Como uma Empresa Pretende Ajudar Homens Circuncidados a Reconstruir o Prepúcio
​Crédito: Lia Kantrowitz

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Como uma Empresa Pretende Ajudar Homens Circuncidados a Reconstruir o Prepúcio

Um número crescente de homens conhecidos como “intactivistas” vem expressando revolta contra a circuncisão.

Se você for um homem americano, é muito provável que não tenha prepúcio. A maioria dos americanos não pensa muito no caso, e quando pensa, deve ser algo na linha de "ótimo, melhor assim".

Mas um número crescente de homens conhecidos como "intactivistas" vem expressando revolta contra a circuncisão — operação descrita por eles como uma "amputação desnecessária — realizada antes do paciente ter idade o bastante para entender as implicações do procedimento e consentir de fato.

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Sem opções de transplante de tecido escrotal para o corpo do pênis, há quem pratique uma técnica de modificação corporal para esticar o restante do tecido do prepúcio de volta, por cima da cabeça do pênis. De qualquer forma, resta a esses homens se perguntar: "Como será o sexo com um prepúcio?"

Agora, uma empresa chamada Foregen pretende, em breve, ser capaz de ajudar esses homens a responder a pergunta, usando a medicina regenerativa para reconstruir o prepúcio — assim como as salamandras conseguem regenerar membros cortados.

"A premissa por trás da Foregen é que, se já reconstruímos partes inteiras do corpo a partir de outras partes mais complexas, por que não aplicar o método ao único membro que centenas de milhões de garotos não têm?" – disse Eric Clopper, porta-voz da Foregen.

Entre os 660 milhões de homens circuncidados ao redor do mundo, 115 milhões são americanos, posicionando os Estados Unidos no topo da lista de incidências do caso, ultrapassando até mesmo países da África e do Oriente Médio, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Na verdade, os Estados Unidos são o único país desenvolvido onde a circuncisão masculina infantil é a norma, e não algo conduzido por conta de cerimônias religiosas.

Atualmente, a taxa de circuncisão do país varia entre 50 e 60 por cento, mas nos anos 80, cerca de 83 por cento das crianças do sexo masculino foram circuncidadas no Meio-Oeste; em alguns lugares, era um procedimento tão comum, que os médicos sequer consultavam as novas mães, simplesmente operavam os recém-nascidos.

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Embora a circuncisão esteja em queda nos EUA, após uma redução de 10 por cento em 35 anos, atingindo a baixa regional de 30 por cento na atual Costa Oeste, as taxas são muito mais altas do que em países europeus. Na Europa, apenas 10 por cento dos garotos são circuncidados, e as taxas não passam de 1,6 por cento na Dinamarca.

Mas o que exatamente os homens circuncidados estão perdendo? Depende de quem responde — a resposta varia entre "câncer peniano" e "a melhor das transas". É difícil pesar os fatores em torno da questão, dado que a ciência é enviesada, marcada por interferências deliberadas, e o prazer sexual é amplamente subjetivo. Mas, depois de conduzir uma pesquisa extensa sobre o tópico, descobri que intactivistas têm um caso convincente em mãos.

Desde os anos 1800, os proponentes da circuncisão nos EUA apontaram para a saúde como a principal razão por que os pais deveriam ter os filhos operados. Na época, a circuncisão era vendida por médicos como um método para reduzir a vontade do garoto de se masturbar, e os Puritanos da Nova Inglaterra viam a masturbação como causa de doenças. Existe um consenso claro hoje contra essa crença, mas a tradição persistiu e o prepúcio acabou sendo associado a enfermidades.

Em dezembro de 2014, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA divulgou um projeto endossando a circuncisão masculina infantil. Isso reflete um comunicado feito pela Academia Americana de Pediatria (AAP) em 2012, que ligou a circuncisão à transmissão reduzida de HIV, de DSTs que podem causar câncer e infecções do trato urinário (ITUs). No entanto, ambas as declarações foram cassadas pela comunidade médica internacional pois, de modo geral, não apresentavam bases científicas ou éticas.

