​A Arte de Fotografar Dentro dos Games

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Tecnologia

​A Arte de Fotografar Dentro dos Games

Conheça as obras de quatro renomados "shotters": os jogadores que passam horas nos games em busca de boas fotografias.

Ataques de morteiro caem atrás do batalhão; uma poeira esbranquiçada sobrevoa nossas cabeças. O helicóptero que dava cobertura agora é um casco chamuscado à frente. Somos a última linha de defesa do checkpoint. O avanço inimigo é implacável. Não há trégua.

Pouca munição nos mantém cautelosos. Mas ei, espere, uma pessoa do esquadrão está mais exposto do que deveria. É um atirador diferente, um documentarista. Um fotógrafo de games; nosso Robert Capa virtual. Um screenshotter.

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Screenshotting é o nome da atividade de documentar um momento dentro de um espaço virtual. Os jogadores fazem uma foto e, em geral depois de uma passada no Photoshop, sobem a mídia para um blog dedicado. Alguns desses screenshotters são motivados pela beleza do game e prestam tributo ao talento de seus desenvolvedores e designers. Outros entusiastas exploram temáticas específicas ou artísticas, mais reflexivas.

Os screenshotters interagem com os games de forma semelhante a como os artistas do passado percebiam o mundo real. A professora e teórica americana Janet Murray, em seu livro Hamlet no HolodeckO futuro da narrativa no ciberespaço, explica que "a experiência de ser transportado(a) para um local simulado de forma elaborada é prazerosa por si só, independente do conteúdo da fantasia. Chamamos esta experiência de imersão… A sensação de estar cercado(a) por uma realidade completamente alheia."

Em momentos de imersão total, pensamos mesmo que os cenários de Skyrim são lindos. Criamos laços reais com personagens não-jogáveis e companheiros de jornada. Vários sentem até uma estranha empatia pela galera que bebe de boa debaixo da ponte em Grand Theft Auto. Basta conferir os arquivos do GTAMedia, um fórum em que correspondentes virtuais de guerras urbanas documentam roubos de carros, tiroteios e todo tipo de criminalidade do jogo.

"Em vez de perder ou ganhar, se encontrar ou se perder, tais atos de meta-exploração são libertadores e enriquecem nossa experiência com os sistemas e a realidade", escreveu o screenshotter Eron Rauch em recente ensaio sobre o tema.

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Escolhemos alguns dos melhores exemplos de fotografia in-game e demos espaço para que screenshotters falem sobre sua subcultura emergente com suas próprias palavras.

1. Duncan Harris

O jornalista de games Duncan Harris talvez seja o mais célebre screenshotter. Seu blog Dead End Thrills conta com uma série estonteante de momentos de games capturados por programadores e designers altamente talentosos.

Meu perfil no Steam lista 114 horas de jogo em Alien, 80 das quais envolviam hackeá-lo antes de tirar qualquer foto. Sinto que ainda não exauri as possibilidades deste game incrível. Esta imagem em especial envolveu congelar a inteligência artificial da criatura e sua animação antes de movê-la para diversos cômodos de distância, o que por si só levou muitas horas de jogo até encontrar a pose certa. [Alien: Isolation]

Penso que (quase) todo personagem de game tem uma alma, mesmo que o desenvolvedor não perceba isso. Encontrar a química perfeita entre luz, pose, expressão e anatomia é algo especialmente divertido de se fazer em um game como Skyrim em que os resultados são tão únicos. [Elder Scrolls V: Skyrim]

A CCP me permite usar seu pacote de ferramentas Jessica para construir diversas cenas do zero usando seu engine e recursos, camadas, escalas e manipulando efeitos para fins puramente artísticos. As ferramentas são extremamente voláteis, mas os resultados falam por si sós. [EVE Online]

Hackeei os valores de pós-processamento do engine Unreal há uns meses, o que foi BEM útil para criar imagens mais dramáticas. Adoro trabalhar com retratos e fazer fotos estilo "pôster cinematográfico" em qualquer gamepor mais que a capa em baixa resolução do Batman tenha sido um desafio a ser superado alterando a profundidade de campo, o que coincidentemente melhorou a foto. [Batman: Arkham City]

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Tinha jogado Dragon Age à exaustão, mas prezando mais por vasculhar os cenários, e eu gosto da caça por fotos de combate. Podia passar horas esperando aquele 'momento'. É o caso desta foto que mudei posição de cada personagem na tela. [Dragon Age: Origins]

2. Eron Rauch

Eron Rauch é um artista de Los Angeles cujo principal projeto de screenshots, A Land To Die In, foi exibido em uma parede inteira de uma exibição de arte pop-up e também virtualmente em um mural no museu Second Life do Williams College.

