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​A Avó da Ficção Científica Feminista Finalmente Ganhou um National Book Award

Ursula Le Guin é uma das figuras mais transformadoras da ficção científica feminista e finalmente foi reconhecida por isso.
Ursula Le Guin. Crédito: Marian Wood Kolisch

Ursula K. Le Guin ganhou menção honrosa no National Book Award nos EUA.

Que ela merece está além de questionamento: com 84 anos de idade, ela concorreu a outros prêmios mas nunca ganhou. No universo da ficção científica e da fantasia, ela levou todas as categorias e pode levar os louros de todas as honras como "Grande Mestre" na academia de Escritores Ficção Científica dos Estados Unidos – são somente 31. Ela se deu bem no universo mainstream também, vendendo milhões de livros – ela uma vez foi indicada ao Pulitzer, um feito raro para um escritor do gênero.

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Seus romances, que incluem o vencedor do prêmio Hugo & Nebula, A Mão Esquerda da Escuridão, O Tormento das Trevas, Duna e a série O Ciclo de Terramar, já são amplamente considerados clássicos. Ela sempre foi lida pelos seus pares: Gary Snyder e John Updike são fãs, e Phillip K. Dick chamou O Tormento das Trevas de "um dos melhores livros básicos da nossa civilização".

Ela é verdadeiramente uma grande dama. Nos seus sessenta e tantos anos de carreira, ela foi uma eloquente defensora do gênero e nunca evitou o título de "escritora de ficção científica", mesmo quando isso significava que a sua brilhante prosa poderia não ser reconhecida pela literatura. Claro que ela foi uma guerreira, lutou certo, e esse prêmio – que acompanha o aumento da aceitação e visibilidade da ficção científica – é testemunha.

Sobre o prêmio, Le Guin, que conhecidamente torce o nariz para honrarias e listas de best-seller, disse à Associated Press, "bem, levou 60 ou 70 anos para a fundação literária/crítica/acadêmica aprender a respeitar boa ficção científica e fantasia, mas ei, a estrada é longa, baby!"

Um comentário bem no estilo de Le Guin, que tem sido alegremente anárquica desde o primeiro dia, e nunca teve medo de zoar as convenções ou fazer comentários incisivos sobre seu trabalho. Muitas dos seus primeiros romances, como Duna e Floresta é o Nome do Mundo, são alegorias políticas elegantes sobre ambientalismo, questões sociais, anarquismo e taoísmo. Uma prévia dos dois últimos é a receita para o ponto de vista essencial de Le Guin; de um protesto eminente e compassivo contra o status quo.

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Ela é uma taoísta comprometida e publicou sua própria tradução de Tao Te Ching em 1998, onde ela explica que talvez seja melhor para um "leitor não masculino, que não procura segredos esotéricos, mas ouve uma voz que fala com a alma". Que ela é uma das figuras mais transformadoras da ficção científica feminista deve ficar óbvio somente por essa frase.

Seu romance de 1969, A Mão Esquerda da Escuridão, que se passa em um mundo onde os gêneros são mutáveis, indiscutivelmente discute o subgênero. Ele fez mais para reacender a ficção científica além das suas origens dominadas por uma categoria masculina do que qualquer outro livro anterior.

Em 2009, ela se demitiu do Authors Guild em protesto ao aval do projeto de digitalização de livros do Google, e criou uma formidável oposição contra o desejo do gigante da web de escanear as bibliotecas do mundo. Sua petição forte de 367 assinaturas foi fortemente distorcida por seus pares na ficção científica e na fantasia, e incluiu autores notáveis, como Kim Stanley Robindo, Marilyn Hacker, Mercedes Lackey e Vonda N. McIntyre, ganhou visibilidade e ira nacional nos EUA.

Não é que ela tenha sido contra a ideia de uma biblioteca virtual pública infinita – bem o oposto – ela só queria que o projeto crescesse direito, com interesse público. Seus livros são dominados por temas de adversidade e moralidade, de decisões certas feitas frente a formidáveis escuridões incertas. Isso não foi diferente.

Eu a entrevistei em 2010, enquanto seu protesto contra o Google ainda estava bombando. Nós falamos sobre a vida de um livro e o que acontece com uma peça da literatura depois que seu autor se vai, uma questão inseparável da tarefa de preservar e subir livros em nuvens. Sobre o que ela gostaria que acontece com os livros dela depois que ela se for, ela disse:

"Eu quero que eles estejam disponíveis, eu quero edições baratas em papel deles, eu quero que eles continuem tendo downloads em quarenta línguas diferentes, eu quero que eles sejam lidos, quero que eles sejam debatidos, eu quero que as pessoas chorem por eles, eu quero dissertações ilegíveis escritas sobre eles, eu quero que as pessoas se zanguem com eles, eu quero que as pessoas os amem."

Nenhum problema nisso.

Tradução: Letícia Naísa