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Bradley Manning Foi Condenado Por Espionagem e Fomos Protestar na Casa Branca

Manning disse para a corte que esperava desencadear um debate público com o compartilhamento dos arquivos. Não tenho certeza se 200 manifestantes na frente da Casa Branca era o que ele tinha em mente, mas, sem dúvida, isso fez as pessoas pensarem.

A melhor festa do verão aconteceu terça-feira à noite no bairro de Dupont Circle, Washington, com apenas 24 horas de planejamento. Os participantes totalizavam umas 200 pessoas e alguém levou um sistema de som foda, que depois foi parar na frente da Casa Branca, pedindo ao presidente para conceder o perdão ao soldado de primeira classe Bradley Manning.

Assim, o negócio não foi anunciado como uma festa propriamente dita, mas como um comício — um rendez-vous político de última hora — organizado na noite anterior ao tão aguardado veredito do caso Manning. E, apesar de as coisas não terem ido tão bem diante do juiz, as notícias não eram de todo ruim. Como você provavelmente já deve estar sabendo agora, Manning foi inocentado de “ajudar o inimigo”, mas condenado por violar a Lei de Espionagem e pode ter que encarar 136 anos de cadeia.

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Com 25 anos e três indicações ao Prêmio Nobel, o soldado Manning conseguiu atrair bastante atenção nos três anos desde sua prisão e acusação por ter vazado arquivos secretos para o site WikiLeaks. Apoiadores do soldado, e o próprio Manning, disseram que esses documentos expuseram atrocidades e iniciaram discussões em todo o mundo sobre as ações dos Estados Unidos no Oriente Médio. Alguns até acreditam que essas revelações levaram ao fim da Guerra do Iraque. E, embora ele não tenha se tornado um nome tão famoso, é provável que o maior dia de Manning até agora tenha ocorrido na terça, quando todos os olhos caíram sobre o tribunal de Fort Meade, Maryland, onde uma juíza decidiria se o soldado deveria ser condenado por “ajudar o inimigo” e 21 outras acusações, incluindo crimes computacionais e espionagem.

Se alguma coisa relacionada ao caso foi celebrada, talvez tenha sido porque a Coronel Denise Lind, juíza que presidiu o julgamento militar de Manning, absolveu o soldado de ajudar o inimigo e, por sua vez, refutou a acusação do governo de que ele havia ajudado indiretamente a al-Qaeda quando mandou milhares de arquivos ao WikiLeaks, depois de seu primeiro turno no exterior em 2009. Se Lind tivesse decidido de forma diferente, a condenação por si já resultaria numa pena de prisão perpétua para Manning. Agora, poupado de ser considerado culpado pela mais séria das acusações, o soldado enfrenta somente a pena máxima de 136 anos atrás das grades.

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Se isso ajuda em alguma coisa, Lind já disse que vai tirar 112 dias da sentença dada para compensar pelos muitos meses que Manning ficou preso em isolamento depois de sua captura inicial (e, desde então, ela já subiu essa conta para 1.274 dias da sentença final). Por padrão, a sentença irá para a Corte de Apelação Criminal do Exército, mas um amigo de Lind disse ao Washington Post no mês passado que a pessoa responsável por essa decisão foi apontada cedo demais — uma promoção dessas deve ser ordenada pelo próprio Presidente e aprovada pelo Senado.

O presidente Obama, que fez uma campanha baseada na transparência e na proteção à denúncia, foi pego dizendo que Manning tinha “violado a lei” anos antes de o veredito de Lind. Desde então, ele processou mais denunciantes sob a Lei da Espionagem da Primeira Guerra Mundial do que todos os outros presidentes juntos. E, no começo desta semana, sua administração teve que enviar uma carta para a Rússia prometendo não torturar ou matar Edward Snowden, o homem que vazou informações sobre a NSA, se ele algum dia for extraditado para os Estados Unidos para ser julgado por espionagem.

Manning já havia sido torturado quando esteve em isolamento e, depois do veredito de terça, ele será oficialmente — aos olhos da justiça norte-americana — um espião de boa-fé. Por compartilhar arquivos confidenciais com um site não confidencial, Manning recebeu seis condenações sob a Leia da Espionagem, uma pela Lei de Fraude Computacional e Abuso e outras múltiplas por roubar do governo.

