Como o Mais Importante Câmbio de Bitcoin Implodiu
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Como o Mais Importante Câmbio de Bitcoin Implodiu

Os bastidores da queda do Mt. Gox.

Por cerca de quatro anos, o site com base em Tóquio Mt. Gox foi o maior e mais importante câmbio de Bitcoin. Apesar de suas diversas falhas, muitos o consideravam a opção padrão para compra e venda de Bitcoin com dinheiro real. Mas no começo de 2014, o Mt. Gox entrou em colapso e o dinheiro de seus clientes sumiu no ar. Logo depois, faliu. Seus ativos foram adquiridos pelo Kraken, um rival de San Francisco, que agora reembolsa todos os clientes do antigo Mt. Gox. Contamos a história do que aconteceu nos bastidores do desastre.

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Mark Karpeles, CEO do site de câmbio de Bitcoin Mt. Gox, passava boa parte de seus dias transformando o térreo de seu escritório no Bitcoin Café, uma vitrine do mundo real para o Bitcoin, em Tóquio, no Japão.

Mark trabalhava nos detalhes do café, desde a iluminação do teto em LED programável às receitas do que seria servido. Ele estava prestes a abrir as portas da loja, com vinhos nas prateleiras e canecas azuis do Bitcoin Café ao lado do caixa.

Enquanto arrumava seu negócio, Mark não parecia ser o responsável por uma empresa financeira à beira de uma crise existencial.

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Durante grande parte de janeiro, o preço do Bitcoin no Mt. Gox era cerca de US$ 100 mais caro que em qualquer outro site por causa das dificuldades encontradas na transferência de saques para clientes fora do Japão.

A partir daí algo preocupante começou a acontecer: um número cada vez maior de clientes do Mt. Gox relataram ter solicitado saques em Bitcoin e nunca receberam nada.

Os cerca de 30 funcionários do Mt. Gox não tinham ideia clara do que estava acontecendo. Quando Mark não estava no café, estava enfurnado em seu escritório, detrás de uma porta trancada no oitavo andar, longe dos escritórios do segundo e quarto andar, onde ficava a maioria de seus funcionários. Eles ficaram tão surpresos quanto seus clientes quando Mark decidiu encerrar todas as retiradas do Mt. Gox na sexta-feira, 7 de fevereiro.

O pânico causado pela ação só piorou na segunda, quando Mark deu a primeira explicação do ocorrido: a operação havia encontrado uma falha no protocolo Bitcoin. A falha, conhecida como maleabilidade de transações, permitia a usuários desonestos solicitarem retiradas, mudarem o código e então refazerem a solicitação.

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Isso fez com que o preço do Bitcoin caísse vertiginosamente por todo o mundo. Uma falha que poderia arruinar tudo.

O que Mark não falou foi que todas as outras grandes empresas de Bitcoin conheciam o problema há anos e haviam sido criadas com isso em mente. Enquanto isso, o Mt. Gox seguia inoperante – cultivando o medo de que algo maior estava errado.

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Mais tarde, Mark afirmaria que à época da polêmica ele passava seus dias no escritório e suas noites em seu apartamento, sozinho com seu gato Tibanne, analisando centenas de papeis contendo as chaves privadas das carteiras de Bitcoin do Mt. Gox.

Ele saiu dirigindo por Tóquio e coletou os papeis de três locais onde os havia armazenado (ele mantinha as chaves assim para que não ficassem vulneráveis a ataques de hackers). Assim que voltou ao apartamento com todos os QR codes, escaneou um a um com a webcam de seu computador. Uma combinação de medo e doença logo o tomou. Cada uma das carteiras analisadas apareciam vazias em seu monitor.

Era difícil para qualquer verificar se o que Mark dizia era verdade naqueles dias porque ele mantinha controle rígido sobre as contas do site. Com o passar do tempo, cada vez menos gente acreditava em Mark. Dez dias depois do fechamento das operações de saque do site, Mark anunciou que o problema estava resolvido.

Claro que não estava.

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Quando os gêmeos Winklevoss chegaram a Londres para uma aparição na Universidade de Oxford durante o final de semana, ligaram seus telefones e receberam um email preocupante do representante de Mark, Gonzague.

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"Gostaria de conversar com vocês urgentemente sobre a situação do MtGox", escreveu.

Quando Cameron Winklevoss o ligou naquela noite, via Skype, Gonzague foi direto ao ponto. Por volta de 650.000 bitcoins – praticamente todo o saldo dos clientes – sumira junto a outras 100.000 coins que pertenciam ao site.

Cameron estava em choque. Ao fazer os cálculos de cabeça, soube que Gonzague estava falando de centenas de milhões de dólares em Bitcoin.

"Como isso é possível?" foi tudo que pôde perguntar.

Gonzague disse que alguém estava roubando da carteira online da empresa ao mudar os identificadores de transação. Quando a carteira estava vazia, Mark sem querer a preenchia com coins das carteiras off-line até que todas estivessem zeradas. A coisa toda se desenrolou ao longo de meses, talvez anos.

