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Tecnologia

​Será que os Apps do Vale do Silício Vão Acabar com as Lavanderias?

Em Nova York, as lavanderias de bairro ganham cada vez menos dinheiro por causa dos aplicativos de "leva e traz".
Crédito: Sam Thonis

Em uma manhã recente de dia útil, a lavanderia M&W, no bairro de Greenpoint, no Brooklyn, nos Estados Unidos, parece, se não lotada, mais agitada do que as concorrentes da vizinhança imediata.

A filha do dono, Miriam Benavides, recolhe os pedidos dos clientes no balcão. Dois funcionários conduzem carrinhos repletos de camisetas e roupas de baixo para os fundos do estabelecimento.

Uma cafeteira apita em um canto e, perto da entrada, uma pequena fila se forma em um segundo balcão, escondido atrás de roupas penduradas. O espaço é alugado para um negócio que oferece cartões telefônicos, serviços de embalagem e ordens de pagamento. É um dos poucos lugares nas redondezas onde dá para enviar dinheiro para o exterior — "principalmente para lugares como México e Santo Domingo", conta Jose, um dos funcionários, ".

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Miriam, cuja família veio da Nicarágua, na América Central, faz uma breve análise das lavanderias da região. Há um punhado de lavanderias automáticas na rua que, assim como a M&W, estão na ativa desde os anos 90. "Mas muitas pessoas mal sobrevivem", diz ela. Um estabelecimento a uma quadra daqui só fica aberto duas horas por dia. "Os negócios abrandaram", afirma, em tom grave. "Mas a M&W continuará aberta. Somos um negócio hispânico", conta Miriam, parada ao lado de uma placa que diz, em letra cursiva, Ame o Que Você Faz. "Somos orgulhosos."

Os Benavides permanecem orgulhosos porque a família é dona da propriedade. Miriam admite que, se não fosse o caso, eles teriam fechado cinco anos atrás, bem na época que caras com maletas cheias de dinheiro começaram a aparecer na porta. Mesmo a Sunshine, a lavanderia mais nova, situada no começo da rua, com máquinas de pinball, sinalizações provocativas e licença para vender bebidas alcóolicas, admite, segundo um folheto de perguntas e respostas pregado no mural bagunçado do estabelecimento, que mal consegue obter lucros.

Lavanderias self-service, assim como transporte público, são um dos grandes equalizadores utilitários da vida urbana: todo mundo precisa lavar seus trajes. Na cidade de Nova York, as roupas tendem a ser limpas em lavanderias automáticas, operadas por moedas. Em diversos bairros emergentes da cidade (existe alguma região nova-iorquina que não esteja emergindo em pleno 2015?), a era das lavanderias self-service está em decadência. Neste mês, há 2.655 estabelecimentos licenciados em cinco regiões ou um para cada 3.163 pessoas, um número que, há quem diga, caiu 10% na última década.

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Como quase tudo que está mudando em Nova York, a principal questão que atormenta os donos de lavanderias pode ser resumida em uma palavra: aluguel. O que costumava ser um negócio estável, à prova de recessões — creio que roupas limpas é um luxo abandonado apenas nos casos mais extremos de pobreza ou em caso de apocalipse —, o aluguel comercial de Manhattan chega a ser proibitivo de caro para os estabelecimentos que cobram 50 centavos para lavar e dobrar um quilo de roupa suja e cujas máquinas operam a base de moedas de 25.

Alice Liao, que administra lavandeiras há décadas e atualmente é proprietária da Mr. Green, em Hell's Kitchen, franze o cenho quando aponta para um restaurante do outro lado da rua. "Naquela esquina", conta ela, "dizem que é 30 mil dólares por ano. Isso é impraticável para uma lavanderia. Não daria para sobreviver."

Para alguém com um "celular caro", a ideia de entrega direta em casa costuma ser atraente.

Com o aumento de aluguéis, vem o aumento de salários e as expectativas e ajustes culturais que tendem a acompanhar esse tipo de mudança demográfica. Em Hell's Kitchen, disse o filho de Alice, Terrence, ainda existem vários predinhos antigos de dois ou três andares, o tipo de lugar que provavelmente não vai aderir ao esquema vallet de roupa lavada entregue na porta de casa. Mas, na Baixa Manhattan, onde o patrimônio imobiliário consiste em grandes prédios e condomínios luxuosos, dá para contar em uma só mão quantas lavanderias estão em funcionamento.

