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Tecnologia

​A Vida Loka e a Morte Pirotécnica de Sophie Blanchard

Uma das pioneiras do balonismo – apenas isso, não marginais.
A morte de Blanchard.

Com o advento dos aviões e aeronaves, balões de ar quente viraram meio que um capricho recreativo, voltado para excêntricas excursões familiares. Mas quando os primeiros balonistas subiram aos céus em 1783, estas máquinas voadoras cativaram a consciência pública, criando uma "febre do balão" que durou décadas.

"Pela primeira vez na história, um ser humano ficou mais afastado da Terra do que a distância que um indivíduo consegue pular", escreveu o historiador de voos espaciais Ron Miller em seu livro Dream Machines. "Parecia aos mais entusiasmados e criativos sonhadores que se era possível para um ser humano flutuar sobre a superfície terrestre mesmo que por 800 metros, então um voo para a Lua era só questão de magnitude".

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Nenhuma outra figura na história dos primórdios do balonismo representa este intrépido espírito de descoberta – bem como seus riscos fatais – mais do que infatigável Sophie Blanchard. Nascida em 25 de março de 1778, Blanchard foi a primeira mulher na história a se tornar aeronauta, escolhida pelo próprio Napoleão Bonaparte como Ministra-Chefe do Ar de Balonismo.

Uma gravura de Blanchard datada de 1859. Crédito: Jules Porreau

Ao longo de sua carreira nas alturas, Blanchard arregimentou uma quantidade enorme de fãs e foi pioneira na criação de diversas novas técnicas de voo. Seus testes resultaram em diversas experiências de quase morte até seu falecimento em meio à gloriosas chamas em 1819. Sophie teve uma vida vertiginosamente atarefada que durou 41 anos, digna de celebração do que seria seu 237º aniversário.

Apesar de Blanchard ter flertado abertamente com a morte sua vida inteira, tratava-se de uma pessoa tímida e nervosa, que sofria com barulho ou ao andar em carruagens. Mas quando ela se casou com ambicioso balonista Jean-Pierre Blanchard, em 1804, finalmente descobriu seu habitat ideal – o silencioso êxtase das grandes altitudes.

Ela descreveu seu primeiro voo com o marido como uma "sensação incomparável" e desde então viciou-se em balonismo. Seu segundo voo com Jean-Pierre se deu alguns meses depois, mas após este, ela passou a voar sozinha, tornando-se então a primeira mulher na história a pilotar um balão.

Seu marido a encorajava ativamente no desenvolvimento de suas habilidades como balonista, basicamente porque acreditava poder ganhar uma grana em cima de uma aeronauta mulher. Jean-Pierre Blanchard era tão irresponsável quanto uma pessoa pode ser, e não dava a mínima para segurança pessoal ou estabilidade financeira. Ele já tinha abandonado mulher e quatro filhos antes de casar com Sophie e colecionava dívidas atrás de seu barato balonista.

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Mas apesar de ser tão confiável quanto internet no 3G, Jean-Pierre acertava ao menos em uma coisa: Sophie foi um sucesso imediato. Suas performances aeronáuticas atraíam enormes públicos onde quer que o casal fosse, e ela logo se tornou uma celebridade internacional. Desde seus primeiros voos Sophie mostrou claro seu jeito para o teatral, especialmente para a pirotecnia. Além de atirar fogos de seu balão, ela também levava cães com paraquedas em seus voos, dando início a uma longa e próspera tradição de caninos paraquedistas.

Mas como tantos outros colegas homens, Sophie não se satisfazia com shows. Ela queria explorar. Suas ambições não diminuíram em nada após a morte de seu marido em 1809, que caiu do balão direto para a morte em um de seus voos. Na melhor das hipóteses, as dívidas deixadas por Jean-Pierre para Sophie a levaram a pisar no acelerador, tentando feitos aeronáuticos cada vez mais loucos.

Ela foi de Roma à Nápoles em 1811, e então cruzou os Alpes de balão no ano seguinte. Ao sobrevoar Turim, ela teve que passar por elevações tão altas e temperaturas tão frias que suas mãos e rosto estavam cobertos por geada ao finalmente aterrissar. Sophie se sentia muito mais à vontade no seu balão do que em terra, muitas vezes decolando pela noite para que pudesse dormir no céu noturno.

