​Como INTZ, o time de LoL que não perde, venceu pela primeira vez
A saga e o futuro dos cinco meninos campeões do CBLoL de 2016. Crédito: Bruno Alvares/ Riot Games Brasil

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​Como INTZ, o time de LoL que não perde, venceu pela primeira vez

A saga e o futuro dos cinco meninos campeões do CBLoL de 2016.

Cinco meninos brasileiros pegaram um avião em direção à Alemanha no último domingo, dia 17 de julho de 2016. Vão passar um mês ininterrupto de trabalho duro. No total, são um cabelo verde marca-texto, uma sobrancelha descolorida, um apelido de Pokémon, um par de óculos redondinhos, duas franjas cuidadosamente jogadas sobre o rosto e algum esforço no combate à acne. O trabalho dos garotos é jogar League of Legends (LoL) e eles são, há pelo menos dois anos, os melhores do Brasil fazendo isso.

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Demorou mais do que deveria para que a equipe INTZ provasse com um título brasileiro a indiscutível supremacia que ostentava nos comentários de bastidores e nos números. As memórias da conquista inédita, alcançada uma semana antes da viagem para treinos em Berlim, na Alemanha, ainda estavam vivas na cabeça dos cinco meninos e seus inevitáveis sorrisos bobos. Gabriel "Revolta" Henud, Micael "micaO" Rodrigues, Felipe "yang" Zhao, Luan "Jockster" Cardoso e Gabriel "tockers" Claumann estavam, juntos, há 31 séries sem perder dos adversários.

A final do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL) de 2016, realizada no dia 9 de julho, teve como palco o ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Os 10 mil ingressos disponíveis foram vendidos em poucas horas. Estava lotado. Além dos fãs presenciais, outros milhares se espalharam em computadores e celulares via YouTube, Twitch e Azubu, em 22 salas de cinema em 15 cidades pelo país e em frente a um telão instalado na Arena das Dunas, em Natal, Rio Grande do Norte, um dos palcos construídos para a Copa do Mundo de futebol em 2014.

A grande novidade desta competição, já tradicional no cenário de eSports brasileiro, foi a transmissão pela TV. Quem ligou no canal por assinatura Sportv 2 ao meio-dia daquele sábado querendo ver o tradicional futebolzinho, um jogo de vôlei ou aquele Gran Prix de judô, se surpreendeu – para o bem e para o mal – com seis horas de transmissão ininterrupta e extremamente profissional de League of Legends. Teve show de abertura, narrador, comentarista, fãs fanáticos e tudo mais que um esporte regular oferece. O único viés distinto é que o público é formado por crianças e jovens entre 13 e 25 anos. Apesar dos vários outros canais para assistir via internet, quase nenhuma divulgação e a enorme duração do evento, a emissora registrou média de 120 mil espectadores por minuto. Média. "A gente é a segunda paixão nacional, só que ninguém sabe", afirma, sem medo, Lucas Almeida, um dos sócios da INTZ.

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As mais de dez mil pessoas que assistiram à final no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Crédito: Bruno Alvares/ Riot Games Brasil

O adversário da INTZ na final foi a CNB, equipe tradicional do cenário brasileiro de LoL, mas que vinha como o azarão. A final foi em formato de melhor de 5 partidas. No fim, e com apenas um pequeno susto no percurso, deu INTZ por 3 a 1. Vitória indiscutível e inédita. Pela primeira vez, a INTZ teria a chance de disputar uma vaga no Mundial de League of Legends, o sonho dourado de qualquer jogador profissional. "Era difícil falarmos que éramos o melhor time do Brasil sem esse título", disse Micael, o "micaO", ainda sem conseguir tirar o sorriso bobo do rosto. Mas… Como um time há tanto tempo imbatível teve, apenas agora, uma chance de ir ao mundial? O problema foram as idas e vindas de Gabriel "Revolta" Henud, a grande estrela do elenco e o único que não faz parte da formação original, montada em 2014.

