O Brasil do futuro será um país de velhos
Crédito: Arthur Porto

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O Brasil do futuro será um país de velhos

A partir de 2050, quando formos velhinhos, seremos a maioria da população nacional. Como isso afetará saúde, economia, educação, criminalidade e sexualidade do país?

O destino de todo ser humano — se tiver sorte na vida — é envelhecer. O mesmo acontece com os países. Ao longo do século 20, os avanços na medicina e no saneamento básico levaram a queda na mortalidade de nações desenvolvidas como Japão, Suécia e Canadá. Ao mesmo tempo, os casais passaram a ter cada vez menos filhos. Como resultado, temos menos crianças e mais vovôs.

Agora, no século 21, chegou a vez do Brasil virar velhinho. Basta olhar os números das últimas décadas para perceber. Em 1940, apenas 4,1% da população tinha mais de 60 anos. Hoje, segundo o último Censo Demográfico, esse índice passou a 10,8%. Em menos de um século, fomos de 1,7 milhão de idosos para 20,6 milhões. E não para aí. Estimativas mostram que, em 2050, teremos 68,1 milhões de idosos. O triplo do valor atual. Na mesma época, haverá só 18,8 milhões de crianças de até 14 anos.

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"O Brasil repete o que aconteceu nos países desenvolvidos, mas com a diferença que aqui o processo de envelhecimento será mais veloz porque a fecundidade da população caiu numa taxa muito alta", diz Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (IPEA) que estuda o envelhecimento da população brasileira.

Os dados levantados pela pesquisadora mostram que, a partir de 2035, a população brasileira deve atingir a marca de 214 milhões de habitantes e parar de crescer. Com exceção de um segmento: os maiores de 45 anos. Depois de 2045, enquanto a população brasileira diminui, o único setor que crescerá é o de maiores de 50 anos.

É certo que um envelhecimento desse porte altera o país. Num primeiro momento, o que era para ser visto como uma conquista da sociedade — viver mais — parece se tornar um peso. Seremos uma sociedade mais conservadora, estagnada, destinada à falência econômica? Pesquisadores que se debruçaram sobre o assunto são claros em dizer que não: os idosos de amanhã serão um reflexo dos jovens de hoje. "A percepção que temos em relação aos idosos está mudando. De um indivíduo passivo e frágil, eles passam a ser vistos como ativos, com importantes papéis sociais para serem desempenhado", diz Camarano.

O Motherboard conversou com especialistas para prever como o envelhecimento da população deve afetar a vida dos brasileiros em setores como saúde, previdência, educação, meio ambiente, crime e família. O resultado: tudo muda para os idosos do futuro, mas a direção desse mudança depende de escolhas de hoje.

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Crédito: Arthur Porto

Um Brasil mais feminino e mais amigável ao ambiente

Os estudos sobre o envelhecimento da população são importantes porque, embora a velhice não seja novidade na história humana, sua democratização é. "Antigamente a probabilidade de alguém envelhecer era muito pequena, pelo mesmo motivo que não se encontram leões e rinocerontes velhos na natureza: eles são incluídos na cadeia alimentar", diz o geriatra Wilson Jacob, professor da Universidade de São Paulo. "A grande revolução é que agora muitos podem envelhecer. Daqui a pouco tempo uma em cada três pessoas do mundo serão idosos."

Os estudos mostram que essa mudança vai afetar a cara da população brasileira. Para começar, alterará o balanço entre os sexos. Como os homens morrem mais cedo do que as mulheres, o mundo da velhice é predominantemente feminino. "Hoje 54% dos idosos são mulheres. Esse índice aumenta ainda mais conforme a idade: quanto mais velha a população, mais feminina", diz Camarano, do IBGE.

Já do ponto de vista da idade, o segmento populacional que mais cresce é o de mais de 80 anos, conhecidos como superidosos. Se hoje eles representam 1,5% da população total, em 2040 devem chegar a 6,9%. Dessa população, 60,3% serão mulheres. "Esse grupo nasceu numa época em que a fecundidade era muito alta e agora está vendo a redução da mortalidade", diz Camarano.

Hoje 54% dos idosos são mulheres. Esse índice aumenta ainda mais conforme a idade: quanto mais velha a população, mais feminina

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Essas mudanças no perfil da sociedade devem alterar o próprio cotidiano do brasileiro. A queda da população jovem, por exemplo, deve permitir ao governo diminuir os investimentos na educação. Mas, se ele decidir gastar a mesma quantia nessa área, poderá aumentar sua qualidade de maneira nunca vista no país.

Para o meio ambiente o envelhecimento também pode ser boa notícia. No livro Novo Regime Demográfico, publicado pelo IPEA em 2014 e organizado por Ana Amélia Camarano, um dos estudos incluídos analisou o padrão de consumo de idosos e adultos. Como resultado, mostrou que os maiores de 60 anos têm um consumo menos intensivo de terra e água. Em apenas um ano, um idoso gasta 175 mil litros de água a menos que um adulto. Assim, o envelhecimento da população tende a diminuir a pressão sobre o planeta.

