A Ciência Por Trás do Treinamento de Pombos
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Tecnologia

A Ciência Por Trás do Treinamento de Pombos

Quando TC Ptomey compra um novo grupo de pombos, normalmente de uma loja de animais, ele os mantêm no porão, presos no escuro por semanas, antes de levá-los até o telhado.

O homem está parado em frente a uma gaiola de madeira e arame, cercado por pombos. Os pássaros rodopiam e mergulham ao seu redor, e de vez em quando comem algo de suas mãos. Ele assobia, e os pássaros vêm até ele.

TC Ptomey começou a criar pombos quando era criança, mas passou as últimas décadas sem nenhum pássaro por falta de espaço para criá-los. Dois anos atrás, ele finalmente encontrou um senhorio que aceitou a construção de um criadouro de pombos em seu telhado — telhado vizinho ao meu, em Bedford-Stuyvesant, no Brooklyn. Agora, se eu subir dois lances de escadas, subir mais uma escadinha, levantar uma portinhola de madeira e me esgueirar por um buraco, emerjo em um telhado que abriga quase cem pombos.

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Às vezes, os pássaros voam juntos, preenchendo o espaço acima do telhado. Em outros dias, eles voam tão alto que parecem pontinhos no céu. Às vezes, eles descansam dentro de sua casinha, com as penas abaixadas e tão silenciosos que nem parecem estar lá.

Ptomey cria no mínimo quatro raças de pombos por vez: "voadores", que voam de forma padronizada; "bicudos", que foram criados para voar longas distâncias; "tontos", que dão piruetas no ar; e pombos-correio, talvez a raça mais famosa, capazes de voar longas distâncias e sempre encontrar o caminho de casa.

Quando Ptomey, que hoje tem 52 anos, morava em Brownsville, no Brooklyn, os criadores de pombos eram figuras comuns na região. Haviam muitos criadouros nos telhados da região, e os homens (em sua maioria) que os mantinham passavam horas alimentando, cruzando e criando seus pássaros. Alguns até treinavam pombos de corrida. Um dos passatempo das crianças das redondezas era tentar capturar e roubar os pássaros de outras pessoas.

"Nós roubávamos 10 pássaros por dia e vendíamos tudo para lojas de animais", disse Ptomey. "Só para você ter uma noção da quantidade de pássaros."

TC Ptomey e alguns de seus pássaros.

Atualmente, poucos nova-iorquinos criam pombos; em parte por causa do crescimento das leis de zoneamento, mas principalmente por causa do envelhecimento da população de criadores. Há poucos jovens interessados em manter essa tradição viva. Mas os criadores que persistem fazem parte de um grupo especial. Ao longo dos vários séculos de criação de pombos, esses criadores desenvolveram técnicas avançadas – e muitas vezes bizarras — para treinar seus pássaros.

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Algumas são passadas de criador para criador, enquanto outras são desenvolvidas após tentativas e erros individuais. Algumas seguem o senso comum, mas outras parecem ir contra a lógica. Poucos criadores leem estudos sobre o comportamento e inteligência dos pombos; todavia, muitos desenvolveram, intuitivamente, métodos de treinamento que estão de acordo com as descobertas científicas.

Vejam o exemplo de Ptomey, que não treina pombos de corridas — ele apenas os cria. Seus pássaros são criados segundo três preceitos. Alguns foram-lhe ensinados quando ele era criança, mas outros surgiram da convivência com os pombos.

Um: Deixá-los para fora da gaiola quando eles estão com fome, para que eles voltem para se alimentar.

Dois: Deixá-los no escuro, o que diminui o número de fugas.

Três: Crie-os como um grupo e solte-os em grupo.

Quando Ptomey compra um novo grupo de pombos, normalmente de uma loja de animais, ele os mantêm no porão, presos no escuro por semanas, antes de levá-los até o telhado. "É para fazer uma lavagem cerebral neles", ele disse, "e apagar todas as lembranças de suas casas".

Verner Bingman, um professor de psicologia da Universidade de Bowling Green que já estudou o comportamento de pombos, diz que a técnica soa bizarra, mas que pode funcionar.

"O problema que ele está tentando resolver é a dificuldade de pombos mais velhos de se adaptar a um novo local", disse Bingman. Mantê-los no escuro, explica Ptomey, ajuda os pássaros a esquecerem suas antigas casas e aceitar o telhado como seu novo lar.