Naturalmente, ela quase matou diversas vezes. Sophie frequentemente desmaiava por conta da falta de oxigênio, já que insistia ir a alturas acima de 3500 metros. Em 21 de setembro de 1817 ela quase se afogou ao cair em um pântano, presa no balão até a chegada do socorro.

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Cartão-postal do voo de Sophie para celebrar o 42º aniversário de Napoleão. Crédito: Luigi Rados

Estes episódios quase fatais não afetaram Blanchard, e o público se apaixonava cada vez mais por conta de sua aparente invencibilidade. Napoleão em especial admirava sua bravura e coragem, cobrindo-a de títulos honorários. Sophie fazia seus shows regularmente sob sua vontade, e até mesmo o avisou sobre uma possível invasão aérea inglesa.

Mas, infelizmente, como tantos outros pioneiros da aviação, a sorte de Sophie acabou. Em 6 de julho de 1819, ela deveria realizar um truque particularmente perigoso nos Jardins de Tivoli, em Paris. Ela levava em seu balão um fogo de artifício poderoso chamado "fogo bengalês", e pela primeira vez, percebeu a gravidade do que estava fazendo. De acordo com testemunhas ela estava nervosa antes do show, afirmando que seria sua "última vez" com aqueles fogos.

E foi, mas não pelos motivos que ela tinha em mente. Blanchard sobrevoou um público gigantesco por volta das 10h30, mantendo o equilíbrio naquela noite de verão de muito vento. Com um estiloso vestido branco e chapéu de pena de avestruz, Blanchard atirou sua enorme carga de fogos de artifício e observou, horrorizada, enquanto o balão era engolido pelas chamas. Ironicamente, parte das pessoas que ali assistiam gritavam "Vive Madame Blanchard", acreditando se tratar de parte da apresentação.

Apesar do fogo que se espalhava acima dela, Blanchard manteve a calma e quase aterrissou intacta. Mas durante sua rápida descida, bateu em uma casa na Rue du Provençale e foi lançada para fora do balão, caindo em cima do telhado.

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A morte de Mme. Blanchard.

Em meio aos cordames do balão, Blanchard não teve como controlar seu deslizar, morrendo com o impacto ao atingir a rua abaixo. Esta foi a última das "primeiras vezes" de Blanchard – assim como havia sido a primeira aeronauta, ela também foi a primeira mulher a morrer em um acidente de aviação.

Seu derradeiro voo foi horripilante, público, e caracteristicamente teatral, além de profundamente traumatizante para os presentes. Amigos, fãs e aqueles inspirados por Blanchard sofreram com o luto, enquanto outros tentavam invalidar o conceito de mulheres aventureiras.

"Um desastre como o ocorrido com Madame Blanchard", escreveu o congressista de nome horrível Grenville Mellen em 1825, "é prova cabal de que uma mulher em um balão está fora de seu habitat ou confortável demais nele". Pelo visto, Mellen nunca havia consultado os dados referentes à fatalidade entre homens balonistas, altíssimos, que eclipsam, com folga, os de mulheres aeronautas.

De fato, até mesmo o epitáfio de Blanchard tem um ar de condescendência, referindo-se a ela como uma "vítima de sua arte e intrepidez". Por mais que ninguém questione o fato de sua morte ter sido causada pela obsessão com balonismo, tratava-se de uma escolha feita por Sophie consistentemente, ciente dos riscos envolvidos, e parece ser exagero tratá-la como vítima de suas admiráveis ambições.

Até esse ponto, Blanchard tem sido lembrada primeiramente pelas alturas de tirar o fôlego que alcançou, bem como o preço final que pagou por suas conquistas. Sua história inspirou escritores como Júlio Verne, Charles Dickens e Fiódor Dostoiévski, e também provou que mulheres podem se juntar aos homens na exploração de novas fronteiras e desenvolvimento de novas tecnologias. Como os espectadores em suas apresentações muitas vezes exclamavam, alegremente: "Vive Madame Blanchard!"

Tradução: Thiago "Índio" Silva