FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

A História do HIV Indica Um Futuro Ainda Mais Paranóico para o Ebola

Assim como acontecia durante a Guerra Fria, se você não pode ver seu "inimigo", todos viram um.
Crédito: CDC

O HIV e o ebola possuem algumas semelhanças interessantes e completamente macabras. Uma delas é o longo período de incubação: o ebola pode demorar até três semanas para se manifestar, já o HIV pode demorar anos. Uma vez que os vírus se incubam e constroem seus exércitos virais, eles partem para a guerra. Eventualmente, o ebola mata cerca de metade de suas vítimas; quando o HIV não é tratado ele leva à AIDS, e a morte não demora muito a chegar.

Publicidade

O período silencioso da doença é um perigo. Os pacientes com ebola não se tornam infecciosos antes de exibir os sintomas. Já os pacientes afetados pelo HIV se tornam infecciosos muito rapidamente, o que é um grande risco. No entanto, o problema mais insiodioso é a paranoia.

Assim como acontecia durante a Guerra Fria, se você não pode ver seu "inimigo", todos viram um. Lembrar que só houve quatro casos de ebola nos Estados Unidos (comparado aos milhares na África Ocidental) não ajuda em nada, pois qualquer um pode imaginar que existam infinitas pessoas contaminadas pela doença. Não podemos fazer nada para mitigar esse medo.

Também não podemos dizer que os profissionais estão tomando todas as precauções necessárias: os enfermeiros, as pessoas que deveriam tomar todas as precauções possíveis, também se infectam. Assim, descambamos no ridículo: uma professora foi dispensada após ir à Dallas para uma conferência. Não importa que ela tenha ficado a 16 quilômetros de distância de qualquer local relacionado com o ebola, ou que a cidade de Dallas tenha 1,25 milhões de habitantes e só dois casos de contágio pelo ebola, que ocorreram no ambiente mais perigoso que se possa imaginar: um centro de quarentena da doença, cheio de fluidos corporais contaminados.

Ah, e também há o caso da mulher que foi presa no banheiro do avião após vomitar (em um avião!); o de vários pais retirando seus filhos de uma escola do Mississipi após saberem que o diretor havia recentemente visitado o Zaire, um país sem casos de ebola e localizado a 5 mil quilômetros de distância da África Ocidental; e o de uma escola de ensino fundamental no Maine prendendo um de de seus estudantes após ele dizer, erroneamente, que seu pai havia sido infectado pelo ebola.

Publicidade

Quando somados, o medo e a falta de informação viram uma força destrutiva. Não estou falando de informação no sentido factual ou razoável, mas sim no sentido de ser capaz de observar e avaliar a saúde de um desconhecido rapidamente.

É aí que surge a paranóia, e, naturalmente, as teorias da conspiração. Vejam o Chris Brown, por exemplo, sugerindo no Twitter que o ebola é uma forma de controle populacional. Existe também uma ideia relativamente popular (leia-se: coisa do Snopesf) que o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos patentetou o ebola para lucrar com a doença. Podemos encontrar essas ideias no público geral, sem nem mesmo precisar descer até os confins do Infowars, onde as coisas são escrotas e as pessoas fazem trocadilhos do naipe de "Obola".

Isso tudo parece ser facilitado pela invisibilidade do vírus. A imaginação descontrolada e desinformada é ao mesmo tempo assustada e assustadora. Onde o vírus está? Quem foi infectado?

A mesma coisa aconteceu com a AIDS. Até mesmo as pessoas que deveriam controlar a situação foram infectados pela histeria. Em 1988, no auge da epidemia da AIDS, Dr. Stephen C. Joseph, comissário de saúde de Nova York, estimou que o número de infectados na cidade chegava aos 400 mil. Contudo, em 2000, Nova York só contava com 120 mil casos diagnosticados.

O medo começou com uma capa da revista Life, segundo um artigo do New York Times de 2001. A chamada era "Agora Ninguém Está a Salvo da AIDS". O FBI colocou lenha na fogueira, sugerindo que a AIDS seria pior do que a peste negra. A Oprah afirmou que um quinto de todos os heterossexuais morreriam até 1990.

Publicidade

"Os pesquisadores Masters e Johnson alertaram que o vírus da AIDS poderia estar até no assento de privada", escreveu John Tierney para o Times. "Uma sexóloga chamada Helen Singer Kaplan escreveu um livro chamado A Verdade Sobre as Mulheres e a AIDS, alardeando que a camisinha não era o suficiente e que até mesmo beijar era um risco". Em um editorial de 1986, John Phair da Universidade de Northwest escreveu:

De acordo com uma pesquisa publicada em dezembro pelo Los Angeles Times, 50% dos adultos entrevistados apoiavam a quarentena para os pacientes com AIDS, 48% aprovaram a ideia de cartões de identificação para aqueles que foram diagnosticados com o vírus que causa a AIDS e 15% preferiam tatuar as vítima de AIDS. No entanto, ostracizar e isolar vítimas de AIDS e outras doenças só iria dificultar que eles colaborassem com os pesquisadores de forma aberta e honesta. Essa confiança é essencial se quisermos controlar e eliminar a AIDS.

Ainda não chegamos nesse ponto: é difícil olhar para o cara protestando em frente à Casa Branca com um placa de "CANCELEM TODOS OS VOOS!" e não sentir um calafrio parecido com o que sentimos quando lemos essas estatísticas.

Atualmente, a paranóia com o HIV ainda existe como uma entidade própria, um poderoso fenômeno com mais de meio milhão de resultados no Google. A maioria dos resultados vem de sites de perguntas e respostas, com posts como "essa fobia de HIV controlou a minha vida.. me arruinou", "preciso de ajuda pra controlar minha paranóia", "risco de HIV com camisinha. ansiedade e paranóia", e o sempre presente "não consigo tirar isso da minha cabeça."

As pessoas vivem em total sofrimento por causa dessa paranóia.

O medo está ligado ao caráter insidioso da infecção por HIV, é claro. Um vírus assintomático e potencialmente mortal é uma fonte única e fortíssima de ansiedade e compulsão. O ebola vai um pouco além, pois introduz formas de transmissão novas e relativamente comuns.

Onde há medo, há raiva; assim como o HIV, o ebola está ligado a uma minoria, e todos sabemos das merdas que acontecem quando essas ideias perigosas ficam martelando na cabeça de um grupo muito específico e assustador de americanos. Temos todos os ingredientes para algo horrível, e, quando algo horrível acontece, as pessoas horríveis começam a dar as caras.

Tradução: Ananda Pieratti