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Quando se trata de recomendações médicas sobre circuncisão, há uma inclinação inegável, que sempre repercute na literatura científica. A maioria das sociedades médicas de nações desenvolvidas — exceto pelas americanas — concorda que, em ambientes onde condições higiênicas permitem com que homens se lavem regularmente, qualquer benefício à saúde que a circuncisão pode oferecer deixa de compensar os riscos. "Os outros benefícios à saúde que clamam por aí, como proteção contra HIV/AIDS, herpes genital, verrugas genitais e câncer peniano, são questionáveis, fracos, e provavelmente têm pouca relevância em termos de saúde pública em contextos ocidentais", declarou a crítica ao posicionamento da AAP (a favor da circuncisão), liderada pelo epidemiologista dinamarquês Morten Frisch.

Cientistas europeus descobriram que a circuncisão pode mesmo resultar na redução de ITUs, mas apenas de 1 por cento. Eles citaram as estimativas da própria AAP, sobre riscos de complicações geradas pera circuncisão, e concluíram que "1 caso de ITU pode ser prevenido às custas de dois casos de hemorragia, infecção ou, em raras instâncias, desfechos mais severos e até mesmo morte." Infecção urinária não é festa, mas certamente é melhor do que uma hemorragia peniana.

A lógica muitas vezes não é párea para fanáticos religiosos, nem para aqueles da outra ponta do espectro: os "circunfetichistas".

Esse posicionamento não é novidade — com base em benefícios à saúde, cientistas criticam a circuncisão desde os anos 70. Mas a lógica muitas vezes não é párea para os fanáticos religiosos que acreditam que masturbação é pecado, nem para aqueles da outra ponta do espectro — os circunfetichistas. Notoriamente, ao longo da última década, um homem australiano chamado Brian Morris vêm importunando as pesquisas relacionadas à circuncisão. Morris mente sobre suas credenciais e publicações científicas, divulga críticas às pesquisas, citando a si próprio de forma desproporcional, e "emite declaração errônea atrás de declaração errônea, antes que a anterior possa ser checada e refutada". Eu não saberia dizer quais são as motivações de Morris, mas um site que está de olho no assunto observou que ele já postou links eróticos de circuncisão.

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Além do debate científico, há um debate ético em paralelo, em torno da questão de consentimento. Mesmo se a ciência médica pudesse, irrefutavelmente, provar os benefícios à saúde oferecidos pela circuncisão, muitos intactivistas argumentam que realizar uma cirurgia preventiva numa criança não é ético; a circuncisão deveria ser uma opção para crianças apenas em casos de emergências médicas, ou para adultos com vontade própria, como no caso de cirurgias cosméticas e outras modificações corporais. Esse ponto de vista contraria as crenças religiosas que consideram a circuncisão necessária para proteger as crianças de seus impulsos sexuais, que as afastariam de Deus.

"Acho que precisamos proteger as crianças contra a modificação de seus órgãos genitais, porque elas não entendem o que está em jogo", disse Brian Earp, pesquisador de ética da Universidade de Oxford. "Em geral, devemos considerar maiores de idade competentes para modificar os próprios corpos." Ele levantou o seguinte ponto: remover mamilos de meninas poderia prevenir o câncer de mama, mas ninguém recomendaria isso a sério em um cenário médico.

Earp conta que começou a se interessar pela ética da circuncisão depois que a cidade de São Francisco considerou banir a circuncisão infantil, em 2011, e mais ainda em 2012, quando um tribunal regional da Alemanha julgou a prática ilegal, mesmo com o consentimento dos pais, após uma operação mal executada envolvendo um garoto muçulmano de quatro anos de idade. Segundo o veredito, "o tribunal avaliou que circuncisões religiosas devem ser consideradas ilegais, pois violam o direito da criança à integridade física e à autodeterminação, e diferenciou tais atos de instâncias em que a circuncisão é uma necessidade médica". Medidas legais similares foram consideradas na Finlândia, Dinamarca e Suécia.

