Como arqueólogos de games antigos acham versões que todos tentam esconder
Pela internet, escavadores de joguinhos resgatam uma série de conteúdos fascinantes escondidos nos cartuchos de NES. Crédito: Skippy/Flickr

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Como arqueólogos de games antigos acham versões que todos tentam esconder

Pela internet, escavadores de joguinhos resgatam e compilam conteúdos escondidos nos códigos de cartuchos de NES.

Levou um tempinho para admitirmos que jogos de videogame estão no mesmo nível de arte do que muitos filmes. Mas, ao contrário dos cineastas e seus making ofs, há coisas que os criadores dos jogos não querem que você veja. É aí que entra o trabalho de Alex "Xkeeper" Workman, um fanático por games que brinca de arqueólogo com coisas escondidas dentro de cartuchos.

Desenvolvedor PHP e administrador de sistemas, Xkeeper ajuda a organizar o The Cutting Room Floor, uma Wiki e comunidade online dedicada a documentar as muitas variações de videogames que estão por aí. Embora não seja o criador do site, ele se tornou uma parte integral de seu sucesso. O que justifica todo esse esforço? Segundo Workman, proporcionar uma nova visão de lugares onde muita gente passou a infância. "O conceito de conteúdo perdido ou desabilitado se funde bem com coisas como a exploração urbana ou o acesso aos bastidores", explica. "É uma chance rara de olhar para um mundo que não podemos ver todos os dias."

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O processo costuma ser comunitário. A "escavação", por assim dizer, é um trabalho árduo que envolve fuçar diferentes tipos de dados de programação. Alguns aspectos envolvem esmiuçar tabelas de gráficos para ver se há algo que não aparece no jogo. Outras vezes, o trabalho pode envolver mergulho no código-fonte para desconstruir o game.

Se alguém encontra algo legal, começa um processo chamado "revelação". E é aí que as coisas nessa pequena comunidade ficam interessantes. "O aspecto comunitário aparece quando as descobertas são feitas, normalmente para ajudar a montar os quebra-cabeças", diz Xkeeper. "Uma pessoa pode encontrar alguns gráficos não-utilizados, e outra pessoa pode usar essa descoberta para talvez encontrar a maneira correta de organizá-los ou talvez dados que expliquem para que aqueles gráficos foram usados originalmente."

Com o alto nível de trabalho dedicado ao longo dos anos, faz sentido que o site ocasionalmente seja notado pela comunidade gamer, como quando eles ajudaram a revelar um protótipo de The Legend of Zelda para NES nos idos de 2010. É o tipo de coisa que pega muitos jogadores de surpresa.

"É sempre surpreendente ver a enorme quantidade de pessoas que não tem ideia de que todo esse conteúdo existe", nota Xkeeper.

Muitas vezes, claro, o processo leva os arqueólogos digitais a descobrir partes curiosas da história dos videogames. No início deste mês, membros da comunidade trouxeram à tona um protótipo de Tetris para Nintendo DS que nunca foi lançado.

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A existência do jogo, produzido pela THQ e arquivado em favor de uma versão produzida pela Nintendo, era desconhecida para a maioria das pessoas até o início do mês, quando o The Cutting Room Floor adquiriu uma cópia e a publicou online.

A saga da THQ tem vários paralelos com algo que aconteceu durante a era do NES, quando a Atari publicou uma versão do jogo de quebra-cabeças russo sem a licença apropriada, tudo para acabar sendo forçada a tirá-la do mercado e usurpada por uma versão produzida pela Nintendo pouco depois.

Xkeeper e companhia não fazem grande esforço para divulgar isso para o mundo, mas se você quiser jogá-la, eles te dão os arquivos. "Não fazemos grandes divulgações como essa, e eu pessoalmente não promovo nada. Toda a atenção que recebemos vem do boca-a-boca", ele diz.

Um dos meus achados favoritos no site tem a ver com o jogo pirata de NES Titenic, uma adaptação genérica do filme Titanic produzida pela prolífica fabricante de cartuchos piratas Hummer Team. O time, que ganhou fama por produzir o divertido mashup de Mario/Sonic chamado Somari, não era novato quando o assunto eram violações escancaradas de direitos autorais.

Mas até mesmo esse game, que absurdamente transforma Jack Dawson num ninja fodão dentro de um navio prestes a afundar, tem algumas cenas deletadas – na verdade, devido a seu processo de desenvolvimento pouco usual, as animações do jogo (NSFW, porque incluem uma Kate Winslet 8-bit pelada) não aparecem na versão final e só podem ser acessadas hackeando a ROM.

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Foi mais ou menos nesse momento que vi que tinha chegado ao fim da trilha.

Já que estamos falando de copyright, uma questão vem à mente: as empresas de videogames reclamam do que o The Cutting Room Floor faz? Xkeeper diz que ele e a comunidade conseguiram evitar a vigilância.

"Tirando os pequenos estúdios independentes, que às vezes comentam sobre as coisas que encontramos, nenhuma grande empresa reagiu a nada que tenhamos descoberto", ele diz. "Provavelmente é melhor assim; esse tipo de coisa está provavelmente está numa zona cinzenta em matéria de legislação, ainda que seja algo importante."

Esperamos que, se as empresas grandes de games algum dia se deem conta, elas vejam que esses esforços liderados por fãs, que trabalham em troca de doações de migalhas no Patreon, trazem uma maneira de ver trabalhos que cada vez mais estão ganhando o respeito artístico que merecem há muito tempo.

Esse trabalho torna a história desses grandes – ou não tão grandes – jogos ainda melhor

Como 'Mario' exemplifica a cultura da escavação

Um bom exemplo de como é o trabalho do The Cutting Room Flor em ação está nos jogos clássicos Super Mario Bros.

