Como os Peixes Conversam
"Abstrato", por Marco Lugli

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Como os Peixes Conversam

Na verdade, os oceanos não são mundos silenciosos.

Eric Parmentier aprecia música boa feita por peixes. Ele passou os últimos dez anos viajando o mundo, implantando aparelhos de gravação debaixo d'água em tudo quanto é canto, do Japão a Madagascar, para escutar os sons dos peixes, tão diversos quanto as espécies. "Quero ter uma visão global da comunicação entre peixes", o biólogo belga me contou.

A visão de mundo de Parmentier está sendo moldada por milhares de espécies de peixes tagarelas de água salgada, cada um com sua própria música e uma anatomia única de transmissão. Em um grande exemplo de convergência evolutiva, peixes juntaram uma série de estratégias para produzir som. Alguns vibram bexigas natatórias ou têm ossos que ressoam, outros fazem uso de músculos hiper-rápidos que se contraem até 200 vezes por segundo. E agora, alguns cientistas descobriram que os peixes chegaram a criar maneiras engenhosas de manipular o ambiente onde vivem para ecoar melhor a música.

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Recentemente, a missão de Parmentier o levou ao outro lado do mundo, à Polinésia Francesa, para rastrear um peixe comunicativo que apresenta um comportamento incomum. Os  ​peixes da família Carapidae provavelmente são mais conhecidos por gostarem de viver dentro da bunda de pepinos-do-mar, mas também se abrigam em estrelas, moluscos e ostras. A família de inquilinos instrusivos ostentou mais uma distinção em dezembro, quando Parmentier e uma equipe internacional de pesquisadores ​publicaram um artigo mostrando que uma espécie de Carapidae, a Onuxodon fowleri, talvez esteja usando o hospedeiro para amplificar suas mensagens, como um auto-falante natural, estendendo a abrangência delas nas profundezas.

Parmentier e seu aluno de doutorado Loic Kever não foram atrás dessa descoberta. Na verdade, eles estavam mais interessados na relação bizarra entre os peixes Carapidae e seus hospedeiros invertebrados. Algumas espécies de Carapidae não só vivem dentro de outros animais, como se reproduzem dentro deles e se alimentam das gônadas dos pobres senhorios. Embora haja inúmeras espécies na família, Parmentier nunca encontrou duas diferentes em um mesmo hospedeiro. "Então, certamente há um sistema de identificação, o que significa também que, em última instância, os sons são usados como defesa territorial", ele disse.

Carapidae. Crédito: J.E. Randall

Como um peixinho que vive dentro de uma concha de molusco manda mensagens? Para entender essa questão, a equipe teve que montar uma oficina numa cadeia de atóis, no Pacífico. Depois de mergulhar no local tropical e idílico mar durante cerca de uma semana, Parmentier e Kever localizaram uma lagoa no atol remoto de Makemo, onde 70% das ostras continham um ou dois Carapidae. Eles instalaram equipamentos de gravação na lagoa e notaram que dava para escutar os sons dos peixes a até 40 metros de distância, um grito impressionante para um animal de apenas sete centímetros de comprimento.

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"Peixes que vivem dentro de um hospedeiro com tecido duro são bem raros, e queríamos saber se esse tipo de hospedeiro impacta a comunicação acústica", explicou Kever, o orientando de Parmentier.

A equipe trouxe alguns espécimes de volta ao laboratório provisório, na ilha, onde tentou gravar e descrever suas mensagens singulares, mas os peixes não cooperaram. Só produziam sons quando estavam dentro das ostras. Então, Parmentier se lembrou de um  ​artigo escrito pelo etólogo italiano Marco Lugli em 2012, que demonstrava que pedras e conchas podiam amplificar pequenos sons de baixa frequência no fundo do mar. Foi quando Permentier percebeu que os Carapidae sabiam de algo que ele não sabia.

Parmentier telefonou de volta para Lugli em seu laboratório, na Universidade de Parma, com essa ideia em mente. Lugli concordou que deveriam examinar a questão e cuidou para que as conchas fossem enviadas ao seu laboratório, na Universidade de Parma, para serem testadas por sua potencialidade de ressonância. Ele as colocou em tanques com um auto-falante minúsculo, submerso, instalado dentro de uma concha que ecoava ruído branco (uma série de tons em frequências variadas) em sua própria cavidade, para emular um peixe sonoro. Para sua surpresa, a concha amplificou o som em três diferentes faixas de frequência — uma descoberta incrível, que aponta para a possibilidade de esses peixinhos terem descoberto uma forma de fazer barulho.

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Jacques Cousteau se enganou quando intitulou o documentário épico de 1954 como O Mundo Silencioso, pois os mares são tudo menos silenciosos. Em primeiro lugar, há os sons turbulentos da água borbulhando, de ondas quebrando, há milhares de peixes tagarelas pulsando, cantando, crescendo, chacoalhando e até mesmo berrando para se comunicar, sem mencionar o barulho deles mascando comida, rangendo os dentes e ainda há os ​ruídos provocados pelo homem, associados a navios e barcos.

De uma perspectiva evolutiva, é aceitável que pequenos peixes sejam capazes de usar o ambiente para estimular suas mensagens, para que se destaquem no ambiente. Assim, os peixes ganhariam vantagem na busca por um parceiro ou talvez na defesa do território, mas como um peixinho é capaz de fazer isso?

