse especial por pernas. Ele largou os estudos no ensino médio. Trabalhou a vida todo como técnico em fábricas e expandindo seu conhecimento de robótica, mas foi durante sua infância que a semente de sua vocação foi plantada. "Lembro dos meus colegas brincando no parquinho, correndo uns atrás dos outros, dançando e pulando por aí", conta. "Eu me perguntava: 'por que os seres humanos conseguem andar sobre duas pernas com tanta flexibilidade e coordenação? É possível criar uma máquina que imite o andar humano?'"

Quando Wu concluiu sua invenção mais famosa, o Wu Número 32, ele soube que essa façanha era possível, mesmo com pouco dinheiro. A maioria de seus robôs é feita a partir de sucata ou metal barato comprado em siderúrgicas próximas.

Crédito: Aurelien Foucault

Crédito: Aurelien Foucault

Crédito: Aurelien Foucault

Crédito: Aurelien Foucault

Crédito: Aurelien Foucault

Wu escancara o portão do depósito e pula em um riquixá vermelho acoplado a um robô humanóide amarelo. Ele aperta um botão. O robô abana as orelhas enquanto recita uma mensagem artificial, porém amigável: "Olá! Wu Yulu é meu pai e vou levá-lo para fazer compras. Muito obrigado!". O robô se move, arrastando Wu para um passeio.

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O absurdo passeio e a coleção de robôs estapafúrdios fazem Wu parecer um homem excêntrico, talvez até um "gênio louco". Mas na verdade ele é um homem introvertido e discreto: um senhor cansado de responder perguntas e que resmungou sem parar sobre como minha visita afetaria sua conta de luz. "Muitos fazendeiros gostam de inventar coisas", diz Wu, encolhendo os ombros. "Eles podem até não produzir tanto quanto eu, mas muitos se interessam por isso."

De certa forma ele tem razão: notícias sobre camponeses com um interesse por invenções surgem de tempos em tempos na mídia chinesa. O caso dos agricultores da província de Shandong, que em 2014 largaram suas plantações para construir Transformers com carcaças de carros, é um exemplo impressionante. Mas a criatividade duradoura de Wu — que passou os últimos 30 anos construindo robôs para uso pessoal — é única.

Durante minha visita, me perguntei se a obsessão de Wu havia afetado sua vida familiar. Paul Merton, um comediante britânico, entrevistou Wu em seu documentário sobre a China, gravado em 2007. Nele, a mulher de Wu afirma que já pensou em largar seu marido por causa de seu hobby. O fato dele ter queimado a casa de sua família em 1999 enquanto trabalhava com um equipamento de alta voltagem pode ter sido um dos motivos.

Hoje, os filhos de Wu têm 28 e 29 anos, e ele afirma que sua família apoia seu interesse único por robôs. No entanto, esse processo não foi nada fácil.

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Crédito: Aurelien Foucault

"Quando comecei minha família, meus amigos e vizinhos me chamaram de vagabundo, ovelha negra, louco e estúpido", conta Wu. "Parei de plantar, então minhas terras pararam de produzir. Eu não ganhava dinheiro — durante os primeiros dez anos só acumulei dívidas. Mas em 2004 fui convidado para um concurso de invenções de fazendeiros, onde fiquei em primeiro lugar e ganhei 10.000 yuans (US$1.450). Desde então, eles começaram e me entender."

Atualmente, Wu ganha a vida alugando suas terras e ocasionalmente vendendo robôs por encomenda, embora ele ainda mantenha a maioria de suas criações em seu depósito. Depois de 30 anos construindo esses filhos de metal, seu carinho por eles ainda está longe de diminuir.

"De certa forma eles estão mais próximos de mim do que meus filhos de verdade", diz Wu, sentado ao lado de um robô com braços de tubo e cabeça de boneca. "O tempo e a energia que investi em cada um desses robôs é enorme, e toda vez que termino uma nova invenção me sinto realizado, como se fosse a pessoa mais feliz do mundo."

Wu não sorriu uma vez sequer durante nosso encontro, mas não tive problemas em acreditar no que aquele homem dizia.

Tradução: Ananda Pieratti