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Tecnologia

A Estranha Empatia de Elon Musk

Uma nova biografia mostra a exótica e obsessiva personalidade de um dos homens mais poderosos do mundo.

No presente momento, Elon Musk e Ashlee Vance não estão se falando. Saber que um dos homens mais poderosos do mundo está bravo com você não deve ser uma sensação muito agradável, mas se consideramos que Vance, um escritor de ofício, passou três anos vasculhando cada pedacinho da vida de Musk, essa punição não é lá tão grave, né?

A biografia de Vance, intitulada Elon Musk: Tesla, SpaceX, and the Quest for a Fantastic Future (Elon Musk: Tesla, SpaceX e a Busca por um Futuro Fantástico, em tradução livre, ainda sem edição no Brasil) é um olhar fascinante por trás dos panos de uma das empresas mais interessantes do mundo e, também, um dos estudos mais completos sobre o homem que comanda tudo isso — o Elon Musk, dono da SpaceX, a empresa que constrói peças e veículos de transporte espacial, caso você não tenha sacado.

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Musk nunca se escondeu da imprensa — como o empreendedor jovem e irreverente que é, chegou a comprar um carro de US$1 milhão da McLaren na frente das câmeras — mas ele prefere pensar sobre o futuro da humanidade ou divagar sobre a possibilidade da inteligência artificial destruir a espécie humana à discorrer sobre si mesmo.

Sabemos muito sobre o que Musk quer fazer, tipo viver e morrer em Marte e revolucionar a indústria de transportes, mas sabemos muito pouco sobre quem ele realmente é.

Vance é um jornalista veterano da Bloomberg Businessweekque decidiu escrever um livro sobre Musk após escrever uma matéria sobre a SpaceX em 2012. No início do projeto, Musk não quis colaborar.

"Ele já havia recusado propostas parecidas e não se sentia confortável me ajudando", afirma Vance. "Ele disse que queria escrever seu próprio livro, mas acho que ele não queria que ninguém pensasse que ele gostava da ideia de ser o protagonista de um livro."

"Para ser justo, Elon não anda por aí dizendo que todos deveriam perder o nascimento de seus filhos"

O livro seria publicado mesmo sem a ajuda de Musk. Vance entrevistou centenas de amigos de infância, colegas de escola e funcionários do empreendedor, tudo isso enquanto tentava convencer o figurão a participar. Depois de 18 meses de súplicas, Musk enfim concordou em se encontrar com Vance para ajudá-lo. Vance e Musk jantaram juntos uma vez por mês, encontros que resultaram em quase 40 horas de entrevistas. Vance define esse período como "pós-Elon."

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"Foi muito bom, aprendi muito sobre ele. É um bom interlocutor, responde tudo com clareza", diz Vance. "Ele não queria que eu falasse com os funcionários mais antigos da Tesla e da SpaceX, que sabiam todas as histórias cabeludas e conheciam bem a tecnologia. Mas eu queria ouvir eles, ainda mais porque eles sempre são ignorados."

Musk, como podemos ver no livro de Vance, é um cara que aluga castelos para seu aniversário e deixa que arremessadores de facas estourem um balão entre suas pernas. Ele é o cara que, depois de ser dedurado por um amigo na infância, prefere pular de um lance de escadas a deixar que um grupo de valentões o empurrassem.

Ele é o cara que acha que ter uma namorada requer "cerca de 10 horas" de atenção semanais. Ele é o cara que, em sua primeira startup, pediu para que seus funcionários trabalhassem durante 20 horas diárias enquanto ele mesmo trabalhava durante 23 horas, de acordo com Vance. Ele é o cara que nunca fracassa, o cara que fala sobre colonizar Marte e que de alguma forma faz a ideia não só parecer possível como inevitável.

"Quando Musk viu o livro, ele surtou por alguns dias"

E ele é o cara que, segundo Vance, já repreendeu um funcionário da Tesla por perder uma reunião para assistir ao nascimento de seu filho.

