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Tecnologia

A Nova Zelândia Espionou Seus Cidadãos Antes de Tornar Isso Legal, Diz Snowden

Mesmo com o governo trabalhando com a NSA para coletar dados, o primeiro-ministro da Nova Zelândia diz que a nova lei "não é sobre espionagem de neozelandeses".
O Vale Waihopai e o Rio Wairau, com as duas estações de espionagem da GCSB. Crédito: Side78/ Flickr

Há pouco mais de um ano, o governo neozelandês aprovou uma lei que permitia legalmente sua versão da NSA, o Bureau de Segurança de Comunicações Governamentais (GCSB, em inglês), a espiar seus próprios cidadãos. Por pouco a lei foi aprovada após caloroso debate entre legisladores, grupos de direitos humanos, e o magnata da internet local Kim Dotcom.

Na época, o Primeiro Ministro John Key comentou que a nova lei "não é e nunca será sobre espionagem de neozelandeses".

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Mas uma série de documentos confidenciais fornecidos por Edward Snowden sugerem que as autoridades neozelandesas já haviam começado a desenvolver e implementar programas de vigilância em massa antes mesmo de a tal lei ter ido ao parlamento.

De acordo com novos documentos, publicados por Glenn Greenwald na segunda-feira, o GCSB já havia começado a cooperar com a Agência de Segurança Nacional norte-americana em 2012. Por mais que o governo tenha buscado autorização legal, planejava-se dar à NSA acesso à sua rede subaquática que conecta a Nova Zelândia ao resto do mundo em "meados de 2013", sob um projeto de codinome "Speargun".

Um documento confidencial de alta patente da NSA de 2012 declara: "Projeto Speargun em andamento". Outro documento, com relatórios, sob o título "Nova Zelândia", afirmava que "O programa de acesso à rede parceira chegou à Fase I".

"Posso afirmar que existem dúvidas sérias quanto à honestidade do governo atual com os seus cidadãos em relação àquela lei", disse Greenwald em uma emissora de TV neozelandesa. Ele havia revelado o relatório no começo do dia durante um evento em Auckland organizado por Kim Dotcom, que descobriu-se ser o alvo de vigilância eletrônica do governo em 2012. De acordo com Greenwald, o GCSB manteve uma relação de trabalho direta com suas contrapartes da aliança Cinco Olhos (Five Eyes), a NSA (EUA) e o GCHQ (Reino Unido).

Antecipando o relatório, Key admitiu pela primeira vez que o GCSB havia tentado implementar um programa de espionagem anteriormente. Porém, Key afirmava que o GCSB nunca havia levado o plano adiante.

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O relatório de Greenwald, seguido de investigação paralela do governo, mostrou que as comunicações de Kim Dotcom, junto de dezenas de outros cidadãos e residentes legais, foram vigiadas de forma ilegal pelas autoridades neozelandesas. O vice-diretor do GCSB pediu demissão. Nenhum oficial seria processado, mas o governo de Key proporia um nova leia que permitiria à vigilância eletrônica doméstica seguir adiante.

Mas antes mesmo que o governo de Key botasse em ação o plano para aprovação da nova lei, já haviam começado os trabalhos com a NSA para compartilhar dados por volta da época em que esperava-se a aprovação da lei.

Pelo que é descrito nos documentos, a lei aparece como fato consumado. A NSA via a aprovação da mesma como essencial para implementar a compilação de metadados na Nova Zelândia, fornecendo, de acordo com o The Intercept, "os poderes exatos negados repetidamente ao público por Key".

Não está clara a extensão exata de quanto do programa entrou em ação antes da aprovação da lei em agosto de 2013, mas a Fase I, referente à rede subaquática, deveria ser implementada em "meados de 2013".

Além do relatório de Greenwald e Ryan, o The Intercept publicou um editorial de Edward Snowden contradizendo as afirmações de Key diante do parlamento de que "a cibersegurança diz respeito à proteção de nossos segredos" e "não à espionagem".

"Se você mora na Nova Zelândia, está sendo observado", afirma o antigo fornecedor da NSA em seu primeiro editorial para a publicação. "Na NSA eu esbarrava rotineiramente em comunicações de neozelandeses ao trabalhar com uma ferramenta de vigilância em massa que compartilhávamos com o GCSB chamada 'XKEYSCORE'. Ela permite acesso total ao banco de dados de comunicações coletadas no decorrer da vigilância em massa. Não é um banco limitado a ou mesmo usado com fins de cibersegurança, como foi afirmado, mas sim usado primariamente para ler os e-mails, mensagens de texto e tráfego internet de indivíduos."

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Formados em reação aos programas de espionagem ilegais do governo, o Partido da Internet de Dotcom, junto ao partido de esquerda neozelandês Mana Party, estão preparados para ganhar alguns assentos no Parlamento. Com pouco faltando para a eleição geral deste sábado, Key tem lutado contra acusações de espionagem, admitindo simultaneamente que sabia dos programas enquanto nega a história de Greenwald, acusando o jornalista vencedor do Pulitzer de "capanga de Dotcom".

O relatório de Greenwald não é o único desafio de Key antes das eleições. Um novo livro do jornalista investigativo Nicky Hager, "Dirty Politics," passa um pente fino em uma série de emails hackeados do blogueiro de direita Cameron Slater, acusando Key e seus colegas de valerem-se de truques sujos e campanhas de difamação para manter a posição do Parlamento e do Partido Nacional.

"A segurança nacional se tornou a segurança do Partido Nacional", escreveu Snowden. "O que vemos hoje é que, na Nova Zelândia, o equilíbrio entre o direito do público de saber e a propriedade de segredos é determinada por um fator único: a vantagem política que oferece a um partido ou político específico".

Em 21 de agosto de 2013, o Parlamento Neozelandês teve uma votação apertada para aprovar a nova lei, com 61 votos a favor e 59 contra. Antes da aprovação, Key reconheceu que a nova lei havia "alarmado" as pessoas mas "rejeitava que ao colocar na forma de legislação acho que o GCSB já fazia significaria uma extensão de seus poderes".

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Na prática, porém, os poderes de Key já estavam sendo aumentados: o governo já havia autorizado uma versão expandida e sem precedentes de vigilância sobre os meios de comunicação do país. De acordo com novos documentos, a primeira fase do programa – "a primeira sonda de metadados" – já poderia ter entrado em ação à época da legislação.

Em determinado momento, Key prometeu abrir mão de seu posto se fosse provado que o GCSB estaria fazendo vigilância de massa.

"Houveram declarações de que esta lei não oferece proteção de metadados e permite a extração destes sem um mandato", disse o Primeiro Ministro Key antes da aprovação da lei. "Nada disso é verdade".

No domingo, o Primeiro Ministro mencionou que havia a intenção de prosseguir na refutação destas declarações feitas por Greenwald, prometendo tornar públicos os documentos que provam que o programa nunca foi implementado.

Tradução: Thiago "Índio" Silva