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Tecnologia

​O Bitcoin é Ambientalmente Insustentável

A energia de uma transação de Bitcoin pode alimentar mais de uma casa de uma família americana por um dia.

O ano é 2018. Após negociações conturbadas que culminaram na saída da Grécia da zona do euro, a crise econômica atingiu Itália, Portugal, Espanha e França. Os cidadãos europeus buscam um jeito de reaver seu dinheiro enquanto seu poder de compra desaba, bancos impõem limites de saque e casas de câmbio desvalorizam o já fraco euro.

É aí que entra o Bitcoin.

Em comparação com o euro, a moeda eletrônica descentralizada se torna um ativo digital estável. Compradores enlouquecidos trocam todos seus euros por bitcoins e, em pouco tempo, depositantes de todo o mundo entram no esquema. O preço do Bitcoin aumenta, o que atrai mais compradores e especuladores e chama a atenção dos grandes governos.

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O cenário acima é digna de um site de teorias da conspiração. Mas será que o Bitcoin tem (ou deveria ter) o poder de dominar o mercado mundial? Alguns de seus defensores mais ferrenhos afirmam que a moeda está pronta para brilhar — em outras palavras, preparada para substituir moedas nacionais ou até mesmo substituir as câmaras de compensação decrépitas do sistema bancário global. É aqui que nos perguntamos: seria uma boa solução para os problemas mundiais?

Do ponto de vista ambiental, não. Infelizmente, o Bitcoin gasta muita energia: segundo meus cálculos, uma única transação de bitcoins gasta eletricidade necessária para alimentar 1.57 casas por dia.

Todo essa eletricidade tem papel importante: ao aumentar o preço da energia necessária para controlar todas as transações de sua rede, o sistema protege o Bitcoin de ataques vindos de especuladores, criminosos e outros malfeitores. Os computadores que sustentam a base da economia do Bitcoin usam enigmas criptográficos para garantir a segurança da rede. O processo é conhecido como "mineração". Aqueles que ajudam na manutenção da rede são recompensados com bitcoins, um incentivo para que eles turbinem seus computadores e "minerem" com mais eficiência.

O Bitcoin poderia até se tornar mais eficiente, mas para que isso ocorresse, seria preciso inserir mais transações dentro do processo de mineração. Isso significa que, se o Bitcoin se popularizar, seu consumo de energia irá crescer.

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O Motherboard já escreveu sobre o processo de mineração de bitcoins. Então de quanta eletricidade estamos falando?

Vamos usar essa mina de bitcoins chinesa como exemplo da dimensão atual da operação. A mina supostamente gasta 6 PH (um quadrilhão de hashes) por segundo, de acordo com o presidente da sucursal chinesa do Bitcoin. O objetivo é chegar a 12 PH por segundo. Isso representaria cerca de 3.3% do poder total da rede Bitcoin. Como a rede Bitcoin distribui cerca de 3,600 BTC por dia para seus mineadores, essa mina arrecadaria 118.8 BTC diários ou mais de US$30,000USD. É uma boa quantia, sobretudo quando se está em um país com um dos menores custos de energia do mundo; na China, um kw/h custa entre 3 e 6 centavos, quase um terço do valor americano.

O gasto energético de cada transação torna o Bitcoin um substituto insustentável para o sistema financeiro convencional

A empresa de computação Allied Control estima que o consumo total da rede varia entre 250 a 500 Megawatts. Se pegarmos essa hashrate (o número de cálculos que a rede faz por segundo) e a somarmos com uma generosa taxa de mineração de 0.6 watts por gigahash, temos uma estimativa de gasto de energia bruta de 215 MW. Mesmo que esse número varie bastante (é importante sublinhar que muitas das variáveis desse cálculo mudam constantemente), essa energia poderia iluminar 173.000 casas por um dia inteiro.

Se a média for de 110.000 transaçãos por dia, temos um gasto correspondente ao do gasto diário de 1.57 casas por transação. Sim, cada vez que você compra algo usando o Bitcoin, você pode estar usando a mesma quantidade de energia que 1.57 famílias usam por dia.