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Manning disse para a corte, no começo deste ano, que esperava desencadear um debate público com o compartilhamento dos arquivos. Não tenho certeza se 200 manifestantes na frente da Casa Branca era o que ele tinha em mente, mas, sem dúvida, isso fez as pessoas pensarem. Mesmo que fossem só uns 30 turistas tirando fotos com seus iPads às 10h da manhã da terça, isso é ainda uma discussão muito além do que o soldado vai ter quando sentar em sua cela na cadeia, pagando por deixar que a roupa suja do Estado norte-americano fosse publicada na internet.

Ali na Dupont, uma hora antes, a emoção coletiva compartilhada não lembrava exatamente alegria. E, enquanto a celebração da absolvição se combinava à raiva apaixonada dirigida à administração Obama por igualar os feitos de Manning à espionagem, um catalizador, na forma do filme snuff vazado pelo soldado, gerou o evento mais lindo que experimentei nesse verão na cidade.

Antes de marcharmos para a Casa Branca, o filme que o WikiLeaks chamou de “Assassinato Colateral” em 2010 foi exibido para a multidão. A infame filmagem do helicóptero Apache mostra os soldados norte-americanos atirando e matando civis e jornalistas em Nova Bagdá, em 2007. Manning receberá, no mínimo, dois anos por ter compartilhado esse vídeo com o mundo. Desde 2010, ele foi assistido milhões de vezes no YouTube e agora, aparentemente, está sendo exibido para estranhos nos parques da cidade. E, no caso de você não ter experimentado esse tipo de coisa ainda, não há nada parecido com se estar no coração de uma grande cidade, cercado de outras pessoas, enquanto um filme mostra soldados do seu próprio país abrindo fogo contra pessoas inocentes. Se isso soa sádico, recomendo que você assista a esse vídeo sob circunstâncias similares e tente dizer que não é uma experiência relevante.

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David Coombs, o advogado de Manning, mostrou trechos do filme cerca de três vezes durante a corte marcial de seu cliente. E, mesmo que um punhado das pessoas ali presentes conhecesse de cor o diálogo da equipe do Apache, há algo sinistro em assistir a um crime de guerra ser cometido — e projetado num parque, na mesma rua da casa do presidente — que cria uma emoção indescritível, que só posso tentar chamar de celebração, porque evoca uma raiva que, aparentemente, não pode ser acalmada.

No momento em que a multidão desceu até a Avenida Pennsylvania número 1.600, naquela noite de terça-feira, uma marionete de papelão de 3 metros de Manning tinha se infiltrado na congregação e sido colocada perto de uma Lady Liberdade de mentira, enquanto os manifestantes faziam um silêncio mortal diante da casa do presidente com cartazes negros e luzes azuis onde se lia “Free Bradley”. Depois de alguns metros de caminhada com a marcha, perdi meu amigo Bill, um simpatizante septuagenário de Manning que esteve em Fort Meade mais de 20 vezes para ouvir os depoimentos. Para cada cara de 75 anos com um cartaz também havia um moleque de aparelho nos dentes com a máscara do Guy Fawkes gritando “Liberdade para Bradley Manning”, uma saudação ao que Manning tem feito — e não como um inimigo dos Estados Unidos.

É provável que Manning esteja muito perto da morte quando for libertado da prisão, mas seus simpatizantes colocaram isso de lado na terça à noite e, mesmo que o veredito esteja proclamado, eles seguiram em frente. O que vem agora é a fase de sentença, então, provavelmente, uma série de apelações. No entanto, enquanto o soldado Manning estiver do outro lado das grades, ativistas o chamarão de prisioneiro político — outro ícone acidental representando um Estado opressor.

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Mesmo ausente, Manning foi o coração da festa. Ele uniu as pessoas do mundo todo ao fazer essas divulgações e seu processo colocou a democracia e o jornalismo modernos no lado defensivo de uma batalha deprimente. Mas, como a desgraça não vem sozinha, uma legião de apoiadores de todo mundo focaram em sua luta. Outros podem fazer o mesmo em breve — o que é uma ótima notícia, já que a liberdade de imprensa depende disso.

“A acusação de 'ajudar o inimigo' caiu”, escreveu o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, depois do veredito. “Parece que isso só foi incluído para que chamar jornalismo de 'espionagem' seja algo aceitável. Não é.”

Assange chamou a decisão de Lind de “a primeira condenação por espionagem de um denunciante”, e “um precedente perigoso e um exemplo de extremismo em segurança nacional”.

Se isso não parece um bom motivo para juntar 200 estranhos para fazer algum barulho, eu, com certeza, não sei o que é uma festa.

Andrew Blake é um produtor do RT. Siga o cara no Twitter: @apblake