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E também há a nova safra de serviços de lavanderia, projetados para capitalizar na economia on-demand: empresas como a FlyCleaners e a Cleanly, só para citar algumas, delineram seus modelos de negócio com base na ideia de que nova-iorquinos têm mais dinheiro do que tempo e estão dispostos a arcar com serviços premium para renunciar ao desgaste de ter que ir a um estabelecimento em pessoa.

Alguns serviços de lavagem e entrega, como a Juliette, gerem estabelecimentos próprios; a FlyCleaners e a Cleanly têm parcerias com lavanderias e oferecem preços de atacado, por quilo, para lavar e dobrar roupas. Os clientes abrem um aplicativo e marcam suas preferências, como sabão e temperatura da água e, em 20 minutos, um veículo aparece na porta para buscar as peças.

Tom Harari, fundador e CEO da Cleanly, entrou no negócio de lavagem e entrega em torno de 2013, logo depois de se mudar para a região e notar a ineficiência do mercado existente de busca e entrega. Em alguns bairros, para competir com os serviços locais, lavanderias individuais contratam entregadores, embora aceitem apenas dinheiro, conforme Hatari descobriu, frustrado. Ele não acha que seu negócio é uma novidade, mas admite que, para alguém com um "celular caro", a ideia de entrega direta em casa costuma ser atraente. Lavanderias com máquinas de moeda, conta ele, provavelmente estão mal das pernas porque o aluguel está caro — "e porque dependem muito de uma base de clientes na área imediata".

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Se aplicativos de entrega como esse se tornarem padrão, é bem capaz que essas lavanderias deixem o modelo de estabelecimento da vizinhança, a base de moedas, como é o caso da M&W hoje, e foquem mais em serviços luxuosos de lavagem, talvez em propriedades maiores, mais afastadas dos bairros em inflação de Nova York.

Claro, algumas pessoas aceitam lavagens medianas por causa do preço. A FlyCleaners cobra US$ 1,50 dólar para lavar, dobrar e entregar a roupa. Nas lavanderias nova-iorquinas, os preços para lavar e dobrar giram em torno de US$ 0,50 por quilo; se você lavar a sua própria roupa, economizará cerca de US$ 3,50 dólares por semana.

Nas regiões da cidade onde o aluguel tende a ser mais barato — Queens ou Lower East Side —, a densidade de lavanderias operadas por moedas costuma ser mais alta, conforme mostrou a pesquisa recente I Quant NY map, realizada com dados de fonte aberta. Mas quando o dinheiro chega a um bairro, os negócios tendem a mudar drasticamente. Conforme me contou Miriam Benavides, da M&W, o bairro tem menos pessoas lavando a própria roupa e, como resultado, seu serviço de entrega está bombando. "As pessoas podem pagar agora … Mas com um salário de US$ 400 sem condições."

São os ecos da briga do Uber contra os táxis de Nova York

Nas lavanderias que visitei, os proprietários apontaram para as sacolas FlyCleaners com encomendas dos clientes como prova de sua qualidade superior — e de que seu negócio está iminue a perturbações. A Cleanly, que terceiriza a lavagem em parcerias com estabelecimentos locais, contatou os Liaos alguns meses atrás para ver se estavam interessados em trabalhar com a startup. "Não vale a pena", diz Terrence. "Por que trabalhar pela metade do preço enquanto eles lucram e tomam a nossa atividade principal?" Esse raciocínio parece lógico, sem dúvidas, mas é muito parecido com o que taxistas me diziam sobre o Uber em torno de 2013.

"Quer meu palpite sobre a decadência das lavanderias automáticas? Os nova-iorquinos não tem mais tempo, mesmo quando saem do trabalho às 21h, ainda precisam responder emails", diz Rachelle Balanzat, fundadora da Juliette, que faz toda a lavagem em um estabelecimento próprio. "Quando você tem esse tipo de demanda, o que menos quer é gastar duas, três horas com isso; melhor pagar o dólar a mais." Afinal, diz ela, quando você mora em Nova York, "já está pagando um valor premium pelo aluguel".

Tradução: Stephanie Fernandes