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"O verdadeiro número deve ser pior, considerando que um grande número dessas transações é formado por pequenas trocas ou por transferências de mineradoras — as chamadas transações 'fantasmas' ou de baixo valor", disse Matthew Green, especialista em criptografia da Universidade Johns Hopkins, no estado de Maryland, nos Estados Unidos. "Na verdade, a cada troca de de bens ou seviços, mais energia é gasta."

Num mundo onde as mudanças climáticas são preocupação cada vez maior, é difícil apoiar uma moeda que gaste tanta energia — mesmo que ela seja a suposta solução para a economia atual.

"Será muito difícil garantir que o crescimento do Bitcoin minimize os impactos ambientais", admitiu Jeremy McDaniels, um especialista em sustentabilidade financeira da UNEP, a agência da ONU que cuida de estratégias globais de desenvolvimento. "Caso o Bitcoin cresça, sua pegada energética pode se tornar um grande problema."

Entretanto, existem esperanças de que o Bitcoin possa reduzir seu impacto ambiental.

É importante acrescentar que o aumento da demanda energética da mineração de bitcoins não é proporcional ao aumento do número de transações. Os mineradores de bitcoins usam equipamento especial para achar a resposta do enigma criptografado de cada "bloco", que por sua vez grava cada transação em um arquivo permanente. O primeiro a solucionar o enigma "ganha" aquele bloco e, junto dele, uma recompensa: bitcoins novinhos em folha.

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Hoje a tecnologia do Bitcoin limita o número de transações a 360.000 por dia, de acordo com Jorge Stolfi, um professor de ciência da computação da Unicamp, em São Paulo. Esse limite garante que o sistema funcione sem falhas.

É possível diminuir o gasto energético médio de cada transação por meio da modificação do protocolo básico do Bitcoin, mas isso não seria nada fácil. Atualmente a comunidade do Bitcoin discute uma grande mudança no sistema; se ela for aprovada, a rede poderá, em teoria, suportar 7.2 milhões de transações por dia — e com a mesma quantidade de energia. Para que isso aconteça, no entanto, é preciso que a maioria dos mineradores mude o seu jeito de trabalhar.

Manter um alto consumo de energia ajuda a proteger a rede de possíveis invasores. "É correto pensar que o gasto de energia gera um nível maior de proteção contra ataques — ajuda a estabelecer um valor mínimo, atualmente na casa dos milhões, necessário para executar um ataque de 34 ou 51% no qual um invasor bloqueia as transações e multiplica o número de bitcoins", explicou Emin Gun Sirer, professor de Cornell, nos Estados Unidos, e colaborador do Hacking Distributed, por email.

Segundo Gun Sirer, é possível manter o mesmo nível de segurança e permitir mais transações caso o custo de cada transação seja diminuído.

Logo, a solução seria aumentar o número de usuários e, por conseguinte, o de transações, certo?

Acontece que, se a popularidade do Bitcoin aumentar, o preço também dispara— e o mesmo ocorre com o consumo de energia. As recompensas oferecidas pelo Bitcoin incentivam a competição entre os mineradores, disse Stolfi. Quanto maiores as recompensas, mais mineradores investirão em equipamentos poderosos para se manter acima da competição. O protocolo do Bitcoin continuará a aumentar a dificuldade dos enigmas criptográficos para manter o nível das recompensas, mantendo a competição até que o último bloco seja extraído.

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O consumo de energia do Bitcoin é cerca de 5,003 vezes maior do que o da VISA

Resumindo: preço = energia. "O rendimento total da indústria de mineração é o preço do Bitcoin vezes o rendimento em USD/dia, independente de fatores externos; e o consumo de eletricidade, também calculado em USD/dia, representa uma boa parte dessa quantidade", conclui Stolfi.

Green concorda: "Quase tudo no Bitcoin é flexível, menos essa dinâmica. Os mineradores são incentivados a usar quantos hashes [no caso, o que gasta a energia] forem necessários."