Muitos jogos foram analisados e hackeados de ponta a ponta ao longo dos anos, mas o nível de interesse nos jogos de Mario é muito mais profundo devido à grande exposição que esses jogos específicos tiveram. Mesmo os jogadores casuais estão familiarizados com os atalhos do jogo, o Tanooki Suit e os blocos de POW. Para você ter uma ideia, a Nintendo lançou um game há mais ou menos um ano que basicamente celebra o fato de que os usuários hackearam os jogos da série de cabo a rabo e tomaram posse dela.

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Em particular, Super Mario Bros. 3 e Super Mario World, dois jogos que expandiram significativamente as possibilidades dos jogos de plataforma 2D, têm uma quantidade insana de conteúdo adicional que é praticamente impossível de encontrar sem fuçar o código-fonte do jogo.

Mario 3 tem diversas fases completamente abandonadas em variados estágios de finalização – fases que podem ser jogadas no modo debug que pode ser acessado com um Game Genie. (Já que você provavelmente não tem um Game Genie à mão, você pode assistir a este vídeo para ver as fases em ação.) Algumas fases mostram a existência de inimigos que não aparecem em nenhum outro lugar do jogo, incluindo grupos de peixes dourados Cheep-Cheep que se juntam. Outros incluem o popular, mas pouco utilizado Kuribo's Shoe, um famoso item que aparece em apenas uma fase e permite que Mario pise em objetos com espinhos.

E se você realmente quer ficar alucinado, dê uma olhada nestes jogos bônus nunca utilizados, estrelando Koopas e Hammer Brothers no lugar do Toad.

Super Mario World, por sua vez, é interessante por causa do que não entrou no cartucho. Embora uma quantidade significativa de dados não utilizados possa ser encontrada na fita e esteja destacada em grande parte aqui, há muitas evidências de que os donos de Super Nintendo ganharam um jogo muito mais elaborado do que estava nos planos originais.

"Capturas de tela iniciais revelam que o jogo passou por uma transformação incrível, de uma simples continuação de Super Mario Bros. 3 para um jogo completamente novo", explica Xkeeper.

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Essas capturas de tela iniciais, que podem ser vistas aqui, mostram variações de um jogo que exibem Mario com um rabo de guaxinim, assim como um mapa de fases que se parece bastante com a aventura anterior de Mario.

Entre as coisas estranhas que foram cortadas na sala de edição e ficaram dentro do cartucho: evidências de uma estranha gaiola voadora, assim como uma fase de teste que podia facilmente ser reconhecida como tal. Por quê? Porque tinha a palavra "TEST" escrita em letras gigantes com blocos.

5 exemplos fascinantes de conteúdo escondido descoberto pelos arqueólogos de games

The New Tetris (N64): O desenvolvedor de jogos David Pridie, da era do Nintendo 64, morreu cedo demais, em 2001, com apenas 30 anos. Mas seu legado está escondido dentro deste cartucho, onde ele e alguns outros programadores se juntaram para esconder mensagens que eles imaginavam que nunca veriam a luz do dia. (Elas foram encontradas na hora, o que deixou Pridie e a distribuidora, H20, em apuros com a Nintendo.) As mensagens eram fascinantes, diz Xkeeper: "Elas são grosseiras, vulgares, e também são artísticas, incluindo arte ASCII do logo do N64, do logo da H20… E também artes de drogas como maconha e cogumelos."

Pachi Com (Famicom): Como destacado no item anterior, muitos dos exemplos de conteúdo escondido tendem a ser queixas de programadores irritados. Mas o programador deste jogo de pachinko, uma espécie de pinball japonês, tinha bom motivo para muitos de seus comentários escondidos no código. "É um dos exemplos mais antigos que temos de 'interferência executiva'", diz Xkeeper. "Ou seja, a chefia mandou esse programador adicionar um barulho irritante ao jogo, e o programador era tão contrário a isso que deixou instruções para quem quisesse desligá-lo."

Sonic the Hedgehog 2 (Genesis): Se você se lembra do Nick Arcade, um programa de games da Nickelodeon que tinha a cara dos anos 1990, você já deve ter visto a estrela de Deus não está morto 2 Melisa Joan Hart jogar um dos primeiros protótipos desse clássico da Sega sem se dar conta disso. Sonic é conhecido por ter inúmeros protótipos, um dos quais é significativamente diferente da versão final e inclui um punhado de fases que acabaram não entrando no game, como a Hidden Palace Zone.

Erika to Satoru no Yume Bouken (Famicon): "Estou tão feliz por isso ter acabado. Você acha que tudo são boas memórias? Nem ferrando!" Este jogo japonês inclui comentários de um programador arrebentando com os outros membros da equipe de desenvolvimento. Aparentemente, porém, ele não queria que ninguém os encontrasse porque os comentários só podem ser vistos com um longo tempo de espera e numa sequência muito secreta. "Eles demoram mais de uma hora para aparecer, e a maior parte desse tempo consiste em ficar esperando na última tela do jogo", diz Xkeeper. O segredo só foi revelado depois que alguém no fórum de imagens japonês 2ch divulgou sua existência.

Mad Professor Mariarti (Amiga): o arquivo de música do jogo inclui uma mensagem ameaçadora do designer e músico Matt Furniss, que avisava a possíveis hackers: "Eu te encontrarei onde você estiver e quebrarei suas pernas". Xkeeper diz que essa atitude sem rodeios era comum entre desenvolvedores de Amiga e, como resultado, virou "uma piada recorrente" na comunidade.

Tradução: Danilo Venticinque