A INTZ, o melhor time de LoL do Brasil, surgiu por puro acaso. Lucas Almeida, 31 anos, um dos sócios da equipe, foi, na juventude, um jogador frustrado de Counter Strike, o CS, um game de tiro muito popular ainda hoje. Vivia trancado em lan houses e participava de competições com premiações ridículas, como um mouse ótico apenas para uma equipe de cinco jogadores. Quando fez 18 anos, frustrou-se e esqueceu completamente os jogos eletrônicos. Fez faculdade de marketing e especializou-se em marketing digital. Viajou pelo mundo – conheceu a esposa, uma russa, na Sibéria –, trabalhou em várias grandes empresas e estabeleceu-se profissionalmente na Espanha, de onde só voltou em setembro de 2012. A chama dos esportes eletrônicos só reacendeu em 2014, depois que ele conheceu Rogério Almeida, 42 anos, amigo de um amigo, apesar do mesmo sobrenome.

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A história de Rogério como empresário é completamente offline, na área de transportes. Mas seu filho, Luan, não saía do computador. Um dia, percebeu que o jogo que o menino jogava não poderia ser pausado sempre que o pai mandava. Era o League of Legends. Rogério perguntou a Luan sobre o jogo, para se integrar ao universo do filho, mas acabou recebendo uma resposta bem mais ampla. Em vez de dizer que eram dois times de 5 jogadores invocando "campeões" para destruir a base adversária, Luan disse o quanto aquilo era profissional, com times estabelecidos no Brasil, premiações em dinheiro e campeonatos pelo mundo. Era um negócio, e de negócio Rogério entendia bem. Resolveu entrar no ramo e montar um time com seu filho. Chamou um amigo para sócio. Esse amigo não estava disponível, mas tinha um sócio em uma empresa online de serviços para cachorros e gatos que poderia se interessar. Era Lucas Almeida.

Gaming House no final de 2015. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Em abril de 2014, Lucas e Rogério – com assessoria direta de Luan – fundaram a INTZ, um time iniciante entre gigantes do cenário como Pain, Keyd e KaBuM e CNB. Iniciante, mas que já começou com uma gaming house, como é chamado o apartamento ou casa onde os jogadores vivem e treinam em tempo integral. Em 2013, a equipe Pain tinha montado a primeira gaming house do país, seguindo o exemplo de sucesso dos melhores times do mundo. A INTZ não tinha tempo a perder. Os jogadores escolhidos foram refugo de um time de menor expressão, o Out of Position (OP), que já era refugo de outra equipe, a Team United. Ou seja, não eram nomes de sucesso no cenário. O intuito dos empresários era formar um time que se tornaria profissional apenas em 2015, com muito investimento e muito treino. Nesse time estavam quatro dos atuais jogadores: Micael "micaO" Rodrigues, Felipe "yang" Zhao, Luan "Jockster" Cardoso e Gabriel "tockers" Claumann. A única exceção era Thiago "Djokovic" Maia, treinador da antiga OP que virou jogador para completar a formação. O "problema" no planejamento é que esse time se tornou vencedor antes do planejado.

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"O LoL é a segunda paixão nacional, só que ninguém sabe"

No dia 29 de novembro de 2014, a INTZ venceu o Circuito Game7, realizado na Age Campinas, um dos maiores eventos nerds de São Paulo, depois de passar por algumas das principais equipes de LoL do país. Uma delas, a KaBuM, a primeira equipe brasileira a, neste mesmo ano, ganhar o campeonato nacional e a seletiva regional para o mundial, um feito até então inédito para um time daqui.

Logo após a conquista, o jogador Thiago "Djokovic" seria dispensado para dar lugar à primeira e última grande contratação da INTZ até hoje: Gabriel "Revolta" Henud. O carioca "Revolta" era uma estrela do cenário, com serviços prestados à Keyd e CNB, duas das maiores equipes brasileiras. Depois da contratação, os especialistas já apontavam a INTZ como a grande promessa de 2015.

Gabriel Henud foi um menino criado no Recreio, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Sua principal atividade quando criança foi jogar videogame e games de computador. Era bom jogando Tibia, Grand Chase e Dota, este último, um jogo com a mesma estrutura do League of Legends. "O que eu mais curto no LoL é a competitividade, é a parte que me encanta. Quando eu vi que podia ganhar, me destacar, gostei muito do jogo", diz "Revolta". Fez, portanto, o caminho natural, já que o LoL tem muito mais campeonatos por ano que o concorrente.

