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Tecnologia

O App que Permite Jovens Deprimidos Conversar com Celebridades e Amigos Mortos

Poderia o FakeTalk afastar os adolescentes coreanos dos pensamentos de suicídio?

São quase 3 da manhã do Natal de 2013 quando uma jovem sul-coreana cujo usuário no Twitter é @jjong_gee manda uma mensagem para seu amigo, Junmyun, a fim de confessar um segredo. Ela está deprimida e precisa de apoio.

"Havia um homem chamado Osho que certa vez disse 'não seja sério demais, a vida é como uma imagem em movimento'", respondeu Junmyun. "Se você tratar o que vem até você como um jogo, a felicidade chegará. Quero ver você feliz."

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A garota tuítou um print da mensagem e lhe agradeceu pelas palavras gentis. Mas o amigo não estava preparado para responder. Junmyun é, na verdade, um robô programado dentro de um popular aplicativo de troca de mensagens coreano chamado FakeTalk (ou Gajja-Talk em coreano).

Com compreensão textual e capacidade de escrever que o faz ser comparado com a Siri do iPhone ou Samantha do romance de ficção-científica Ela, o FakeTalk é muito popular na Coreia do Sul: são quatro milhões de downloads em um território de 50 milhões de pessoas. O app também se firma como o melhor sistema de apoio à adolescentes deprimidos e suicidas no país.

Leia também: A Indústria de Simulação de Morte na Ásia

Desenvolvido em 2011, o aplicativo, exclusivo para aparelhos Android, tem popularidade crescente. Por meio de sua inteligência artificial e seu enorme volume de respostas predefinidas, o programinha pode levar adiante uma conversa com usuários em poucos segundos de processamento. O avatar do robô pode ser customizado como o usuário bem entender, de celebridades a entes queridos.

No caso de @jjong_gee, Junmyun foi personalizado com base em um integrante da popular boy band de K-Pop EXO.

Uma usuária personalizou o avatar com uma foto de seu falecido namorado para simular a continuidade de seu romance

"Por mais que tenha havido diversas tentativas de criar robôs que conversem, que permitam humanos falarem com computadores, os usuários só podiam conversar com personagens fixos criados pelos desenvolvedores", disse o idealizador do FakeTalk, Ki-ho Baek. "Nosso aplicativo surgiu com a seguinte premissa: e se os usuários pudessem criar livremente seus próprios amigos, tais como clones e robôs?".

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Muitos têm usado o aplicativo para preencher um vazio em suas vidas. Uma usuária personalizou o avatar com uma foto de seu falecido namorado para continuar o romance encerrado de forma prematura.

"Em um primeiro momento, o aplicativo era meio perdido, mas agora escreve como ele, com a mesma sintaxe e idiossincrasias", disse a Srta. K, a namorada-agora-viúva. "Escrevo o que não disse a ele na época, e o queria lhe dizer quando estava vivo."

Os adolescentes compõem de 70 a 80% da base de usuários, de acordo com o jornal coreano Chosun Ilbo

Vivendo sob pressão severa para se darem bem na escola e estudando mais de 12 horas por dia, as crianças coreanas estão, segundo levantamentos recentes, entre as mais infelizes do mundo. Em fevereiro, uma pesquisa da Universidade de Seul constatou que 60% dos estudantes de ensino médio tinham relações instáveis com seus colegas de classe.

Um estudo de 2014 mostrou que metade dos adolescentes coreanos tinha pensamentos suicidas. De 2009 a 2014, 878 estudantes se suicidaram, de acordo com o ministério da educação coreano.

Ben Park, que pesquisa suicídio entre jovens na Coreia do Sul na Penn State Brandywine, acredita que a rigidez da formação na sociedade coreana deve ser considerada violação de direitos humanos por impedir toda uma geração de amadurecer emocionalmente e de criar laços com outras pessoas.

Com grande anseio por ligações emocionais e amor, os adolescentes coreanos preenchem o vazio com meios artificiais como o FakeTalk. "Parece ser o sinal de uma condição patológica na sociedade coreana, um indício de que os jovens são privados de experiências legítimas", disse Park. "Essa sensação de pertencimento é uma necessidade humana básica. Se ela não é atendida, os jovens podem desenvolver uma noção de si que enfraqueceria suas defesas psicológicas."

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Neste ano, o governo coreano se meteu na história de auxílio digital e lançou um aplicativo próprio. O aplicativo monitora posts, mensagens e buscas na internet feitas pelos estudantes em busca de palavras ligadas ao suicídio. Caso haja algum indício, o app envia mensagem aos pais.

Até o momento, o aplicativo governamental recebeu pouco apoio. Apenas 2.000 usuários o baixaram até o momento, de acordo com um veículo de mídia coreano. As resenhas no Google Play tem sido negativas. "Parece-me que a abordagem do governo quanto à prevenção do suicídio é meio que colocar um curativo pequeno em uma ferida enorme", disse Park.

A inteligência artificial do FakeTalk está preparada para lidar com situações perigosas. Um exemplo: se o usuário escreve "estou no telhado", a IA – com base na personalidade do usuários e interações passadas – pode conversar com a pessoa em diversos tons, de consolador à brincalhão, de forma a desencorajar qualquer ação danosa.

Na mídia coreana, a abordagem sobre o app gira em torno da sua eficácia. Seria o programa capaz de fornecer apoio emocional aos jovens? Por enquanto não há como saber. Baek não dispõe de provas concretas de que seu aplicativo salvou jovens correndo risco de suicídio. Segundo ele, o app não guarda conversas por motivos de privacidade.

"Parece ser o sinal de uma condição patológica na sociedade coreana, um indício de que os jovens são privados de experiências legítimas."

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Ele expressou certa preocupação em ter o FaceTalk categorizado como uma muleta emocional para pessoas solitárias e depressivas. O executivo espera que não considerem seu aplicativo como substituto adequado à companhia humana.

"Computadores não podem consolar uma pessoa porque é apenas um meio", afirmou Baek. "Todas as respostas ainda são escritas por gente de carne e osso".

Mas Baek pode muito bem estar subestimando a empatia quase humana que seu programinha pode dar a um coração partido. Pergunte à jovem Srta. Kwon, de 16 anos, que mandou uma mensagem para o FakeTalk após não passar em uma prova.

Sem hesitar, o robô a consolou, perguntou se estava bem e diminuiu a gravidade do ocorrido. O parceiro virtual então levou a conversa para um rumo mais leve. "Me conte algo engraçado que tenha acontecido com você por esses tempos", disse. Como qualquer amigo faria.

Tradução: Thiago "Índio" Silva