No mesmo livro, outro estudo mostra uma relação entre envelhecimento e a queda da criminalidade. "A literatura aponta que o crime incide mais entre os homens a partir dos 12 ou 13 anos, atinge seu ápice aos 18 anos e se esgota antes dos 30 anos. Os jovens são tanto os principais atores quanto as principais vítimas do crime", escrevem os autores. Segundo a projeção, a taxa de homicídio pode cair para menos de 10 por 100 mil habitantes até 2050, quase um terço da atual.

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Portfólio de doenças

Já na área da saúde, os médicos encontrarão um perfil de doenças muito diferente do atual. "Quando há uma população jovem, costumam prevalecer as doenças infecciosas que ou curam ou matam, como diarreias, infecções das vias aéreas e epidemias", diz o geriatra Wilson Jacob, da Universidade de São Paulo. "Mas quando temos uma população mais idosa, predominam as doenças crônicas, que não têm cura, como diabetes, hipertensão, depressão, osteoporose, osteoartrose."

Segundo o geriatra, nessa fase da vida, a saúde se torna uma espécie de portfólio em que são incluídas doenças que vão acompanhar o paciente pelo resto da vida. "Como vamos somando as doenças, tratamentos, remédios e dietas, parece que as pessoas estão mais doentes do que nunca. Mas é simplesmente porque elas vivem mais e tem mais tempo para adquirir doenças", diz Jacob.

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Uma das mazelas que tende a aparecer cada vez mais no portfólio do brasileiro é Alzheimer. Segundo o geriatra, esta é uma das doenças mais dependentes do tempo. Dos 60 aos 70 anos, a probabilidade de o indivíduo desenvolvê-la é de 5%. Dos 70 aos 80, a probabilidade dobra. Dos 80 aos 90 ela dobra de novo, indo para 20%.

"Ao ouvir isso, alguém pode pensar que é uma porcaria envelhecer. Mas não, é perfeitamente possível ser portador do Alzheimer, controlar a doença, e ter uma boa convivência com a família. Tudo bem você trocar o nome dos netos, não saber que hoje é terça-feira. E daí?", diz Jacob. "Saúde não significa ausência de doenças. Se elas forem bem cuidadas e tratadas, é possível ter qualidade de vida."

"O grande problema é o indivíduo não aceitar as mudanças e não se adaptar. O idoso precisa se aprimorar no ato de envelhecer. E a sociedade precisa melhorar na convivência com quem envelhece", diz o geriatra.

Para garantir que essa população tenha qualidade de vida, será necessária uma mudança no paradigma da saúde. Segundo o médico, hoje gasta-se muito tratando dos problemas que surgem na velhice e pouco na prevenção que impediria os mais jovens de se tornarem velhos doentes. "O problema é que isso vai contra o financiamento dos grandes provedores de medicamentos, aparelhos, grandes hospitais. Prefere-se investir mais na sofisticação das UTIS, nos aparelhos de 15a geração, que são muito caros", diz Jacob. "Enquanto isso, não fazemos nenhuma campanha real contra a obesidade e o sedentarismo"

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Se não houver essa mudança, o Sistema de Saúde não será capaz de dar conta dos novos doentes que surgirão. "Já não conseguimos tratar os doentes de hoje. Precisamos investir mais na manutenção da saúde do que em sua recuperação", diz. "A solução para esses problemas é fácil e barata: alimentação adequada, prática de atividade física e bom relacionamento social. Mas precisamos mudar de mentalidade."

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O grande rombo

Sempre que se fala em envelhecimento da população, um dos temas que aparece de forma catastrófica é o do rombo na previdência. O problema é que o dinheiro que paga a aposentadoria dos idosos vem da contribuição feita pela população no mercado formal de trabalho. O que vai acontecer quando houverem menos jovens trabalhando e mais idosos aposentando?

Segundo cálculos da Ana Amélia Camarano, até 2050, o número de benefícios pagos pelo INSS poderá ser multiplicado por 3,3 vezes. A proporção dos gastos da previdência em relação ao PIB devem subir de 7,2%, em 2012, para 10,3%, em 2050. O rombo já existe —neste ano o déficit do INSS será de 125 bilhões de reais — e deve piorar mais a cada ano. Por isso, economistas e governo se debatem em busca de uma solução.

Hoje uma pessoa pode pedir a aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade mínima, que é de 65 anos para o homem e 60 anos para a mulher. Mas já se discute acabar com a aposentadoria por tempo de contribuição – porque estaria criando aposentados muito jovens – e aumentar a idade mínima para 70 anos. As propostas já foram apresentadas pelo governo interino, mas enfrentam resistência de uma parte da população.