"Um funcionário perdeu um evento para acompanhar o parto da sua mulher. Musk mandou um email que dizia, 'Isso não é desculpa. Estou extremamente decepcionado. Você precisa ter suas prioridades em mente. Estamos mudando o mundo e a história; ou você se compromete, ou vai embora'", escreve Lance.

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É por causa dessa citação que Vance e Musk estão brigados. A história foi veiculada pelo The Washington Post e vários outros jornais, e Musk, como era de se esperar, expressou seu descontentamento no Twitter.

"É mentira afirmar que mandei alguém perder o nascimento do próprio filho só para ir a uma reunião de trabalho", tuitou Musk. "Eu nunca faria isso". Musk acrescentou que "os fatos no livro de Ashlee não foram averiguados por terceiros. Todos devem desconfiar do que ele diz."

"Musk está ocupado demais tentando salvar a humanidade"

Essa é uma das poucas citações anônimas do livro. Encontrei Vance semana passada e perguntei por que ele havia usado a citação — dezenas de amigos, parentes e funcionários do Musk já falaram abertamente sobre como ele faz de tudo para atingir seus objetivos, muitas vezes às custas dos sentimentos dos outros. Então por que usar uma citação tão polêmica?

"Escolhi essa citação porque ela mostra exatamente o quão desesperadora é a situação, o quanto ele exige das pessoas. Ele disse aquilo; a verdade está no papel", afirma Vance. "O problema dessa citação é que ela foi retirada do contexto do livro e colocada em uma lista com várias outras frases. O contexto importa; aquilo foi dito em 2008, quando a Tesla corria o risco de falir a qualquer momento e tudo estava dando errado."

"Para ser justo, Elon não anda por aí dizendo que todos deveriam perder o nascimento de seus filhos", ele acrescentou. "Mas nesse período de 2008, todos os funcionários precisavam estar na empresa a todo momento. Entendo o que ele quis dizer mas, quando vemos essa citação no meio de uma lista, soa muito agressiva."

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Embora a citação tenha sido apropriada pela imprensa e rechaçada por Musk, Vance afirma que o empreendedor não a condenou desde o início. Musk não pôde ler o livro "antes do lançamento oficial", mas teve acesso a uma cópia antes do livro chamar a atenção da mídia.

"Quando ele viu o livro, surtou por alguns dias", disse Vance. "Mas alguns dias depois entrou em contato comigo dizendo que o livro era bem pesquisado e que eu havia feito um bom trabalho. Na época, ainda nos falávamos."

Além de ser essencial para o livro, a participação de Musk serve como uma narrativa definitiva da história da Tesla e da SpaceX, duas empresas que estão dando seus primeiros passos e ainda têm muitos desafios pela frente. Graças ao envolvimento de Musk, Vance pôde falar com funcionários de alto escalão de ambas as empresas, que lhe contaram sobre a vez em que Musk quase vendeu a Tesla para o Google ou os meses que eles gastaram tentando construir e lançar um foguete de Kwajalein, a 3.000 quilômetros ao sudoeste do Havaí.

"Achei que ele desistiria depois da primeira entrevista e depois pensei que ele fosse desistir após a segunda, mas isso nunca aconteceu", diz o jornalista. "Quando decidiu me ajudar, levou tudo na esportiva. Ele respondia a todas minhas perguntas. Com o passar do tempo, as entrevistas ficaram melhores. Na terceira ou quarta entrevista lembro de voltar para casa e pensar: 'meu Deus, isso está dando certo!'"

O livro de Vance é um exemplo magistral de jornalismo. Sempre soubemos que Musk tinha um plano, mas agora sabemos como ele pretende executá-lo. Sim, ele feriu os sentimentos de muita gente no caminho e vai ferir mais. Não é como se ele não se importasse; é porque ele se importa demais.

"Elon tem a empatia mais bizarra que já vi. Ele não tem muita empatia interpessoal, mas tem muita empatia pela humanidade", diz Vance. "Acho que ele tem um conjunto de emoções diferente da qual estamos acostumados. Ele está ocupado demais tentando salvar a humanidade."

Tradução: Ananda Pieratti