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O OBJETIVO É FAZER UMA LAVAGEM CEREBRAL NELES E APAGAR SUAS MEMÓRIAS

Quando um pombo vira-lata sobrevoa seu telhado, Ptomey usa seus pássaros para capturá-lo. Ele tem uma técnica específica para isso: ele assobia para seu bando, que se junta e voa ao redor do pássaro, trazendo-o para o grupo. Ele diz que já usou a técnica para capturar diversos pássaros vadios da vizinhança.

Charles Walcott, um neurobiológo da Universidade de Cornell que estuda pombos desde os anos 60, diz que a estratégia faz sentido. "Os pombos são animais muito sociais, que amam voar em bandos", disse. "Para um pombo solitário vagando por aí, um bando pode ser algo atraente."

Pombos tem habilidades sensoriais e cognitivas impressionantes, o que explica a diversidade de técnicas de treinamento utilizadas pelos criadores. Pesquisas mostram que pombos podem ver a luz ultravioleta, ouvir frequências baixíssimas, sentir mudanças muitos sutis na pressão barométrica, usar aparelhos com touch screen, categorizar objetos, fazer cálculos matemáticos, e até mesmo identificar expressões faciais humanas.

Os criadores de pombos vem tentando aperfeiçoar o treinamento de seus pássaros há séculos. Durante uma pesquisa que precedeu a publicação de A Origem das Espécies, Charles Darwin ficou obcecado por criadores de pombos, pois eles eram um exemplo vivo das possibilidades da seleção.

Darwin percebeu que os pombos tinham muitas diferenças entre si, indo desde o tamanho de seus corpos até o formato de seus rabos e passando por seus barulhos e padrões de voo. Apesar disso, todos eles vinham de uma só espécie: o pombo doméstico, ou Columba livia, uma espécie completamente comum.

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Ed Wasserman, um psicólogo da Universidade de Iowa que estuda a inteligência dos pombos, diz que Darwin ficou fascinado com a capacidade desses criadores de "mudar o comportamento e anatomia dos pássaros via cruzamento seletivo".

Os criadores eram capazes de mudar o comportamento de seus pássaros com técnicas de treinamento especializadas, como a lavagem cerebral e a liberação cuidadosamente calculada do Ptomey. "Eles utilizam uma grande variedade de técnicas, algumas estranhas, outras não-convencionais, para descobrir até onde eles podem aumentar a velocidade e habilidade de localização dos pombos", disse Wasserman.

Não há lugar melhor para observar esse fenômenos do que em clubes de corrida de pombos, onde criadores participam de competições para descobrir quais pássaros voltam mais rápido para casa após serem largados a uma longa distância. Em muitos desses clubes, incluindo o Clube de Pombos-Correio Viola de Coney Island, selecionar as melhores características é ainda mais importante, visto que há dinheiro em jogo.

Os pombos-correio são mantidos dentro de uma caixa até a hora da corrida.

No começo de outubro, o clube teve a segunda Corrida Do Clube Viola, iniciada em Perth Amboy, em Nova Jersey. É uma corrida grande, com um prêmio de US$10.000 para o treinador e pombo ganhadores. Cerca de 50 homens participaram esse ano, cada um pagando US$500 para transportar seus pássaros de Perth Amboy até Cadiz, em Ohio, onde os pássaros voariam 565 quilômetros para voltar para casa.

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Richard Zdan, um policial aposentado de cabelos grisalhos e uma camiseta estampada com a frase "No Fear" ("Sem Medo", em português), inscreveu doze pássaros na corrida. Existem fotos dos pombos premiados do Zdan espalhadas por todas as paredes do clube, mas ele afirma que suas técnicas de treinamento são as verdadeira estrelas.

Zdan diz que, ao longo dos anos, aprendeu que a cor do pássaro não importa, mas que o formato de seu pescoço faz toda a diferença. Ele cruza seus pássaros com membros da mesma família, o que ele afirma gerar mais pássaros que voam muito bem ou muito mal, e menos espécimes medíocres. Ele também aprendeu a valorizar os pássaros "persistentes", e não os "rapidinhos".

"É melhor ter um pombo que não desiste do que o pombo mais rápido", ele diz. "Sabe, que nem em A Lebre e a Tartaruga."

Enquanto os homens se preparam para embarcar seus pássaros, eles conversam sobre diferentes técnicas de treinamento. Rich D'Antonio, que não está inscrito na corrida, mas que já teve um pássaro que bateu o recorde de 81 milhas por horas, diz que existem "100 caminhos para Roma; cada pessoa tem um diferente".

