O destino de todo ser humano — se tiver sorte na vida — é envelhecer. O mesmo acontece com os países. Ao longo do século 20, os avanços na medicina e no saneamento básico levaram a queda na mortalidade de nações desenvolvidas como Japão, Suécia e Canadá. Ao mesmo tempo, os casais passaram a ter cada vez menos filhos. Como resultado, temos menos crianças e mais vovôs.Agora, no século 21, chegou a vez do Brasil virar velhinho. Basta olhar os números das últimas décadas para perceber. Em 1940, apenas 4,1% da população tinha mais de 60 anos. Hoje, segundo o último Censo Demográfico, esse índice passou a 10,8%. Em menos de um século, fomos de 1,7 milhão de idosos para 20,6 milhões. E não para aí. Estimativas mostram que, em 2050, teremos 68,1 milhões de idosos. O triplo do valor atual. Na mesma época, haverá só 18,8 milhões de crianças de até 14 anos.
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"O Brasil repete o que aconteceu nos países desenvolvidos, mas com a diferença que aqui o processo de envelhecimento será mais veloz porque a fecundidade da população caiu numa taxa muito alta", diz Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (IPEA) que estuda o envelhecimento da população brasileira.Os dados levantados pela pesquisadora mostram que, a partir de 2035, a população brasileira deve atingir a marca de 214 milhões de habitantes e parar de crescer. Com exceção de um segmento: os maiores de 45 anos. Depois de 2045, enquanto a população brasileira diminui, o único setor que crescerá é o de maiores de 50 anos.É certo que um envelhecimento desse porte altera o país. Num primeiro momento, o que era para ser visto como uma conquista da sociedade — viver mais — parece se tornar um peso. Seremos uma sociedade mais conservadora, estagnada, destinada à falência econômica? Pesquisadores que se debruçaram sobre o assunto são claros em dizer que não: os idosos de amanhã serão um reflexo dos jovens de hoje. "A percepção que temos em relação aos idosos está mudando. De um indivíduo passivo e frágil, eles passam a ser vistos como ativos, com importantes papéis sociais para serem desempenhado", diz Camarano.O Motherboard conversou com especialistas para prever como o envelhecimento da população deve afetar a vida dos brasileiros em setores como saúde, previdência, educação, meio ambiente, crime e família. O resultado: tudo muda para os idosos do futuro, mas a direção desse mudança depende de escolhas de hoje.
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Um Brasil mais feminino e mais amigável ao ambiente
Hoje 54% dos idosos são mulheres. Esse índice aumenta ainda mais conforme a idade: quanto mais velha a população, mais feminina
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Essas mudanças no perfil da sociedade devem alterar o próprio cotidiano do brasileiro. A queda da população jovem, por exemplo, deve permitir ao governo diminuir os investimentos na educação. Mas, se ele decidir gastar a mesma quantia nessa área, poderá aumentar sua qualidade de maneira nunca vista no país.Para o meio ambiente o envelhecimento também pode ser boa notícia. No livro Novo Regime Demográfico, publicado pelo IPEA em 2014 e organizado por Ana Amélia Camarano, um dos estudos incluídos analisou o padrão de consumo de idosos e adultos. Como resultado, mostrou que os maiores de 60 anos têm um consumo menos intensivo de terra e água. Em apenas um ano, um idoso gasta 175 mil litros de água a menos que um adulto. Assim, o envelhecimento da população tende a diminuir a pressão sobre o planeta.No mesmo livro, outro estudo mostra uma relação entre envelhecimento e a queda da criminalidade. "A literatura aponta que o crime incide mais entre os homens a partir dos 12 ou 13 anos, atinge seu ápice aos 18 anos e se esgota antes dos 30 anos. Os jovens são tanto os principais atores quanto as principais vítimas do crime", escrevem os autores. Segundo a projeção, a taxa de homicídio pode cair para menos de 10 por 100 mil habitantes até 2050, quase um terço da atual.