Kolin Burges, programador e cliente do Mt. Gox, estacionou do lado de fora do escritório da empresa e confrontou Mark que chegava ao trabalha. "Você ainda está com as bitcoins de todos?" perguntou Kolin. "Me deixe entrar, por favor", disse Mark ao tentar passar por Kolin, que atrapalhava sua entrada. "Vou chamar a polícia", ameaçou Mark, antes de Kolin enfim deixá-lo passar.

Gonzague parecia animado. Ele havia explicado que Mark havia "se queimado" e concordava em deixar o Mt. Gox de lado para que a loja pudesse ser reincorporada por novos donos: os gêmeos. Gonzague pensou que seria possível fazer isso sem contar a ninguém o que havia acontecido. Se o site conseguisse uma infusão de coins, ele então poderia recuperar o que havia sido perdido com o tempo, por meio de taxas. Caso não fosse feito, disse Gonzague, em tom sinistro, poderia atrasar o Bitcoin em anos.

Os gêmeos não eram as únicas pessoas a quem Mark e Gonzague procuraram em busca de uma tábua de salvação. Mas todos disseram à equipe do Mt. Gox a mesma coisa: não havia nada a ser a feito além de admitir as perdas e declarar falência.

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Usuários comuns de Bitcoin perceberam que havia algo de errado quando a conta do Mt. Gox no Twitter sumiu sem mais nem menos. Mas Mark e Gonzague continuavam esperançosos de que alguém apareceria e salvaria suas peles. Mark disse a Cameron que planejava falar com um juiz sobre a falência. Ainda assim, enfatizou: "Nosso objetivo é tentar salvar o MtGox antes de abrirmos falência."

A crescente bolha de incerteza sobre como a situação se desenrolaria estourou n quando um blogueiro popular no meio Bitcoin, conhecido como Two Bit Idiot, postou uma cópia vazada do Plano de Estratégia para Crises Internas do Mt. Gox.

Era claramente um rascunho, com erros de digitação e inconsistências, mas deixava bem claro o que havia acontecido:

A realidade é que o MtGox pode falir a qualquer instante, e certamente merece isso, enquanto empresa. Porém, com o Bitcoin/crypto só tendo ganho a aceitação do público recentemente, os possíveis danos à percepção pública a este tipo de tecnologia poderia atrasá-la em 5~10 anos, e fazer com que governos agissem de forma rápida e brutal. Com o risco da hipérbole, este poderia ser o fim do Bitcoin, ao menos para maior parte das pessoas.

Com a disseminação do arquivo, os envolvidos com Bitcoin tentavam determinar se era verdadeiro ou não. Nos fóruns, a sensação que pairava no ar era a de que a coisa fosse pro brejo. Quando ninguém se pronunciou quanto ao documento, o preço da Bitcoin começou a cair em queda livre.

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E então, de modo surpreendente, a queda começou a desacelerar.

***

Dentro de algumas horas, o preço do Bitcoin estabilizou. Muitas pessoas pareciam estar dispostas a acreditar na ideia de que não havia nada de errado com a moeda. Falava-se que o desaparecimento da mais desastrosa empresa a lidar com a moeda poderia ser bom para a tecnologia. Em dois dias, o valor do Bitcoin havia voltado ao local em que estava quando as notícias sobre o Mt. Gox saíram.

Ainda assim, sob a aparente calma, havia danos imensos que passavam despercebidos. Os números gigantescos do Mt. Gox sugeriam que dezenas de milhares de pessoas haviam deixado seu dinheiro nas mãos da empresa mesmo com todos os alertas. Tais valores, estimados em US$ 400 milhões na semana anterior, haviam sumido em uma misteriosa cortina de fumaça.

Na mesma semana da quebra, advogados em Chicago e Denver entraram com uma ação em busca de torná-la uma ação de classe para representar todas as vítimas, e os promotores federais começaram a distribuir intimações para ajudar na investigação criminal que havia sido lançada.

Mesmo muitas das vítimas culpavam o Mt. Gox, e não o Bitcoin. Não havia nada de errado com o protocolo Bitcoin, diziam. Durante muito tempo o Mt. Gox foi tido como um exemplo dos perigos que surgiam quando usuários de Bitcoin dependiam de instituições centralizadoras, e não no sistema de chaves privadas e carteiras pessoais que o criador da moeda, sob pseudônimo, Satoshi Nakamoto, havia criado.

Um estudo acadêmico de 2013 revelou que 45% das operações de Bitcoin que lidavam com dinheiro real faliram. Muitas delas levaram a grana de seus clientes junto. Mt. Gox dificilmente foi a primeira. Foi a apenas a maior.

Tradução: Thiago "Índio" Silva

Esse é um trecho de "Digital Gold: Bitcoin and the Inside Story of the Misfits and Millionaires", novo livro do repórter do New York Times Nathaniel Popper.