Adesivo, ventosa, acupuntura: por que atletas olímpicos curtem 'pseudociência'?
Michael Phelps, atleta americano, participando da prova de 200 metros borboleta. Crédito: AP Photo/Matt Slocum

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Adesivo, ventosa, acupuntura: por que atletas olímpicos curtem 'pseudociência'?

Técnicas e terapias sem comprovação científica não param de pintar pelos ginásios da Rio 2016.

Os espectadores mais assíduos dos Jogos Olímpicos do Rio notaram a presença de manchas arroxeadas no corpo do nadador americano Michael Phelps — grandes hematomas que lembram chupões redondos em série. As marcas parecem resultado de um ataque com bolas de tênis ou, sei lá, uma mordida de lampreia.

Na verdade, talvez você já saiba, as manchas mostram que Phelps é adepto da ventosaterapia, uma prática chinesa milenar na qual ventosas são aplicadas ao corpo e geram uma leve sucção por alguns minutos (em alguns casos, a sucção é gerada por fogo; em outros, é produzida por um dispositivo mecânico, como uma bomba de ar). O objetivo da técnica é concentrar o sangue em um certo ponto, incentivando, assim, a regeneração daquele local.

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A prática tem se popularizado entre os atletas do Rio 2016: muitos deles competiram com o corpo cheio de marcas. "A ventosaterapia está passando por um momento de fama olímpica", diz uma matéria publicada no New York Times na última segunda-feira. Embora muitos, entre eles o ginasta americano Alex Naddour, defendam seus poderes regenerativos, não há nenhuma evidência científica que confirme os benefícios das ventosas.

Dos remos equipados com GPS aos trajes criados para otimizar a performance de atletas, as Olimpíadas são um evento altamente tecnólogico. Alguns atletas, porém, estão apostando em técnicas e terapias sem comprovação científica. Se considerarmos que muitos atletas dependem de milésimos de segundos para vencer, não é de surpreender que muitos deles busquem qualquer vantagem — real ou inventada — a fim de melhorar seus desempenhos.

Entretanto, os espectadores não devem acreditar piamente na efetividade dessas terapias. Afinal, as Olimpíadas são "um festival internacional de pseudociência esportiva", como Tim Caulfield, diretor do Centro de Pesquisas em Política e Direito da Saúde da Universidade de Alberta,no Canadá, escreveu recentemente em uma coluna no site Policy Options.

A acupuntura também tem sido adotada por alguns competidores

Na última segunda-feira, dia em que liguei para Caulfield, o especialista havia passado a manhã lendo artigos científicos sobre a ventosaterapia — segundo ele, o recente alvoroço em torno da prática havia despertado seu interesse. "Essas são as Olimpíadas da ventosaterapia", disse, em seguida explicando que a prática vem ganhando adeptos entre atletas e celebridades (Gwyneth Paltrow e Jennifer Aniston, entre outros, já apareceram em público com as famosas marcas).

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"Não existem muitos estudos aprofundados sobre o tema [a ventosaterapia]", explicou Caulfield, que já escreveu um livro sobre a ascensão de pseudociência ligada a celebridades. "Não temos muitos estudos que comprovem a eficácia dessa prática." Dentre as pesquisas, diz, muitos observam que mais pesquisas são necessárias.

No texto publicado na página Policy Options, Caulfield dá outro exemplo: as fitas cinesiológicas, adesivos coloridos utilizados por atletas para evitar lesões musculares e ósseas. Segundo o especialista, não há muitas provas de que elas realmente funcionam. Em um estudo de 2013 publicado na revista científica Journal of Physiotherapy e citado no texto de Caulfield, os autores constatam que não há nenhuma evidência que comprove a eficácia das fitas cinesiológicas.

O uso de bolsas de gelo também anda gerando discussões no mundo esportivo. Todos sabem que lesões esportivas devem ser tratadas com a aplicação de bolsas de gelo, mas nos últimos anos essa prática tem sido questionada. É possível que o gelo piore algumas lesões, explica Caulfield em seu texto.

Há também o caso da "hidratação intravenosa". Como relatado no Denver Post, atletas de esportes de resistência estão recebendo injeções de soro intravenosas com esperança de que a hidratação extra melhore sua performance. Algumas empresas e clínicas móveis já oferecem esse serviço. Segundo Caulfield, no entanto, não há nenhuma base científica por trás desse tratamento. De acordo com o especialista, a melhor forma de se manter hidratado é bebendo água (nas Olímpíadas, os atletas são proibidos de receber transfusões sem recomendação médica).

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A acupuntura também tem sido adotada por alguns competidores, entre eles Mark McMorris, um snowboarder canadense que descreveu a acupuntura como parte de sua rotina de preparação para as Olimpíadas de Inverno de Sochi, onde ele ganhou uma medalha de bronze. Até o momento, as evidências científicas que apoiam a eficácia da acupuntura são duvidosas. "Não há nada que comprove que a acupuntura não passa de um placebo teatral", disse Harriet Hall, médica aposentada e pesquisadora de medicina alternativa, à Scientific American.

Mesmo que essas práticas sejam, de alguma forma, ineficazes, isso não significa que elas não possam ajudar os atletas. Assim como acontece quando um atleta usa suas meias da sorte, ou cria um ritual pré ou pós competição, esses procedimentos podem gerar o famoso efeito placebo (um morador de Ontario que ajudou a instalar as piscinas olímpicas do Rio 2016 diz ter deixado uma moeda canadense no forro da piscina para dar sorte aos nadadores de seu país).

"Não devemos subestimar o poder do efeito placebo", disse ele. Quando se está competindo sob tanta pressão, como é o caso dos atletas de elite, qualquer detalhe pode fazer a diferença.

Se Phelps e outros atletas quiserem usar a ventosaterapia como um amuleto da sorte, bom para eles. Mas o resto de nós não deve superestimar o poder de cura desse tratamento, enfatiza Caulfield: "Não devemos levar essa prática muito a sério".

De qualquer forma, caso a ventosaterapia aumentasse de fato o desempenho dos atletas, ela não seria permitida nas Olimpíadas — vide o escândalo de doping envolvendo a delegação russa.

Tradução: Ananda Pieratti