Portfólio de doenças
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Uma das mazelas que tende a aparecer cada vez mais no portfólio do brasileiro é Alzheimer. Segundo o geriatra, esta é uma das doenças mais dependentes do tempo. Dos 60 aos 70 anos, a probabilidade de o indivíduo desenvolvê-la é de 5%. Dos 70 aos 80, a probabilidade dobra. Dos 80 aos 90 ela dobra de novo, indo para 20%."Ao ouvir isso, alguém pode pensar que é uma porcaria envelhecer. Mas não, é perfeitamente possível ser portador do Alzheimer, controlar a doença, e ter uma boa convivência com a família. Tudo bem você trocar o nome dos netos, não saber que hoje é terça-feira. E daí?", diz Jacob. "Saúde não significa ausência de doenças. Se elas forem bem cuidadas e tratadas, é possível ter qualidade de vida.""O grande problema é o indivíduo não aceitar as mudanças e não se adaptar. O idoso precisa se aprimorar no ato de envelhecer. E a sociedade precisa melhorar na convivência com quem envelhece", diz o geriatra.Para garantir que essa população tenha qualidade de vida, será necessária uma mudança no paradigma da saúde. Segundo o médico, hoje gasta-se muito tratando dos problemas que surgem na velhice e pouco na prevenção que impediria os mais jovens de se tornarem velhos doentes. "O problema é que isso vai contra o financiamento dos grandes provedores de medicamentos, aparelhos, grandes hospitais. Prefere-se investir mais na sofisticação das UTIS, nos aparelhos de 15a geração, que são muito caros", diz Jacob. "Enquanto isso, não fazemos nenhuma campanha real contra a obesidade e o sedentarismo"
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Se não houver essa mudança, o Sistema de Saúde não será capaz de dar conta dos novos doentes que surgirão. "Já não conseguimos tratar os doentes de hoje. Precisamos investir mais na manutenção da saúde do que em sua recuperação", diz. "A solução para esses problemas é fácil e barata: alimentação adequada, prática de atividade física e bom relacionamento social. Mas precisamos mudar de mentalidade."
O grande rombo
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"O problema é que o Brasil é um país muito desigual. Os mais pobres começam a trabalhar muito cedo, enquanto os mais abonados podem ser sustentados pelos pais por mais tempo, podem estudar", diz a economista Rosa Maria Marques, professora da PUC-SP. ". Quando se propõe um critério que leva em conta apenas a idade, não está se reconhecendo esse lado do mercado de trabalho."
Segundo a economista, o atual desenho da previdência social no Brasil foi pensado na Europa do Pós-Guerra e copiado no Brasil dos anos 1970. "Se a sociedade mudou, temos que mudar esse desenho. Mudar apenas a idade de aposentadoria é uma solução burocrática, de quem olha para os números. Se subirmos para 70, depois será 80? Quando terá fim? É necessário discutir isso", questiona.A economista afirma que, em vez de buscar a solução mais fácil, o país deveria reavaliar todo seu sistema tributário: como desejamos coletar e onde desejamos investir o nosso dinheiro. "A base da nossa previdência é a contribuição sobre salários. Mas posso pensar em outras formas de financiamento, que levem em conta os também os trabalhadores informais, por exemplo. Hoje se fala muito na contribuição sobre as bases financeiras", diz. "Não estou dizendo que essa é a solução, mas precisamos discutir essas questões.""O Brasil é muito desigual. Os mais pobres começam a trabalhar muito cedo enquanto os mais abonados podem ser sustentados pelos pais por mais tempo. Quando se propõe aposentadoria que leva em conta só a idade, não se reconhece esse lado"
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Questão de espírito
Mas a situação oposta também acontece: o idoso pode não ter tanto dinheiro ou ter uma condição física debilitada e precisar da ajuda da família para sobreviver. "Uma pessoa de renda mais alta pode pagar cuidadores ou colocar em uma boa casa de repouso", diz a pesquisadora. "Já nas famílias de baixa renda, alguém da família — provavelmente uma mulher — vai cuidar dele. Ela vai ter que sair do mercado de trabalho e provavelmente não tinha isso como projeto de vida."Entre as camadas mais pobres, é comum que várias gerações das famílias — filhos, pais, vós, bisos — morem sob o mesmo teto. "Se não for na mesma casa, é no mesmo quintal, num puxadinho", diz Lins de Barros. "As diferenças entre o envelhecer na pobreza e nos segmentos mais ricos vai aumentar ainda mais com o envelhecimento da população."A antropóloga destaca, no entanto, que as mudanças no perfil dos idosos não pode impor uma visão restrita sobre o que é uma velhice desejável e torná-la uma obrigação para os idosos. Ela critica aquela ideia cada vez mais presente de que ser velho é questão de espírito, que deve ser evitada a qualquer custo. "Chamamos isso de ideologia da terceira idade. Ela diz que velho é negativo e cabe ao idoso ter um espírito jovem, buscar sociabilidades, fazer ginástica, sexo, dançar", diz.Mas não existe um modelo correto de velhice. Existem idosos doentes, com limitações físicas, que não podem ser esquecidos. "Há uma diversidade de maneiras de ser velho e precisamos dar oportunidades econômicas, políticas e culturais para todos", diz. "Temos que garantir mais dignidade nessa idade, seja para o velho quer ser sair por ai dançando, seja para aquele que quer fazer crochê e jogar cartas. "