É como usar um alto-falante tweeter para um fazer o trabalho de um woofer

"Durante muitos anos, as pessoas se perguntaram como o peixe-sapo, por exemplo, um pequeno radiador, era capaz de ecoar um som tão impressionante. No caso do peixe-sapo, é como usar um tweeter para um fazer o trabalho de um woofer, em termos de auto-falantes", disse Michael Fine, biólogo e principal pesquisador de bioacústica da Universidade Virgínia Commonwealth.

Ondas sonoras não passam de ondas de pressão. Isso significa que, quanto mais alto o som, mais energia ele tem e, assim como um auto-falante pequeno produz um som mais baixo, um peixinho também deveria produzir um som baixinho. Mas além de alto, o ruído que muitos peixinhos produzem é de baixa frequência, o que também é intrigante. Ruídos de baixa frequência têm comprimentos de onda mais longos e requerem mais energia para serem produzidos, especialmente debaixo d'água, onde a velocidade do som é cinco vezes mais rápida do que no ar (tente se lembrar das aulas de física do colégio: velocidade do som = comprimento da onda x frequência). Como um violino produziria uma nota de baixo?

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Talvez o animal tenha se adaptado para aproveitar o que ele tem a seu dispor. O peixe-sapo, mencionado acima, é capaz de fazer vibrar sua bexiga natatória 200 vezes por segundo, produzindo um belo tom de frequência baixa, de 200 Hz. Mas Marco Lugli parece ter encontrado outra explicação.

Antes do trabalho com o Carapidae, ele estava estudando uma pequena espécie mediterrânea do peixe caboz, de água doce, a Padogobius bonelli, que constrói sua casa dentro de tocas, em leitos de rios do norte da Itália. O peixe tem um ritual de cortejo bem elaborado, no qual cava um buraco no cascalho, geralmente embaixo de uma pedra ou concha. Em outras espécies de caboz, como no caso do pequeno Pomatoschistus minutus, de água salgada, o macho chega a empilhar areia em cima de seu abrigo. Em ambas as espécies, o macho se remexe, cavando uma toca, e então se acolhe dentro do ninho, ocasionalmente chamando a atenção das transeuntes.

Quando a fêmea quer acasalar, ela entra no ninho e põe os ovos enquanto o macho faz serenatas. Tradicionalmente, biólogos explicavam o abrigo e o curioso emplhamento de areia como uma forma de camuflagem ou uma maneira do peixe demonstrar seu apelo como macho — mas Lugli notou que havia mais questões em jogo.

Como muitos outros peixes que constroem tocas, o caboz não está sozinho na preferência por vocalizar dentro de uma cavidade — o peixe-sapo e peixes das famílias Blenniidae e Crenuchidae também fazem isso. A configuração não é muito diferente de um tubo de órgão, e Lugli palpitou que talvez tivesse um efeito acústico. Ele juntou conchas e pedras do leito e recriou a cavidade do caboz em um tanque de laboratório, com o mesmo auto-falante em miniatura utilizado nas ostras do Carapidae.

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Lugli descobriu que os abrigos construídos por cabozes agem mesmo como amplificadores naturais para sons de baixa frequência. Em alguns casos,  ​eles aumentam o volume do som em até 18 dB a um alcance de 20 a 200 Hz — precisamente, o alcance vocal dos cabozes. E a tendência do caboz de água salgada para empilhar areia no topo dos ninhos de propósito? Acontece que isso tem um efeito interessante na produção de som, ​aumentando sua amplitude em 12 dB. Talvez quanto menor o peixe, mais inventivo ele seja.

"Produzir som dentro de uma cavidade pode ajudar o peixe a driblar ou, pelo menos, mitigar a limitação do tamanho na produção de som e talvez explique, em partes, por que tantos peixinhos (por exemplo, peixes-sapos, cabozes e Blenniidae) façam chamados de dentro de cavidades e usem sons de baixa frequência", disse Lugli a respeito das descobertas.

"Nas Profundezas", por Marco Lugli

Esses estudos fornecem um exemplo notável de peixes que podem estar se aproveitando do ambiente para deixar a comunicação mais efetiva. O trabalho de Lugli levanta a possibilidade do ninho do caboz fornecer pistas acústicas à pretendente do peixe. Há evidências de que os peixes da família Pomacentridae, por exemplo,  ​reconhecem chamados de membros da mesma espécie, indício de que os chamados são úteis para o acasalamento.

"Acho que o uso de abrigos que amplificam o som simplesmente dá aos peixes o bônus de um barulho mais alto, que pode ser ouvido a uma distância maior ou pode transmitir uma mensagem mais efetiva às fêmeas e aos machos rivais", disse Michael Fine.  ​Pesquisadores demonstraram que cabozes maiores produzem sons mais altos. Se as fêmeas por acaso preferirem machos grandes, um pequeno caboz poderia parecer maior ao erguer um anfiteatro para suas canções.

Esta pesquisa abre portas para a possibilidade de peixes manipularem o ambiente para serem escutados, elaborando uma série de soluções surpreendentes para os desafios da comunicação debaixo d'água. De ostras a tocas de cabozes, a diversidade é fantástica, e é o que mais impressiona Parmentier.

"Toda vez que coloco os hidrofones, fico muito impressionado com a quantidade de músicas diferentes que consigo gravar", ele disse. "A parte mais interessante é tentar explicar os mecanismos diferentes que os peixes usam para produzir sons. A diversidade é fantástica."

Tradução: Stephanie Fernandes