A Luta para Levar os Drones à África
George e seu drone. Crédito: Justin Lynch

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Tecnologia

A Luta para Levar os Drones à África

O uso de drones comerciais e recreativos é proibido no continente africano. Algumas pessoas estão na briga para mudar a situação.

Um homem repousa imóvel num cafezal próximo a cidade de Nairobi, no Quênia, após uma longa noite de bebedeira. Sua pólo cinza ondula na brisa do pequeno drone quadricóptero controlado por nosso guia, George.

George, que pediu que seu sobrenome fosse mantido em sigilo, é dono de uma empresa de drones comerciais que filma casamentos, animais selvagens e eventos de rally. O seu serviço de fotografia aérea funciona na surdina. Isso porque no Quênia, assim como no resto da África, drones comercias e recreativos são proibidos.

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De acordo com estatísticas da New America Foundation, dos seis países africanos que já criaram leis sobre o uso de drones, apenas a Namíbia permite seu uso indiscriminado e irrestrito. (Nota: acho importante esclarecer que também trabalho para o NAF, um jornal da Namíbia.) Nas nações que não há leis específicas, as regras são arbitrárias.

Os drones são vistos com desconfiança por toda África. Além do pouco conhecimento dos governos a respeito da tecnologia, os pilotos amadores não sabem controlá-la de maneira adequada.

A regulamentação de drones na África revela a difícil relação do continente com as novas tecnologias. O Uber chegou à África nesse ano e tornou as empresas de táxi (e sua burocracia) obsoletas em algumas cidades. Enquanto isso, o Google e o Facebook estão tentando melhorar a internet de vários países africanos com a ajuda de dirigíveis para voar acima da censura e se livrar da necessidade de investimento governamental.

"Precisamos de mais abertura"

Como os governos africanos lidarão com tecnologias revolucionárias como o drone de George, um equipamento que pode mudar a sociedade?

Depois de guiar seu drone ao redor do homem adormecido, George o levou para cima de um cafezal. Ele estava preocupado com a polícia — um político estava visitando uma igreja próxima, e a segurança era intensa. Algumas pessoas já tiveram seus drones confiscados pelo governo queniano, disse o operador. Mas como a lei é arbitrária, ele não sabe que pena receberia caso fosse pego.

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George diz que, quando os celulares chegaram no país, nos anos 90, o governo queniano dificultou a criação de uma indústria de telefonia móvel. Ele lembra da época em que os cartões SIM custavam quase US$1.000 e a indústria era cheia de burocracia. Hoje 93% dos quenianos possuem celulares e 73% deles usam seus telefones para fazer transações monetárias.

"Ao longo do tempo, o governo entendeu que deixar esse processo acontecer naturalmente lhe traria mais benefícios", disse George, se referindo à indústria de telefonia móvel. Ele espera que o mesmo aconteça com os drones. "Precisamos de mais abertura", disse. "Nós nem sequer conseguimos imaginar os possíveis usos dos UAVs [veículos aéreos não tripulados, na sigla original]."

O cafezal. Crédito: George/Justin Lynch

Dickens Olewe, ex-jornalista e primeiro queniano a enxergar o potencial comercial dos drones, concorda. "Os drones geram muito interesse", disse Olewe. "Se eu pudesse dar um conselho ao governo queniano, eu o aconselharia a incentivar a entrada de capital no país."

Para ele, os drones não são uma inovação, e sim uma ferramenta que pode revolucionar outras indústrias. Para combater os famosos engarrafamentos de Nairobi, Olewe sugere a instalação de drones que transmitiriam imagens atualizadas dos congestionamentos. O ex-jornalista também sugere que, no caso da transmissão de imagens de desastres naturais para jornalistas e instituições humanitárias, os drones seriam uma opção melhor e mais barata do que os helicópteros.

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"É possível lucrar com toda essa inovação, e para isso é preciso que as pessoas invistam no Quênia", disse Olewe.

Olewe já usou drones para mapear as favelas de Nairobi e para gravar imagens da rica biodiversidade das áreas de proteção ambiental do Quênia.

Conforme Olewe tentava incentivar uma indústria de drones no Quênia, as dificuldades começaram a surgir. Os pilotos invadiram a privacidade da população, ele diz. Os funcionários de aeroportos demonstraram reservas quanto ao uso de drones próximo a aviões. Seu próprio jornal publicou a manchete "Objeto voador misterioso cai em Naivasha"para contar a história de um grupo de estudantes que derrubou seu pequeno drone caseiro.

"A mídia tem espalhada alarmismo e ignorância", afirma Olewe.

O ponto crucial ocorreu quando um drone de origem desconhecida apareceu num evento no qual o presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, estaria presente. Em um país ainda marcado pelo atentado ao Shopping Westgate, organizado por militantes do al-Shabaab e que matou 69 pessoas e feriu 200, os drones se tornaram questão de segurança nacional. Em vez de criar uma legislação voltada especificamente para esse problema, o governo queniano anunciou que apenas os drones aprovados pelo exército e pela entidade de aviação civil poderiam ser utilizados.

"Existe receio geral de que, sem regulamentação, os drones poderiam ser usados para fins criminosos."