Esta imagem é composta de diversos screenshots de cada cadáver de jogador que encontrei enquanto subia o nível do meu personagem em World of Warcraft. [World of Warcraft]

Todo o meu trabalho com videogames tem a ver com fornecer novas formas de se explorar esses ambientes e esses inevitáveis corpos eram um lembrete constante das massas de outras pessoas e suas histórias que também participam disso; alguns que triunfaram, outros que caíram, um milhão de Beowulfs virtuais. [World of Warcraft]

Esta imagem faz parte do capítulo "Travels" do meu projeto de World of Warcraft; foi processada com uso de um laser leitor de filmes e impresso com um processo tradicional de gelatina de prata para que ficasse com aspecto de uma câmera de 1800. Os impressos ganharam molduras douradas e foram exibidos com luzes de lamparinas em meio a um bosque pela noite. [World of Warcraft]

Ocasionalmente o engine gráfico travava enquanto jogava/fotografa e logo fui fascinado por como estes momentos de falha tornavam visíveis as regras comumente escondidas que governam aquele mundo. Aqui o ar deixou de ser transparente, tornando-se uma série de ondas geométricas cintilantes. Impresso em tamanhos muitas vezes maiores que a tela, essas formas começam a ganhar a aparência de arte abstrata clássica. [World of Warcraft]

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3. Karl Smith

As incursões fotográficas de Karl Smith pela Los Santos e Blaine County em GTA V são marcadas por um jogo de iluminação virtual e as IAs que ali vivem. Seu trabalho é apresentado em seu blog Illsnapmatix.

Encontrar beleza na simetria em games é raridade, já que sistemas óbvios, repetição e estruturas gráficas muitas vezes nos distraem do realismo de um jogo. O diabo está nos detalhes. [GTA V]

O personagem nem me percebe enquanto o observo passar, mas estaria Los Santos me observando? [GTA V]

Solidão, escuridão, abandono, desesperoconstrutos dentro de um game. Projetamos nossa compreensão do mundo na tela. Em que momento é normal que estes sentimentos se tornem reais? [GTA V]

De quem é esse barco? Tem uma história aqui. Um sonho perdido, encalhado no deserto. O sol se põe novamente. [GTA V]

4. Leonardo Sang

Leonardo Sang deu início a seu blog VRP em 2011. Ele é um designer gráfico e fotógrafo que leva o que sabe de fotografia no mundo real de encontro à sua paixão por games.

Esta é uma foto que combinou algumas de minhas escolhas de composição pessoais. A perspectiva de um só ponto, os gráficos compostos por luz e sombra e gosto muito de corredores e vielas. Além disso, tem esse sentimento mediterrâneo, um pequeno mercado de tapeçaria. Um lugar que vale a visita! [Dying Light]

GTA V é o mais próximo do que faço quando tiro fotos na "vida real". Só saio andando e registro o que achar legal. Postos de gasolina à noite são demais, um de meus temas favoritos. [GTA V]

Isso aqui é do comecinho do Project CARS. É um projeto paralelo dentro do VRP (se é que isso faz sentido) chamado "backseats in videogames" [bancos traseiros em games]. É um lance meio "finja estar no banco traseiro de um carro em uma viagem pela estrada" e eu curto essa, tem um clima e luz bacanas, e também por detalhes como o de que este carro (BMW M3 GT4) não tem bancos de trás por motivos de carro de corrida e, como se tratava de um alfa bem no comecinho, o jogo não mostrava a "cabeça do motorista". Foi bem massa para a composição. [Project CARS]

Tradução: Thiago "Índio" Silva