Treino na Gaming House. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

O efeito "Revolta" na INTZ foi melhor que o esperado no primeiro split do CBLoL 2015 – que é como o campeonato brasileiro, mas não dá vaga para o mundial. Para não dizer que passou o caminhão por cima dos rivais, teve um empate com a Keyd e outro com a Pain na fase de grupos, duas equipes que disputavam o favoritismo. Acabou em primeiro. Nas eliminatórias, o momento realmente decisivo, não perdeu uma partida sequer. Foi 3 a 0 contra a Pain nas semifinais e 3 a 0 contra a Keyd, única equipe brasileira que contava com dois coreanos, Kang "Daydream" Kyung-min e Kim "Emperor" Jin-hyun. A Coréia do Sul é, de longe, o país que mais domina os segredos do jogo, quase sempre campeões mundiais. O investimento da Keyd era mais que justificado. Os dois acabaram voltando para seus países após a derrota para o time de meninos da INTZ. Quem acabou sendo o melhor jogador do split, ou MVP, foi Gabriel "Revolta" Henud. "O Revolta é o melhor jogador do Brasil, historicamente. Sempre se manteve no topo, sempre disputando títulos. É o jogador mais valioso do cenário", afirma Gustavo "Melão" Ruzza, analista da Riot Games, a dona do jogo, no Brasil.

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A impressão era de que nada poderia parar a INTZ. Só que um dos coreanos que saiu da Keyd era exatamente da posição de Gabriel "Revolta", a grande estrela do momento. Antes mesmo da final, a Keyd procurou o pai e empresário de "Revolta" com uma oferta, sabendo do desfalque certo depois do campeonato. A ideia era que "Revolta" não soubesse de nada, já que estava disputando uma final com eles. Mas soube porque desconfiou e resolveu entrar no e-mail do pai. Estava lá. A Keyd o queria para a etapa final do CBLoL 2015. Na hora, o menino disse não. Depois de ganhar a primeira etapa com a INTZ, ainda viajaram para Turquia para disputar o International Wildcard Invitational. Acabaram perdendo a final para um time da casa, o Beşiktaş. O clima da viagem à Turquia já não era o mesmo. Por problemas de convivência com o grupo que "Revolta" nunca revelaria, ele já voltou ao Brasil decidido a mudar para a Keyd, seu antigo time. Além dos problemas, teve o dinheiro. A especulação dos bastidores indica que o salário que "Revolta" ganhava na INTZ multiplicou por cinco. Ele deixou a INTZ dias antes do fechamento da janela de transferências de jogadores, o que dificultou ainda mais a reforma do time antes do campeonato mais importante do ano. Para os fãs do time e boa parte de seus próprios fãs, "Revolta" passou a ser sinônimo de "mercenário".

'Revolta' . Crédito: Pablo Koury/ VICE

A INTZ substituiu "Revolta" por um jogador do próprio time, Luan "Jockster" Cardoso, que mudou de posição. Para cobrir a posição de "Jockster", a equipe contratou Leonardo "Alocs" Belo. No momento mais importante do ano, o CBLoL que daria vaga no mundial, o mais desejado, a INTZ estava sem a estrela. E a estrela estava sem o time que o levou a esta condição. A INTZ reconstruída terminou a fase de grupos em primeiro, superando todas as expectativas. A Keyd de "Revolta" ficou em segundo. No fim das contas, o terceiro lugar no grupo, a Pain, das estrelas Felipe "brTT" Gonçalves e Gabriel "Kami" Santos, atropelou os favoritos na fase eliminatória. Venceram a Keyd por 3 a 0 nas semifinais e a INTZ por 3 a 0 nas finais. De quebra, ainda venceram o Wildcard e conquistaram a vaga para o mundial na Europa.

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'micaO'. Crédito: Pablo Koury/ VICE

Para fãs e analistas, a saída de "Revolta" da INTZ foi fundamental para o adiamento de um ano da conquista do principal título brasileiro. "Para mim, foi bem claro que esse foi o maior motivo. Naquela final, com essa lineup [formação], a gente teria ganho", afirma o companheiro de time Micael "micaO" Rodrigues, sem pensar sequer um segundo. Lucas Almeida, sócio da INTZ, é mais contemporizador: "A única coisa que mudou é que o Revolta achou que poderia encontrar em outro clube uma felicidade maior. Isso tudo fez nós termos o Revolta de volta, mais fiel." O próprio Gabriel "Revolta" Henud segue mais a linha do chefe. "Tomamos rumos diferentes numa época, mas foi bom para acertar o reencontro. Ficamos muito mais firmes em tudo, foi uma decisão tranquila", diz "Revolta".

