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Tecnologia

A ciência adverte: evite passar maconha na vagina para aliviar cólicas

Cannabis até pode ser um bom jeito para curar dores abdominais, mas não há nenhum estudo sério que assegure isso.
Crédito: Martijn/Flickr

É bom ter muita cautela na hora de passar drogas na vagina.

Caso você tenha achado o papo esquisito, saiba que tem se falado bastante por aí sobre meter maconha na vagina para aliviar cólicas menstruais. Na última semana, a Foria, uma empresa californiana que chegou às manchetes em 2014 ao lançar seu lubrificante de cannabis, voltou a chamar atenção com seu mais recente supositório vaginal contra cólicas. Apesar das ótimas resenhas, me flagrei pensando o quão eficaz, confiável e seguro seria o produto.

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Entrei em contato com a empresa, mas não obtive resposta imediata. Para minha sorte, o site oficial fornece algumas informações técnicas. De acordo com a página, cada supositório contém 60 mg de THC (tetrahidrocannabinol, o princípio ativo da cannabis que te deixa chapado) e 10 mg de CBD (cannabidiol, um dos princípios ativos que atua como analgésico). Esses ingredientes são compactados com manteiga de cacau na forma de um supositório para ser absorvido pela mucosa vaginal.

O site afirma que os supositórios agem para "maximizar as propriedades relaxantes e analgésicas da cannabis sem produzir uma 'chapação' psicotrópica". A descrição também aponta que a "a eficácia do produto ainda não foi confirmada por pesquisas clínicas ou aprovadas pela FDA" e, num lapso de humildade propagandística, afirma que o mesmo "não tem objetivo de tratar, curar ou prevenir qualquer doença".

No papel, a ideia de se tratar dores com maconha parece legítima. Embora tenhamos poucas pesquisas sobre os benefícios da maconha medicinal, há evidências de que a erva pode ser um tratamento eficaz e seguro para a dor. Na Califórnia, conseguir uma receita de maconha para tratar de cólica não é nada de outro mundo. Há, inclusive, precedente histórico: mulheres tem usado cannabis para lidar com suas menstruações há séculos. Até mesmo a Rainha Vitória teria sido receitada maconha para lidar com aquela época do mês.

Mas o produto da Foria leva a situação a um novo patamar: há diferença entre tomar algo para lidar com as cólicas e enfiar 70 mg de cannabinóides na xoxota?

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"É algo que não foi testado", afirmou a obstetra, ginecologista e especialista em dor Jennifer Gunter, de San Francisco, que há pouco escreveu sobre o novo produto da Foria em seu blog. "Não há nenhuma evidência na literatura científica que apoie esta dose ou sua segurança."

Uma das maiores preocupações de Gunter é o fato de que não existem pesquisas sobre como os canabinóides são absorvidos pela vagina. Sabemos que medicamentos inseridos na vagina são absorvidos de forma eficaz pela corrente sanguínea – Gunter mencionou anéis contraceptivos como exemplo – mas até isso depende dos compostos adicionados ao medicamento.

"Quando se cria medicamento para a vagina, coisa que faço normalmente, certos compostos só podem ser inseridos em certos produtos", disse Gunter. "Não faço ideia se os cannabinoides são compatíveis com manteiga de cacau. Geralmente se teria um estudo para testar isso, mas não houve qualquer teste."

Gunter também comentou que 70 mg de cannabinoides é uma dose relativamente alta. Ao tratarmos de comestíveis, 10 mg de THC é considerada dose padrão para tratamento de dores e, mesmo entre outros tratamentos absorvidos pela mucosa, 70 mg em uma dose é o ponto alto do espectro. Sativex, um medicamento cannabinoide usado para tratar dores musculares ligadas à esclerose múltipla e câncer no Reino Unido e Canadá, é absorvido pelo corpo por meio de mucosas após ser pulverizado abaixo da língua, não chega perto disso. Com 2,7 mg de TCH e 2,5 mg de CBD por borrifo, e uma dose máxima de 12 borrifadas por dia, Gunter nota que só são ingeridos 32,4 mg no total.

Isso não significa que o produto da Foria seja perigoso de verdade. Na real, só mostra o quão pouco sabemos sobre os efeitos de se enfiar manteiga de cacau com THC na pepeca. Levando em conta as variáveis, Gunter disse que não teria como aconselhar qualquer paciente usar supositórios de cannabis no tratamento de cólicas.

Ainda assim, os relatos sobre os gloriosos efeitos da maconha de pepeca da Foria são bastante atraentes. Se você está com cólicas, pode ser tentador experimentar. Mas se você é o tipo de pessoa que prefere remédios aprovados pela FDA e testados em laboratório, Gunter recomenda falar com seu médico. Há analgésicos vendidos apenas por prescrição que podem ajudar a mitigar as dores ou mesmo preveni-las. Talvez não soe tão fodão quanto deixar manteiga de cacau com maconha derreter dentro de você, mas pelo menos tem uma ciência envolvida, né?

Tradução: Thiago "Índio" Silva