​A Hipnose Tipográfica de André Andrade, o Cartazista Recifense
Crédito de todas as imagens: André Andrade

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​A Hipnose Tipográfica de André Andrade, o Cartazista Recifense

Conversamos com um dos grandes designers populares do Brasil.

No geral, locutores do comércio popular tem um alto poder de irritação. Eles repetem frases feitas que entram nos seus ouvidos em frequências acima do normal para as próprias vozes, levemente anasaladas e falsamente camaradas — eles querem vendas, não querem amigos.

Por isso eu gosto dos cartazes. Eles ficam em silêncio, brigando pela sua atenção sem te perseguir pelos corredores da loja, seja num saldão do Brás ou na sessão de churrasco do supermercado. E quando eles conquistam sua atenção, alguma coisa tem. André que o diga.

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"Às vezes tem que vender algo simples que não chama a atenção, mas a gente faz um cartaz e melhora muito", diz ele. Carlos André de Andrade da Silva, mais conhecido como André Andrade, já deu as caras por aqui com sua  melancia em homenagem ao Eduardo Campos, mas seu negócio é fazer os anúncios do supermercado onde trabalha.

Ele faz isso há 5 anos. Aprendeu de olho. Conta que, adolescente, fez um curso para abrir letreiros, atividade pernambucana até  registrada em livro e em curta, mas cada vez mais incomum graças a fachadas patrocinadas por grandes marcas com suas tipografias modorrentas.

"[Cartazista] é uma profissão que está em extinção", conta André. Ele sabe disso porque só tem um colega que, nas suas palavras, desenrola. Enquanto o computador não acaba de vez com seus traços, ele vai riscando. Nós já temos o nosso:

Motherboard: Como você começou a fazer isso?
André Andrade: Eu trabalhava na parte de hortifrúti do supermercado, como promotor de outra empresa, e tinha um cartazista muito atarefado nessa loja. Eu via ele muito ocupado e pensei em fazer os cartazes da minha seção pra adiantar o lado dele e da gente também. Nos primeiros dias não foi essas coisas, mas a letra ficou melhor e depois ficou bom. Aí me contrataram pra ser cartazista dessa loja em 2009.

Você tinha alguma experiência? Algum curso?
Eu tinha um pouco de habilidade com desenho, mas fazer cartaz não é a mesma coisa. No começo eu prestava bastante atenção. Quando eu era mais jovem, eu abria letreiro nos muros. Tinha uns 17 anos quando fazia isso no meu bairro aqui em Recife, o Jordão. Eu nunca fiz nenhum curso. Fiz um curso de letrista quando era jovem pra aprende a fazer faixa, abrir letreiro na rua.

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E como você faz os cartazes hoje? Quanto tempo leva?
Eu crio tudo na hora, sem rascunho. Leva uns trinta, quarenta segundos por cartaz. Começo de cima pra baixo. Começo de cima, faço o destaque em vermelho. Ainda boto uma sombrinha pra dar um diferencial. Não posso mudar muito, mas as vezes dá pra fazer algo mais diferente.

Qual sua rotina aí na loja?
Todo dia os preços mudam. Eu fico na minha sala, o pessoal faz uma requisição e passa pra mim num papel. Tem dia que é cheio. Hoje eu fiz cerca de 200 e pouco, só dos grandes.

Qual o tamanho desses?
Tem 1m x 60cm.

E qual material você usa?
Uma caneta com ponta de filtro sintético. Aí eu boto a tinta no filtro e pinto. Tem cinco tamanhos de ponta. É na medida! E tem quatro cores: amarelo, azul, preto e vermelho. Uso mais o preto, o vermelho e o amarelo. Um anúncio de TV, por exemplo, eu faço com o preço em vermelho, com uma sombra em preto e uns detalhezinhos em amarelo. A cartolina que a gente usa é meio lisinha também.

Você acha que seu trabalho afeta muito as vendas no supermercado?
A alma do negocio é a propaganda, né? Às vezes tem que vender algo simples que não chama a atenção, mas a gente faz um cartaz e melhora muito. E tem o valor da criatividade pra chamar a atenção do cliente. Uma vez fiz um com "Todo o açougue com 20% de desconto", e desenhei um boi. O diretor sempre vem aqui me dizer que isso ajuda, sim.

Quando você divulgou seu trabalho no Facebook, imaginava que ia ter repercussão?
Quando eu comecei a fazer nem imaginava em por no Facebook. Eu fazia pra mim. Inventei de botar lá, depois de dois dias começou a repercussão. A galera vive comentando. Já me chamaram pra trabalhar em outros lugares, mas eu não quis não. A proposta não foi boa!

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Hoje você vive disso.
Sim, essa é minha profissão. Estou feliz, mas também penso em melhorar de vida. Fazer uma faculdade de web design.

E hoje você faz cartazes só no supermercado?
Direto o pessoal me chama pra fazer cartaz, pede pra eu fazer um pra levar pra casa. Teve uma vez que uma senhora pediu um pra mim para o filho dela que estava chegando de São Paulo. Ela pediu pra eu fazer um "Seja Bem-Vindo, Felipe".

Você tem família, filhos? Eles gostam de desenhar?
Tenho uma esposa e um filho de 6 anos. A vida dele é riscar as paredes lá de casa!

Você conhece mais alguém que faça isso?
Tenho um amigo que desenrola, mas é uma profissão que está em extinção. Só alguns supermercados tem cartazistas. A maioria faz cartazes direto no computador.

A nosso pedido, o André fez uma preza para a VICE e para o Motherboard. Curtimos demais.