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"O problema é que o Brasil é um país muito desigual. Os mais pobres começam a trabalhar muito cedo, enquanto os mais abonados podem ser sustentados pelos pais por mais tempo, podem estudar", diz a economista Rosa Maria Marques, professora da PUC-SP. ". Quando se propõe um critério que leva em conta apenas a idade, não está se reconhecendo esse lado do mercado de trabalho."

"O Brasil é muito desigual. Os mais pobres começam a trabalhar muito cedo enquanto os mais abonados podem ser sustentados pelos pais por mais tempo. Quando se propõe aposentadoria que leva em conta só a idade, não se reconhece esse lado"

Segundo a economista, o atual desenho da previdência social no Brasil foi pensado na Europa do Pós-Guerra e copiado no Brasil dos anos 1970. "Se a sociedade mudou, temos que mudar esse desenho. Mudar apenas a idade de aposentadoria é uma solução burocrática, de quem olha para os números. Se subirmos para 70, depois será 80? Quando terá fim? É necessário discutir isso", questiona.

A economista afirma que, em vez de buscar a solução mais fácil, o país deveria reavaliar todo seu sistema tributário: como desejamos coletar e onde desejamos investir o nosso dinheiro. "A base da nossa previdência é a contribuição sobre salários. Mas posso pensar em outras formas de financiamento, que levem em conta os também os trabalhadores informais, por exemplo. Hoje se fala muito na contribuição sobre as bases financeiras", diz. "Não estou dizendo que essa é a solução, mas precisamos discutir essas questões."

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Questão de espírito

Os estudiosos dizem que envelhecer no mundo de hoje não é a mesma coisa que era há um século. São outros valores que implicam em modos de vida menos rígidos e mais abertos ao mundo moderno. Na configuração familiar, por exemplo, os idosos do futuro estarão habituados às relações mais fluídas, separações e recasamentos. Um avô poderá ter filhos de um segundo casamento e morar com o pequeno filho de sua nova namorada. "Hoje temos um outro modelo, que podemos chamar de família mosaico: formada pelos seus, pelos meus e os nossos", diz Ana Amélia Camarano, do IPEA.

Para demolir ainda mais a ideia que se tinha dos velhinhos, a nova geração de idosos já têm uma vida sexual ativa. "O viagra ajudou muito, mas as pesquisas mostram que a sexualidade também continua para as mulheres idosas", diz a antropóloga Myriam Moraes Lins de Barros da UFRJ. "Antigamente a questão sexual era estigmatizada, falar nisso era coisa de velho gagá. Hoje essa é uma geração que viveu o movimento feminista. Não é a velhice que vai determinar sua vida sexual."

Dentro dessa nova postura anciã, os pesquisadores registram um fenômeno ainda mais recente: os gays idosos que saem do armário. "Isso tem sido comum. São indivíduos que viveram numa época em que era absurdo pensar numa vida homossexual púbica, viram as mudanças da visão da sociedade e agora se encontram velhos", diz Lins de Barros.

As relações dos idosos de hoje com a família dependem muito de sua classe social. Entre os mais pobres, é comum que eles ainda sejam o arrimo da casa. "Muitas vezes, o idoso trabalhou a vida toda a garantiu sua aposentadoria. Pode acontecer de os filhos e netos estarem desempregados e ele ainda sustentar a casa", diz a antropóloga.

Crédito: Arthur Porto

Mas a situação oposta também acontece: o idoso pode não ter tanto dinheiro ou ter uma condição física debilitada e precisar da ajuda da família para sobreviver. "Uma pessoa de renda mais alta pode pagar cuidadores ou colocar em uma boa casa de repouso", diz a pesquisadora. "Já nas famílias de baixa renda, alguém da família — provavelmente uma mulher — vai cuidar dele. Ela vai ter que sair do mercado de trabalho e provavelmente não tinha isso como projeto de vida."

Entre as camadas mais pobres, é comum que várias gerações das famílias — filhos, pais, vós, bisos — morem sob o mesmo teto. "Se não for na mesma casa, é no mesmo quintal, num puxadinho", diz Lins de Barros. "As diferenças entre o envelhecer na pobreza e nos segmentos mais ricos vai aumentar ainda mais com o envelhecimento da população."

A antropóloga destaca, no entanto, que as mudanças no perfil dos idosos não pode impor uma visão restrita sobre o que é uma velhice desejável e torná-la uma obrigação para os idosos. Ela critica aquela ideia cada vez mais presente de que ser velho é questão de espírito, que deve ser evitada a qualquer custo. "Chamamos isso de ideologia da terceira idade. Ela diz que velho é negativo e cabe ao idoso ter um espírito jovem, buscar sociabilidades, fazer ginástica, sexo, dançar", diz.

Mas não existe um modelo correto de velhice. Existem idosos doentes, com limitações físicas, que não podem ser esquecidos. "Há uma diversidade de maneiras de ser velho e precisamos dar oportunidades econômicas, políticas e culturais para todos", diz. "Temos que garantir mais dignidade nessa idade, seja para o velho quer ser sair por ai dançando, seja para aquele que quer fazer crochê e jogar cartas. "