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Ordens religiosas a parte, a principal consideração ética que os pais levam em conta para circuncisar seus filhos nos EUA é a crença popular de que, ao fazer isso, estão protegendo os filhos de futuras intimidações nos vestiários. Mas estudos demonstram que isso não é um problema de fato — se alguém quiser tirar sarro de um pênis, provavelmente será pelo tamanho, não pela presença ou falta de prepúcio.

Mas vestiários são uma coisa — e quanto ao aposento que realmente importa, o quarto?

Pense no que o prepúcio faz, em termos biológicos: em um pênis não ereto, o prepúcio cobre o corpo do membro por completo, até a cabeça, fazendo do pênis um órgão efetivamente interno. Quando o pênis fica duro, o prepúcio secreta um lubrificante natural, que permite com que a pele deslize sobre o corpo do órgão. Quando fica bem duro, a parte superior do prepúcio vira do avesso, expondo uma parte muito sensível do pênis — o frênulo — e a cabeça, que, em quaisquer outras situações, costuma estar coberta. Há quem compare a função do prepúcio aos lábios ou pálpebras, visto que protege a membrana mucosa que encobre.

A circuncisão remove aproximadamente 15 polegadas quadradas de pele — isto é, cerca de 20 mil nervos (no caso de um adulto) — e transforma o pênis em órgão externo, com a cabeça constantemente exposta. A operação desabilita o frênulo, sua função lubrificante e sua mobilidade — sua capacidade de deslizar —, e deixa a cor do pênis mais opaca até, isso tudo se o procedimento correr bem.

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"A maioria esmagadora de homens que têm prepúcio gostam dele e pretendem mantê-lo, enquanto homens que nunca tiveram prepúcio pressupõe que é inútil", diz Earp.

Tecido do prepúcio de um touro. Créditos: Foregen/Facebook

Na literatura científica e médica, faltam pesquisas sobre os benefícios sexuais do prepúcio para os homens; e há um vazio quase completo quando se trata de impactos da circuncisão masculina sob a perspectiva de parceiras femininas. Um artigo de 2015, escrito por Jacobs e Arora, declara que, basicamente, o prepúcio não influi na sexualidade, mas o estudo cita fontes enviesadas, ligadas a Brian Morris, e, conforme Earp aponta numa crítica publicada no American Journal of Bioethics, tal pesquisa baseia-se sobretudo num par de testes clínicos realizados — não em infantes — mas em homens adultos que foram circuncidados por vontade própria.

Mas mesmo sem base para comparação ou pesquisas convincentes, intactivistas argumentam que a perda é dramática.

"Os efeitos da circuncisão adulta, sejam quais forem, não podem ser simplesmente mapeados em recém-nascidos", diz Earp.

Igualmente, a grande questão para a equipe da Foregen é: será possível recuperar as funções do prepúcio adulto em alguém que foi circuncidado assim que nasceu?

Clopper, cujos amigos o apelidaram de "cara do prepúcio", é um intactivista fervoroso desde que seu time de rugby foi à Escócia. "Ficamos muito bêbados, pelados, e fizemos bobagens. Nada gay, só coisas estranhas mesmo", disse Clopper, e foi quando ele notou que os colegas irlandeses não eram circuncidados, incitando um debate sobre qual formato peniano era melhor. "Eu disse: 'acho que circuncidado é melhor, então vou pesquisar'. Agora que eu sei que ter o pênis inteiro é melhor, parece loucura pensar de outra forma", diz Clopper. Desde sua incursão inicial em pesquisa sobre circuncisão, ele contatou diversos outros homens que também sentem que foram desprovidos de uma das funções mais legais da natureza, e estão putos com isso. "É uma lavagem cerebral", diz ele. "Assim que os homens se dão conta do que perderam — e a internet é uma grande ajuda —, ficam indignados."

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As tecnologias biomédicas que possibilitariam a realização segura de um procedimento como esse ainda são, no melhor dos casos, teóricas, mas o fundador da Foregen, Vincenzo Aiello, de Roma, Itália, diz que planeja patentear e liberar um procedimento para testes clínicos ainda nos próximos cinco anos.

