Concreto é a tecnologia militar moderna mais eficaz, diz especialista
Esqueça os drones e bombardeios por satélites. Créditos: Exército dos Estados Unidos

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Tecnologia

Concreto é a tecnologia militar moderna mais eficaz, diz especialista

Esqueça os drones e bombardeios por satélites.

A Primeira Guerra Mundial foi uma guerra do futuro; novas tecnologias, como metralhadoras, artilharia pesada e armas químicas, assolaram campos de batalha de uma forma jamais vista antes. O símbolo mais forte dessa guerra, no entanto, nada tem de tecnológico: as trincheiras. Para sobreviver, os soldados cavavam buracos no chão.

Curiosamente, as guerras do século 21, com drones, bombardeios precisos e imagens de satélites, têm um paralelo. Os conflitos da Guerra do Iraque têm como palco cidades dispersas, em bairros divididos contra combatentes insurgentes que carregam bombas caseiras. É um novo tipo de ambiente de guerra, em que o combate se normaliza entre casas e quarteirões. As noções de linha de frente e flanco soam antiquadas.

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A resposta "low-tech" a isso é o concreto. Um monte de concreto. Segundo o major John Spencer, acadêmico de West Point (a Academia Militar dos Estados Unidos), o concreto é a arma mais eficaz do campo de batalha moderno. Os soldados da Primeira Guerra cavavam buracos; soldados modernos levantam muros.

Spencer publicou um artigo sobre o tópico semana passada, e tem chamado atenção. A ideia de que o campo de batalha moderno pode ser definido por algo tão rudimentar quanto o concreto é contraintuitiva e fascinante.

"Muitos soldados enviados ao Iraque se tornaram especialistas em concreto durante suas missões", escreveu Spencer. "O concreto simboliza seus destacamentos tão bem quanto as armas que carregam. Nenhuma outra arma ou tecnologia contribiu mais com os objetivos estratégicos para prover segurança, proteger populações, garantir estabilidade e eliminar ameaças terroristas."

Créditos: Soldado Especialista Kiyoshi Freeman/Exército dos Estados Unidos

Tudo começou nas estradas ao redor de Bagdá. Comandantes militares precisavam, de alguma forma, proteger essas rotas contra bombas. No decorrer de meses, os soldados contornaram todas as principais estradas com muros de concreto de 3,65 metros de altura, e então passaram para as estradas menores. No mesmo período, muros de concreto foram levantados em torno de instalações e acampamentos militares americanos; em questão de semanas, os soldados eram capazes de construir um grande complexo murado com torres de vigia fortificadas.

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Depois que a insurgência de 2007 expulsou as tropas de determinados bairros, os ambientes urbanos foram reformulados com a construção de muros. O concreto foi utilizado para controlar o acesso a esses bairros: um muro e um posto de controle operados por forças armadas iraquianas ou membros da força armada local conhecida como Força do Iraque eram capazes de manter a região livre de combatentes insurgentes, reduzindo assim a necessidade de tropas para defender e ocupar terrotórios de formas convencionais, em termos militares.

O próprio Spencer estava no Iraque em 2008, como soldado da infantaria, onde ele rapidamente se tornou um "pseudoespecialista" em concreto. O material chegava em placas de diversos tamanhos, cada uma batizada em homenagem a um estado americano, lembra ele: os paredões Jersey tinham 90 centímetros; os paredões Colorado, 1,80 metro; e os Alaska, 3,65 metros. Torres de vigia chegavam a 8,5 metros de altura. As placas pesavam entre dois e oito toneladas, por vezes até mais, e eram instaladas por guindastes.

"Buscávamos estabilidade", Spencer me contou em uma entrevista em West Point. "Era o objetivo número um. E violência sectária é o maior empecilho para isso."

Quando limitamos a capacidade dos insurgentes de se moverem entre bairros, quando refreamos sua livre circulação, conseguimos conter a violência sectária. "Os bairros seguros se mostraram quase tão eficazes quanto armas. Quando não dá para limitar o ambiente, precisamos desocupá-lo, no nosso ritmo", disse Spencer. "Para desocupar a área, precisamos alocar unidades para defender as imediações enquanto nos deslocamos."

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Créditos: Sargento Zachary Mott, Exército dos Estados Unidos

Todo esse concreto no Iraque foi produzido em grande parte por empreiteiras locais e instalado por tropas americanas. De repente, virou uma indústria colossal. Novas fábricas foram construídas e velhas fábricas, expandidas. Cada placa de concreto custa em torno de 600 dólares, e Spencer estima que os Estados Unidos já tenham gasto bilhões de dólares com muros que, em muitos casos, vão virar cascalho quando não tiverem mais uso. Não são permanentes.

"Em 2008, participei da batalha em Cidade Sadr, um bairro denso que também já se encontra cercado por uma espécie de cubo", Spencer me contou. "Muitas unidades começaram a levantar muros ao redor, mas o nosso muro foi meio que o muro final."

"Toda noite, um operador local de guindastes dava as caras e se juntava às unidades do exército", lembra ele. "Eram vários jipes Humvee e tanques blindados em um comboio, e no meio um guindaste. Na retagurda, vinham caminhões com todo o concreto. O operador civil de guindastes, da região, dava início ao trabalho, e garantíamos sua segurança enquanto ele manobrava o veículo e ajeitava o concreto. Tínhamos uma escada, e um soldado subia até o topo para desenganchar do veículo a placa de concreto devidamente posicionada."

É uma imagem incomum de batalha, certamente, mas é que tende a pipocar cada vez mais, ao passo que as guerras continuam a ocorrer em ambientes urbanos complexos. Spencer acredita que os planejadores militares precisam levar em conta o concreto como um componente de estratégias amplas, como uma ferramenta-padrão do arsenal moderno. Cidades subdivididas em labirintos de concreto acinzentado é uma ideia distópica, sem dúvidas, mas até aí, a ocupação militar de casas e quarteirões também é.

Tradução: Stephanie Fernandes