Foto por Rachit Tank no Unsplash.
Desde que me lembro de ser eu, que a minha forma preferida de comunicar é através da escrita. Escrever dá-me tempo para repensar as ideias e a escolha de palavras. E estruturar a construção frásica organiza-me os pensamentos, ajuda-me a conseguir dizer o quero, tal e qual como quero.Já em pequena, recorria à escrita de bilhetinhos e cartas aos meus pais sempre que precisava de falar com eles sobre alguma coisa séria – se o fizesse cara-a-cara acabava, inevitavelmente, a chorar, porque sou assim mesmo de sensível. Com amigos e namorados também nunca me importei de ter conversas importantes por mensagens porque, para mim, isso não implicava ser mais descuidada; aliás, exactamente o oposto: dedico mais tempo ao que estou a dizer e a ler, enquanto no frente-a-frente as palavras me voam da boca e aterram de rompante nos ouvidos do outro de onde, às vezes, nunca mais saem.
Isto, claro, era antes do WhatsApp. Não falo dos primórdios da sua aparição, mas desde que a aplicação sequestrou toda a nossa comunicação. Porque, agora, já não se usa o iMessage e o que seria mandares uma mensagem verde. Já não se liga a quase ninguém e, se ligares, é porque aquilo de que queres falar é demasiado confuso para ser contado por mensagem de voz.Porque claro, o que não escreves, dizes. O que não sabes como dizer, mostras – por vídeos, fotografias, gifs, emojis e até stickers. E mandas tudo isto para todos os teus amigos de uma só vez, esses que se dividem entre os três míseros grupos de WhatsApp nos quais falas diariamente. Esta é a comunicação de hoje. Comunica-se em massa e de um só clique.No primeiro date a que consegui ir, depois de me foderem o coração, mandei uma mensagem de voz de um minuto e meio a contar as partes mais importantes para um desses grupos, de 10 pessoas, que tenho com as minhas amigas de toda a vida. Elas estavam a torcer por mim, desejosas que eu ultrapassasse o meu desgosto amoroso e, portanto, queria contar-lhes, a todas, como tinha corrido.E foi assim que, o que naquela altura foi um pequeno passo para a humanidade mas um grande passo para mim, ficou reduzido a uma mensagem de voz de um minuto e meio. Claro que era só um date, não era um casamento, não era sequer uma relação; foram duas horas e dois copos de vinho, mas, antes desta era tão impessoal, o tema daria conversa para um telefonema de uma hora, com uma ou duas amigas.Por isso, sim, todas elas ficaram a saber a minha “novidade” numa questão de segundos, mas isso tornou-a muito menos relevante. Acima de tudo, roubou-me o prazer de fofocar, rir, inventar cenários, contar os pormenores mais escabrosos e reviver a situação ao contá-la a uma amiga. Roubou, à nossa relação de amizade, tempo de conversa, de intimidade e de troca de impressões.Comunicar assim, num formato em que o timing conta mais que o conteúdo e reduzimos temas inteiros a três linhas, dá azo a várias falhas de interpretação e mal-entendidos. Os meus amigos não me percebem, nem eu a eles - talvez não estejamos sequer a ler-nos com atenção. Comunicar assim leva-me, muitas vezes, a bloquear o telemóvel e não voltar a olhar, por precisar de uma pausa para apreciar o mundo presencial em que a comunicação corre bem e faz sentido.Também faz com que tenhamos conversas menos significativas uns com os outros, porque estou a mandar mensagens para o grupo enquanto espero pelo autocarro, para matar o tempo, a dizer coisas que não foram necessariamente pensadas a fundo. E, claro, rouba-nos a intimidade, porque não estamos a investir tempo para conversar com apenas uma ou duas pessoas, mas com 10 de cada vez. E tudo isto é cansativo. Cansamo-nos de que não percebam o que queríamos dizer e cansamo-nos de tentar perceber o que dizem as 200 notificações que não param de saltar até que, eventualmente, relativizamos todas as conversas que tivemos e regressamos ao dia que corre lá fora porque, afinal de contas, não passam de conversas de WhatsApp. Não é a vida real.Só que é. Na vida real, vemos mais vezes os nossos amigos através de um ecrã do que em carne e osso. Reduzimos os nossos amigos a notificações, as nossas palavras a abreviaturas, as nossas histórias a curtas mensagens de voz, as nossas reacções a gifs. Na vida real, cada vez falamos menos uns com os outros e cada vez nos comunicamos pior. Na vida real, as conversas mano-a-mano estão a ser substituídas por mensagens de grupo no WhatsApp. E, será também na vida real, que vai chegar o dia no qual te apercebes que já se passaram meses desde que tiveste uma conversa longa, significativa e única com um amigo.
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Isto, claro, era antes do WhatsApp. Não falo dos primórdios da sua aparição, mas desde que a aplicação sequestrou toda a nossa comunicação. Porque, agora, já não se usa o iMessage e o que seria mandares uma mensagem verde. Já não se liga a quase ninguém e, se ligares, é porque aquilo de que queres falar é demasiado confuso para ser contado por mensagem de voz.Porque claro, o que não escreves, dizes. O que não sabes como dizer, mostras – por vídeos, fotografias, gifs, emojis e até stickers. E mandas tudo isto para todos os teus amigos de uma só vez, esses que se dividem entre os três míseros grupos de WhatsApp nos quais falas diariamente. Esta é a comunicação de hoje. Comunica-se em massa e de um só clique.No primeiro date a que consegui ir, depois de me foderem o coração, mandei uma mensagem de voz de um minuto e meio a contar as partes mais importantes para um desses grupos, de 10 pessoas, que tenho com as minhas amigas de toda a vida. Elas estavam a torcer por mim, desejosas que eu ultrapassasse o meu desgosto amoroso e, portanto, queria contar-lhes, a todas, como tinha corrido.E foi assim que, o que naquela altura foi um pequeno passo para a humanidade mas um grande passo para mim, ficou reduzido a uma mensagem de voz de um minuto e meio. Claro que era só um date, não era um casamento, não era sequer uma relação; foram duas horas e dois copos de vinho, mas, antes desta era tão impessoal, o tema daria conversa para um telefonema de uma hora, com uma ou duas amigas.
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Para além disso, como boa millennial que sou, vivo fora há um ano. As redes sociais são o que me mantém em contacto com o que se passa no quotidiano dos meus amigos em terras lusitanas. Vou-me mantendo a par através dos grupos de WhatsApp e, claro, das stories do Instagram. Mas, dada a eterna maldição da imediatez da Internet, stories essas que vejo sem abrandar o dedo, num constante “toca para passar”, sem chegar ao fim nem prestar muita atenção. Grupos esses, em que se acumulam notificações e que, portanto, acabo por ler na diagonal.E é isto que sei dos meus amigos de toda a vida – o que leio por alto num grupo de 10 macacos e o que vejo - muito rápido, porque a vida é curta e a Internet infinita - numa story. E não foi só a minha atenção ao que me é comunicado que mudou, mas também a forma como eu própria comunico. Deixei de investir tempo nisso. Perco "demasiado" tempo em livros, séries, filmes e perco demasiado tempo em redes sociais – fora toda a vida real, o não-entretenimento - que, no Whatsapp, até em debates sobre temas que me interessam ou conversas que me apetecem ter, escrevo o mais rápido possível (num grupo, se te distrais, já falaram mais sete pessoas e a tua piada já perdeu o contexto) e sem pensar muito no que estou a dizer. Afinal, "é só uma conversa de WhatsApp".
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