É claro que não seria justo criticar o gasto energético do Bitcoin antes de compará-lo ao gasto dos sistemas de pagamento mais populares. Tomemos a VISA como exemplo.

De acordo com a Network Computing, a VISA processa mais de 80 bilhões de transações por ano, ou 2,537 transações por segundo, utilizando dois centros de dados complementares, ambos capazes de gerenciar suas próprias redes de forma independente. Atualmente o maior centro de dados da VISA gasta a energia necessária para iluminar cerca de 25.000 casas por um dia. Para estimar o gasto energético total, iremos multiplicar esse número por dois. Em 2013, os investidores da VISA anunciaram que a empresa havia processado 58.5 bilhões de transações.

Levando em conta esses resultados admitidamente imprecisos, cada transação da VISA gastaria algo por volta da energia diária de 0.0003 famílias. Isso torna o consumo de energia do Bitcoin cerca de 5,003 vezes maior, por transação, do que o da VISA.

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Ambas redes gastam muito energia diariamente, mas uma delas processa milhões de transações a mais. Crédito: Motherboard

É claro que a VISA gasta muita energia com centrais de atendimento e escritórios, que não estão inclusos neste cáluculo. Mas o gasto extra não alteraria esta diferença tão gritante.

Em um estudo otimista sobre a sustentabilidade do Bitcoin lançado em 2014, o analista Hass McCook concluiu que "o Bitcoin emite 99.8% menos carbono do que o sistema bancário tradicional", estimativa que pode ser estendida ao uso de energia do sistema. Contudo, o estudo ignora a diferença de alcance do Bitcoin e do sistema convencional — em 2010, a capitalização dos sistemas bancários mundiais foi 1,989 vezes maior do que a valorização total do Bitcoin.

Em vista da análise acima, é certo afirmar que o gasto energético de cada transação torna o Bitcoin um substituto insustentável para o sistema financero convencional. Mesmo que o Bitcoin ganhe popularidade e receba milhões de novas transações, a competição entre os mineradores ainda fará dele um sistema insustentável.

Em um email, o especialista em Bitcoin Piotr Piasecki deu contexto à essa afirmação: "com o aumento do tamanho de cada bloco, cada um deles conterá mais transações, o que significa que o custo individual da transação irá diminuir. Ele pode não ficar tão tão baixo quanto o da VISA, mas é bom lembrar que estamos falando de dois sistemas diferentes. Um funciona por meio da inserção de dados em um sistema único, enquanto o outro possui um histórico fixo em um arquivo descentralizado."

Piasecki pode até ter um bom ponto, mas o Bitcoin precisará fazer alguns ajustes para aumentar sua capacidade e diminuir o gasto energético de sua moeda. Ele também apontou que muitas moedas digitais alternativas (as altcoins), embora menos valorizadas que o Bitcoin, gastam menos energia por transação.

O Bitcoin irá parar de oferecer recompensas para mineradores quando o número de moedas extraídas chegar a 21 milhões, o que significa que o valor da moeda pode cair de modo considerável quando esse momento chegar. Tendo que o último bloco de Bitcoin está programado para ser extraído em 2140, adotar o Bitcoin como moeda mundial iria apenas aumentar o consumo de energia e acelerar as mudanças climáticas.

McDaniels sugeriu algumas formas de tornar o Bitcoin mais sustentável, mesmo com o alto consumo energético de seus mineradores. As ideias são oferecer uma maior inclusão para aqueles sem contas bancárias e usar sistemas tecnológicos para substituir os bancos físicos. No entanto, é importante acrescentar que ambas essas estratégias já estão sendo utilizadas por sistemas de pagamento como o M-Pesa.

A conclusão é bem simples. O blockchain pode até vir a ser útil para o setor financeiro — mas, por enquanto, aqueles com uma consciência ambiental devem se manter longe do Bitcoin.

Tradução: Ananda Pieratti