FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

A Indústria Siderúrgica do Brasil Dobrou Suas Emissões de CO₂ em Sete Anos

O uso de carvão vegetal foi um tiro pela culatra na tentativa de diminuir a poluição da indústria siderúrgica brasileira.
​Uma carvoaria só não faz poluição, mas várias... Crédito:Victor Camilo/​Flickr

De boas intenções o inferno está cheio, né não? Outro lugares bem quentes, como uma fornalha à carvão, também. Há cerca de vinte anos, a indústria siderúrgica brasileira resolveu se adaptar às demandas do Protocolo de Kyoto ao adotar carvão vegetal na sua cadeia de produção. A matéria-prima, que viria exclusivamente de madeira de reflorestamento, não veio. Aí o tiro saiu pela culatra. E, em vez de diminuir, o país dobrou as emissões de CO₂ para 182 milhões de toneladas métricas em apenas sete anos.

Publicidade

"Até metade do total de carvão vegetal veio de mata nativa. Quando você faz isso, o carbono estocado na floresta vai embora. Ele não é neutro. Nesse caso, você aumenta as emissões em vez de reduzir", explica o professor Britaldo Soares Filho. Professor de geologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, ele coordenou o ​estudo que identificou o aumento da quantidade de dióxido de carbono causado pelas siderúrgicas. De acordo com a pesquisa, 80% dessa quantidade gerada entre 2000 e 2007 vem do uso de madeira nativa.

A lógica é simples. Em vez de usar carvão mineral, a indústria passaria a usar carvão vegetal obtido pela combustão controlada da madeira. As árvores nesse processo viriam de reflorestamento de modo que o CO₂ da queima equivalesse ao CO₂ capturado durante seu crescimento. A origem do carvão, contudo, foi pouco considerada nesse período. "Não adianta contabilizar uma emissão num setor e haver uma fuga. Foi isso que aconteceu. Reduziram as emissões na indústria, mas elas aumentaram com o desmatamento", me disse o professor.

Segundo o estudo, o uso de carvão vegetal de mata nativa triplicou de 2000 a 2007. A maior parte dele foi destinado a Minas Gerais. Líder na indústria siderúrgica, o estado produziu 9,7 megatoneladas de aço durante o período — quase três quartos do total nacional. O que não vinha de mata reflorestada, vinha de regiões desmatadas principalmente no Pará e no Maranhão. "Minas começou a comprar carvão vegetal de outros estados e até outros países. Boa parte desse carvão é de desmatamento ilegal. Minas se tornou uma exportadora de desmatamento", disse Britaldo.

Distribuição espacial do carvão vegetal entre 2000 e 2007. À esquerda, mata reflorestada para produção de carvão, com 75% da sua área em MG; à direita, mata nativa usada para produção de carvão, com maior parte oriunda do Pará e do Maranhão. (Note as diferenças de escala) Crédito: Nature Climate Change

Para ele, a desproporção no uso de matas reflorestadas e matas nativas é resultado de leniência nos altos escalões de Brasília. "Esse estudo mostra que as políticas setoriais no Brasil são descoordenadas entre si. Você investe em transformar o parque siderúrgico para que ele use o carvão vegetal, mas, ao mesmo tempo, você não investe em garantir o suprimento para impedir que ele venha de mata nativa. A política acaba não funcionando", afirmou o professor.

Ainda de acordo com ele, desde 2008 as siderúrgicas reduziram a emissão de dióxido de carbono devido ao aumento de área reflorestada. A causa principal, no entanto, aparece como mais um efeito colateral, segundo explicou o geólogo. "Obviamente as grandes empresas estão se adequando a normas mais exigentes quanto ao uso de carvão de mata nativa, mas diminuiu a demanda do parque siderúrgico devido a recessão do setor. Não foi uma ação de políticas públicas."

Segundo o ​Observatório do Clima, os índices de CO₂ emitidos pela indústria metalúrgica chegaram a cair para 29,8 megatoneladas em 2009, a menor taxa da década, mas voltaram a subir em 2012. E, pela poluição causada na queima e no corte, o problema do carvão vegetal ainda pode se estender. "Há uma demanda muito grande hoje de se usar biomassa para energia, mas ela tem o mesmo problema do carvão: se não se garantir que a origem seja de mata nativa, você corre o risco de criar uma grande demanda para carvão vegatal para as termelétricas, por exemplo", finalizou Britaldo. "Isso pode aumentar o desmatamento."