"O sistema nervoso periférico pode se regenerar. O único obstáculo para isso funcionar é fazer com que as novas terminações nervosas se conectem com as terminações rompidas", disse Clopper. "Somos capazes de implantar membros inteiros em pessoas amputadas hoje. Estamos tentando a mesma coisa, usando exatamente a mesma tecnologia, mas numa escala menor, com um mercado maior."

"Agora que eu sei que ter o pênis inteiro é melhor, parece loucura pensar de outra forma."

O processo que Clopper descreveu envolve a descelularização do prepúcio de um doador, ou a impressão 3D de um novo esqueleto celular, para então "replantarem a matriz descelularizada" com células-tronco adequadas ao recipiente. "Elas vão captar os sinais celulares, crescer e se tornar tecido", diz Clopper. A Foregen completou o primeiro experimento animal em dezembro de 2013, na Escola de Medicina Veterinária da Universidade de Bologna, na Itália. "O prepúcio se provou deveras frutífero como agente regenerativo, indicando altas chances de uma verdadeira regeneração do prepúcio in vivo, em um homem vivo", o site declarou.

Embora a ciência seja teoricamente possível, eles ainda não chegaram lá. Talvez o grande desafio, além da ciência teórica de células-tronco, seja o processo que envolve o enxerto ou a regeneração de nervos periféricos; ninguém consegue fazer isso ainda, e as primeiras pessoas a desvendar o segredo provavelmente não vão usá-lo no prepúcio.

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Quando questionei Aiello sobre os detalhes exatos do procedimento, ele disse que não podia me contar porque queria proteger a futura patente, mas senti que ele ainda tinha conceitos para organizar. Afinal, Aiello é um artista de mosaicos, não um cientista. Dito isso, quando comparecem em reuniões sobre capital de risco, fundadores de startups geralmente não sabem nada sobre a tecnologia que alimenta seus produtos. Atualmente, Aiello está trabalhando em um projeto de escultura que ele descreveu como um retrato anatômico do prepúcio adulto, e que ele espera ser muito controverso.

A equipe da Foregen admite que "o principal obstáculo para a regeneração de prepúcios é alinhar a demanda esmagadora pela cura da circuncisão com a equipe científica certa para isso." Aiello me contou que os pesquisadores biomédicos que toparam trabalhar com a Foregen o fizeram sob a condição de não terem seus nomes revelados. "Acho que estão assustados por diversos motivos. Eles não querem ser lembrados, na história, por reconstruir prepúcios. Basicamente, é um tabu."

Aiello estima que a Foregen, uma organização sem fins lucrativos registrada nos EUA e na Itália, já tenha angariado 100 mil dólares com doadores privados, sobretudo americanos, e pretende fazer uma campanha de crowdfunding para arrecadar o restante. Mas esse é um valor ínfimo em comparação ao montante necessário para montarem uma clínica se e quando o procedimento for bem sucedido nos testes clínicos. "Gostaríamos de fazer tudo em quatro anos, mas não sabemos se isso será possível porque a burocracia deixa o processo todo muito devagar", conta ele.

Independente da Foregen bater a cota ou não, a cultura é a principal variável que impactará a prevalência de circuncisões infantis nos Estados Unidos e no restante do mundo nos próximos anos. Se tomarmos as tendências atuais como indicação, a cultura transita a favor dos prepúcios. O que falta para confirmarem que este caminho é de fato o mais benéfico — em termos de saúde, ética e sexo — é uma pesquisa sem polarização, que influencie, formalmente, as recomendações de órgãos médicos e talvez até leis locais.

Quando perguntei a Earp como conseguir isso, ele deu de ombros. "Seria incrível se existisse um pesquisador imparcial em algum lugar, apenas curioso a respeito dos efeitos da circuncisão."

Este artigo faz parte dos Corpos do Futuro​, uma colaboração entre o Motherboard e a LadyBits. Siga a LadyBits no Twitter e no Facebook.

Tradução: Stephanie Fernandes