"Você analisa os pescoços deles?", pergunta Zdan.

"Não", responde D'Antonio.

Bingman, da Universidad de Bowling Green, diz que o pombo é "o cavalo de corrida do homem comum". Criar e treinar pombos de corrida não é barato, mas é uma atividade muito mais acessível do que as corridas de cavalos. "Eles passam horas conversando sobre as performances dos pássaros", diz Bingman.

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Os homens também passam muito tempo discutindo como os pombos conseguem voltar para casa. Pombos-correio são famosos por terem não apenas uma espécie de bússola interna, mas sim um mapa pessoal — o que significa que quando eles são largados em algum lugar desconhecido, mesmo que a centenas de quilômetros de distância, eles conseguem encontraras direções norte e sul, e também conseguem voltar para o lugar de onde vieram.

Apesar das décadas de pesquisas, os cientistas não elaboraram nenhuma explicação para essa habilidade dos pombos. Todos os biólogos, psicólogos e geofísicos com quem falei tinham alguma teoria, mas admitiram que não tinham certeza de nada. Zdan acha que a habilidade surge de uma combinação de fatores, incluindo a capacidade dos pombos de identificar o campo magnético da Terra, o que pode ajudá-los a identificar sua localização em relação ao Equador. A teoria do campo magnético é muito antiga, e provavelmente a mais difundida.

A segunda teoria mais popular é a de que pombos usam seu olfato para se orientar. Essa teoria afirma que os pombos constroem um "mapa olfatório", usando odores associados à diferentes ambientes para se localizar.

Uma terceira teoria afirma que eles usam características topográficas para se localizarem, como lagos e morros no interior e ruas e avenidas na cidade. Muitos cientistas acreditam que os pombos utilizam não apenas uma, mas as três habilidades ao mesmo tempo.

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ELES CONSEGUEM OBSERVAR A PAISAGEM E PENSAR, AH, MINHA CASA É PARA LÁ

Uma hipótese nova e um tanto quanto controversa, proposta por Jonathan Hagstrum do US Geologic Survey, afirma que pombos usam o infrassom para se localizarem.

"Um boa comparação seria com os morcegos, e como ele utilizam os sons de alta frequência", disse Hagstrum. "Os pombos usam o infrassom para criar um mapa; assim, eles conseguem observar a paisagem acusticamente e pensar, ah, minha casa é para lá."

Bingman, da Universidade de Bowling Green, afirma que a teoria do infrassom é uma "teoria arriscada", mas Hagstrum insiste que as teorias anteriores são "simplistas demais". No final, não importa como os pombos-correio se localizam, pois já temos uma certeza: com a ajuda dos cruzamento seletivo e do treinamento, eles se tornaram muito mais evoluídos do que os pombos que vemos todos os dias. O pombo que ganhou a corrida voou 565 quilômetros de Ohio à Staten Island em apenas seis horas e meia, voando cerca de 93 quilômetros por hora com a ajuda do vento do sudoeste.

Ptomey diz que a diferença entre pombos-correio e pombos comuns pode ser comparada à diferença entre computadores da Apple e PCs. Mas Walcott e Cornell acrescentam que existem diferenças físicas entre as espécies, e que os pombos-correio são os "atletas dos pombos".

"Eles foram criados para voar longas distâncias e se localizarem em qualquer lugar, e possuem o dobro dos músculos peitorais do que os pombos normais", disse. O pombo de rua também consegue encontrar o caminho de casa, ele afirma, mas apenas a distâncias menores.

Ptomey já testou essa teoria. Ele diz que, quando era criança, ele costumava colocar pombos de rua em uma caixa, amarrando essa caixa em sua bicicleta e pedalando até o Prospect Park, onde ele soltava os pássaros e apostava uma corrida com eles até Brownsville.

"Eles sempre ganhavam", ele afirma, ao menos que fossem soltos a uma distância maior. Seus pombos-correio, no entanto, podiam ser levados até Long Island, Staten Island e o Queens, e ainda assim conseguiam encontrar o caminho de volta rapidamente.

Ptomey não ama os pombos de rua, mas ama seus bicudos, seus tontos, seus pombos-correio e seus voadores. Para ele, eles são especiais e evoluídos. Ele os conhece, e sabe como lidar com eles.

"Gosto de suas cores, de como eles se movimentam, do jeito que eles voam. Eles têm algo a mais do que os pássaros de rua. Uma personalidade completamente diferente. Eles têm classe", diz, antes de sumir dentro do buraco.

Tradução: Ananda Pieratti