Como os Militares Americanos Filtram Todos os Dados do Mundo
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Tecnologia

Como os Militares Americanos Filtram Todos os Dados do Mundo

O big data das forças armadas está de olho em você. E neles mesmos também.

"Você já leu A Arte da Guerra de Sun Tzu?"

Eis uma pergunta que não esperava que fosse feita por uma cientista de dados cujos dias se resumem a buscar melhores formas de extrair informações na internet. Com calma e repertório incomum, a pesquisadora Olfa Nasraoui, da Universidade de Louisville, nos Estados Unidos, buscava me explicar como o big data é usado no planejamento de defesa.

"Tzu diz que, se você conhece o inimigo e a si mesmo, não é preciso temer o resultado de 100 batalhas", ela continuou. "Por aí dá pra entender como o big data é utilizado na guerra."

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Big data é um termo que ganhou tanto destaque nos últimos anos que quase perdeu seu significado. Todos os dias saem caminhões de matérias sobre como esse tipo de tecnologia poderia ser usada por empresas, governos e indivíduos.

É meio óbvio que os militares americanos estão nessa. Mas a questão é: como eles estão usando o big data agora que todos usam a tecnologia para os mais variados fins?

A resposta principal de Olfa e outras pessoas com quem falei é simples: os militares usam qualquer conjunto grande de dados que se possa imaginar; das tarefas mais rotineiras a complicados planejamentos de longo prazo.

"Grandes conjuntos de dados já existem há um bom tempo. Eles cresceram ainda mais nos últimos anos e, agora, temos o poder computacional e tecnologia necessários para processá-los", afirma Vicki Barbur, diretora técnica da Concurrent Technologies Corporation, organização sem fins lucrativos de pesquisa e desenvolvimento aplicado que auxilia seus clientes – incluindo o exército americano – a encontrar as ferramentas certas de análise de dados.

Segundo Vicky, o big data na defesa começa com as informações mais básicas. "O tipo de informação que temos acesso diariamente é a mesma que interessaria a grupos de defesa: GPS, clima, ambiente, trânsito, crescimento da vegetação", diz. "Isso tudo reunido e questionado de forma muito específica."

Não é difícil perceber como essas informações são úteis para as forças armadas. Se você está planejando uma missão, curtiria ter um material com todos os dados essenciais sobre clima, trânsito e ambiente, que permitiria planejar o melhor caminho a se seguir. É como ter um aplicativo de navegação no celular: ele puxa dados sobre clima, condições na estrada, obras, trânsito e muito mais, combinando com as especificações determinadas por você – trajeto mais bonito, sem pedágios, o que for – e lhe dá o caminho das pedras. Isto é o big data em ação numa escala relativamente pequena.

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Mas o uso do big data pelos militares vai bem além de chuvas e engarrafamentos. Junto de todos os dados que usamos no dia-a-dia, eles também coletam dados gerados por humanos. E não são poucos. "Existem 7 bilhões de pessoas na terra e 6 bilhões delas têm celular. Um bilhão de pessoas logou no Facebook no dia 24 de agosto. Uma a cada sete pessoas no planeta", disse Nasraoui. "O maior desafio é como filtrar todo o ruído já que grande parte dos dados não terá utilidade."

Toda essa atividade humana gera quantidades abissais de dados. Os militares precisam passar pente fino para captar o que pode ser usado por sua inteligência. Eles pegam só o necessário e de forma rápida por meio de algoritmos velozes desenvolvidos por cientistas de dados e pesquisadores. Também usam ferramentas de fusão que combinam diferentes conjuntos de dados, novas técnicas de indexação, serviços na nuvem melhorados que processam dados e softwares inovadores como o Memex, o "Google da deep web" da DARPA.

"Uma missão ativa de militares não difere muito de um jogo de futebol."

No mundo real, isso permite aos militares combinarem gigantescos bancos de dados gerados por humanos – de tuítes a ligações telefônicas e localizações de GPS – filtrando o que for necessário. Nasraoui menciona a vigilância em torno do ISIS como exemplo. "O ISIS de fato usa as redes sociais para ganhar apoiadores e se vangloriarem de suas atividades", afirmou. "A maior parte dos dados em redes sociais é inócuo, inocente, mas talvez haja um tuíte de exércitos com informações úteis que podemos usar."

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É claro que nenhuma pessoa conseguiria ler todo o Twitter em busca de informações sobre o ISIS. É preciso então de algoritmos que filtrem tudo e destaquem dados de interesse, afirmou Nasraoui.

A tecnologia biométrica também introduziu um novo mundo de dados gerados por humanos. Os militares a usam não só para fins de inteligência (como escanear as íris de pessoas importantes em campo), mas também para monitorar soldados norte-americanos, afirmou Barbur. Algo simples como uma espécie de pulseira Nike Fuelband poderia prover um sem-fim de dados que ajudam a analisar o desempenho de um soldado.

"Uma missão ativa não difere muito de um jogo de futebol", afirmou Barbur. "Você tem soldados ou jogadores em campo e precisa saber como eles estão indo para ter noção se alguém corre risco antes que algo dê errado."

Assim que é coletada e separada, toda essa informação precisa ser apresentada de forma que os planejadores consigam compreendê-la. Algumas das ferramentas de big data em nossa vida tomam decisões por nós, explicou Nasraoui, mas no caso de defesa militar, não funcionaria. Tomemos o Netflix como exemplo: ele analisa uma quantidade enorme de dados a partir do que você assiste e usa um algoritmo para sugerir novos programas e filmes. Ótimo para o Netflix, mas quando se fala de guerra, é claro que há muito mais em jogo. Os "filmes sugeridos" da equação – que seriam movimentos ou operações de batalha, por exemplo – dependeriam de raciocínio humano.

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E o volume de dados não é o único desafio da área. Analisar a fala humana, por exemplo, é fácil para uma pessoa de verdade, mas, para um algoritmo, apesar de muitas pesquisas conduzidas na área, é bem complicado.

Há ainda a questão ética.

Este último tópico ficou evidente com o caso de Edward Snowden. "A questão de como se obter e analisar dados gerados por humanos de forma legal e ética é a mais importante a ser considerada pelos militares, especialmente quando muitos ainda não têm ideia de quantos dados geram todos os dias", afirma Nasraoui,.

"Infelizmente, duvido que grande parte das pessoas esteja ciente dos dados que produzem, basta observar como interagem com sites e aplicativos e games. Elas revelam muito", declarou Nasraoui. "Duvido mesmo que a maioria saiba como seus dados são usados. E cada dado pode mesmo ser usado, se você parar pra pensar. Se isto é ético e legal, fica a pergunta".

Tradução: Thiago "Índio" Silva