"Existe um receio geral de que, sem regulamentação, os drones poderiam ser usados para fins criminosos, como terrorismo e outras ações negativas", disse o Capitão Gilbert Kibe, diretor geral da Entidade de Aviação Civil do Quênia.

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Para solucionar o problema, Kibe afirma que o Quênia está desenvolvendo uma legislação dupla. Dentro dessa nova lei, os drones recreativos sofrerão menos restrições enquanto os pilotos comerciais enfrentarão mais dificuldades.

"Para controlar um UAV, é preciso ter o nível de treinamento, a qualificação e a competência de um piloto", disse Kibe. "Como é uma atividade comercial, é preciso dar uma licença para o operador e se assegurar de que ele está agindo dentro da área permitida sempre para fins puramente comerciais."

Isso significa que fotografar um casamento com um drone de US$800 é um ato comparável a pilotar um avião de passageiros de milhões de dólares.

A África do Sul também criou uma lei semelhante e muitos habitantes acreditam que isso atrapalhará o crescimento da indústria. Pouquíssimas empresas receberam a licença para o uso de drones comerciais, de acordo com But Corpaci, dono da Skylab Productions, empresa com sede em Cape Town.

"Para trabalhar na indústria cinematográfica, precisamos de várias licenças e nenhuma empresa de seguro faz apólices para drones", disse Corpaci. Para completar, ele afirma que a polícia de Cape Town está usando drones ilegalmente para encontrar criminosos.

Para os países na África que já estão em estado de alerta quanto à segurança interna, drones são uma possível ferramenta terrorista. No Egito, no Marrocos e na Algéria, é preciso de uma permissão do governo para controlar um drone. Não se sabe de ninguém que já tenha conseguido essa permissão.

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George pilotando seu drone. Crédito: Justin Lynch

Essa abordagem radical funciona, afinal? Especialistas em drones afirmam que a regulamentação é necessária e que existe um jeito de resolver esse problema sem frear o avanço tecnológico. Pilotos como George continuarão a usar drones, não importa o que aconteça. As restrições podem ser limitadas às áreas ao redor de aeroportos ou cidades de grande porte, por exemplo, e permitir a utilização de drones no restante do país.

"Acho que isso toca num ponto importante — precisamos de uma abordagem mais flexível", disse Jonathan Ledgard, diretor da Afrotech, inciativa do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça.

Ex-correspondente da The Economist na África, Ledgard acredita que o continente terá dificuldades para fornecer empregos à próxima geração de jovens. Estradas arruinadas e uma rede de transportes decadente são alguns dos fatores que culminarão numa alta taxa de desempregos entre os jovens africanos nos próximos vinte anos. Ledgard acredita que os drones de carga resolveriam o problema de transporte da África e aumentariam o número de empregos criados pelo comércio intra-africano.

Ledgard já discutiu a questão dos drones de carga com os governos de países como a Angola, a Uganda e a Ruanda. Em vez de lidar com burocratas médios como Kibe, diretor da Entidade de Aviação Civil do Quênia, Ledgard prefere falar diretamente com o presidente do país. Sua proposta é simples.

"Em vez de tentar criar uma nova economia que gerara rendas entre US$2.000 a US$3.000 per capita — a realidade dos próximos 20 anos — o seu governo precisará ser muito mais imaginativo em relação ao uso da tecnologia."

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Até o momento, as reações divergem.

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Enquanto George escondia seu drone há alguns quilômetros de distância, o homem de ressaca já havia se levantado. Seu nome era Ronald e ele me disse que trabalhava num hotel próximo. O drone se revelou como um ótimo remédio para ressaca: era o único capaz de ver o pequeno quadricóptero no céu nublado. George fotografava serena paisagem queniana quando começou a chover.

"O drone aguenta um pouco de chuva, mas não muito", disse.

Crédito: Justin Lynch

O sistema de emergência do drone começou a apitar. A bateria estava baixa e havia começado a chover. George apertou um botão que traria o drone de volta o mais rápido possível. Ronald era o único que conseguia ver a silhueta branca do drone voando em direção ao seu dono.

"Não é recomendável chegar a menos de 10% de bateria", disse George, olhando para o céu.

Ele não via nada. O drone parecia não estar voando rápido o suficiente para sair da chuva ou talvez não tivesse bateria o suficiente para voltar. Outro sinal de emergência rompeu o silêncio. Ronald não conseguia mais ver o drone, agora mergulhado nas nuvens. George torcia para que o sistema de piloto automático não tivesse falhado. Eles continuaram a procurar o drone, tão impotentes quanto funcionários da NASA esperando um foguete prestes a entrar na órbita terrestre.

"Ali!", gritou Ronald, e a silhueta do drone surgiu no céu.

George mudou para o modo manual para acelerar o pouso. A chuva aumentou, e o vento ficou mais forte. O drone estava a vinte metros de altura e começou a cair rapidamente. George esticou a mão e o segurou.

"18% de bateria!", gritou. "Configurei o aviso de bateria para tocar antes."

George guardou o drone numa bolsa acolchoada no exato momento em que o céu começou a se abrir. Ronald parecia bêbado, molhado e inspirado.

"Por favor, me arranja algo para comer", ele disse.

Tradução: Ananda Pieratti