"Nenhum time jamais tinha vencido as duas etapas no mesmo ano"

Fato é que as promessas de dominação do cenário feitas em 2015 acabaram se cumprindo em 2016. "Revolta" voltou à INTZ em agosto de 2015, depois dos dois splits do CBLoL daquele ano. Como disse o próprio, ele gosta de ganhar. Percebeu, finalmente, que suas maiores chances eram com time de iniciantes que "adotou" dois anos antes. Em dezembro, o time que era a eterna promessa de sucesso, o time vencedor, se reuniu com a volta de Luan "Jockster" Cardoso à sua posição original. O ano de 2016 começou com uma primeira etapa complicada em termos de readaptação, mas a vitória final, contra a Keyd, foi de 3 a 0. Era indiscutível a supremacia deste grupo de cinco meninos. Entre a primeira e a segunda etapa, a INTZ foi treinar na Europa para evoluir ainda mais. Depois da Coréia do Sul, o cenário Europeu é o mais respeitado no League of Legends, disputando ano a ano com o Norte Americano. Lá, ouviram um elogio espontâneo e completamente inesperado. "Em treinos contra a INTZ nós pudemos aprender mais do que com os times europeus normais", disse Oskar "VandeR" Bogdan, jogador da H2K, um dos principais times da região.

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'yang' e 'Tockers' com o treinador americano Alex 'Abaxial' Haibel ao fundo. Crédito: Pablo Koury/ VICE

Na segunda etapa do CBLoL de 2016, a que dá vaga para o mundial e é considerado verdadeiro Campeonato Brasileiro, surgiu um novo fantasma: o time da CNB, treinado pelo jogador que Gabriel "Revolta" substituiu em 2014 na INTZ, Thiago "Djokovic" Maia. A CNB ficou em primeiro na fase de grupos, deixando a INTZ em segundo. Os dois times se reencontrariam na final, dia 9 de julho de 2016, com a maior audiência já registrada em um jogo de esportes eletrônicos no Brasil.

O resultado você já sabe. INTZ 3 x 1 CNB, um jogo relativamente tranquilo. No mínimo, controlado. A supremacia técnica do time que começou a jogar junto dois anos antes finalmente seria confirmada com o título inédito. Juntos, os cinco meninos da INTZ completariam 31 séries sem perder nesta final. Antes ficassem juntos o tempo inteiro. "Manter esse elenco junto é um dos grandes motivos de sucesso do time. Faz com que você sempre saia na frente do adversário, que precisa se adaptar às mudanças constantes", afirma o analista Gustavo "Melão". Agora, qualquer dúvida cairia por terra. "Era aquele título mais importante, que faltava para a gente se provar", diz Micael "micaO". "Foi um desafio maior que todos os outros", diz Gabriel "Revolta". "E nenhum time jamais tinha vencido as duas etapas no mesmo ano."

Descontração no dia da final. Crédito: Bruno Alvares/ Riot Games Brasil

Comemorar? No dia da vitória inédita e tão desejada, os jogadores encontraram as famílias no Ibirapuera. No fim da noite, foram à uma balada paulista. Não durou muito tempo. Durante a semana da vitória, alguns passaram uns dias com a família na terra natal. "Revolta" conseguiu uns dias no Rio de Janeiro, por exemplo. Na quinta-feira depois do sábado vitorioso, todos estavam juntos novamente na gaming house.

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No domingo, 17 de julho, viajaram para capital alemã, onde passarão um mês inteiro treinando com times europeus. O motivo é a preparação para o International Wildcard, o campeonato que vai ter finais no começo de agosto e, pela primeira vez, será no Brasil, em Curitiba, no teatro Ópera de Arame. A chance de ir para o mundial é o maior sonho de qualquer jogador brasileiro de LoL. Apenas dois times brasileiros conseguiram este feito até hoje. Por enquanto, porém, as notícias da Alemanha via Twitter são as mesmas de qualquer menino que viaja para um lugar novo.

- Hoje começa minha jornada pokemon!!! - disse "micaO", em referência à febre Pokémon GO, jogo ativo na Alemanha e em pouquíssimos outros países. No Brasil, nada ainda.

- podiam inventar umas comida boa e barata q emagrece ficaria mt feliz - disse "Yang".

- mano nego só tem moeda nessa porra - disse "Jockster".

- to apanhando mais que lutador de ufc - disse "tockers".

- adoro ficar de cueca balançando água com gás - disse "Revolta".

Mundial e tal, mas são apenas cinco meninos com cabelo colorido, óculos redondo e problema de acne. Não tem jeito.