Por que Gana criou um programa espacial?
Julian Bennett, diretor de ciência espacial da ANUC, inspeciona o recém-instalado instrumento de medição climática da NASA. Crédito: Iain Sutherland

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Tecnologia

Por que Gana criou um programa espacial?

Não se trata de lançar foguetes e explorar galáxias distantes. É mais sobre educação e independência política.

Feirantes, vendedores e banquinhas de frutas se aglomeram entre táxis, pedestres e ônibus. O animado centro da cidade de Koforidua, o centro comercial de Gana, é uma típica paisagem do país africano: pouco industrializada, cheia de ambulantes e rodeada de exuberantes montanhas verdes.

Perto dali, no terraço do All Nations University College (ANUC), há uma iniciativa de alta tecnologia que contrasta bastante com o cenário rústico do comércio local. Por lá, integrantes do primeiro laboratório de ciência especial universitário de Gana estão instalando, com a ajuda de um engenheiro da NASA, diversos instrumentos meteorológicos. O projeto dará à universidade leituras detalhadas do clima de Koforidua e alimentará o banco de dados climático global da NASA nos EUA.

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É a mais recente conquista da universidade. Junto ao governo e a uma série de outras instituições, a faculdade lidera o crescente setor da ciência espacial de Gana. Por mais que muitas vezes seja recebida com ceticismo e críticas quanto aos gastos, a jornada espacial no país – e em outros locais da África – tem decolado com sucesso.

Os envolvidos acreditam que os benefícios serão sentidos por toda a sociedade; satélites espaciais ajudarão a transformar da agricultura à repressão da mineração ilegal e, ao mesmo tempo, promoverão a educação. A ideia é encorajar uma nova geração de engenheiros e acadêmicos no país.

"A ciência especial pode beneficiar Gana como um todo", afirmou Julian Bennett, diretor de ciência espacial da universidade. "É uma oportunidade para nós em Gana, mas não é fácil fazer essas coisas aqui sem as instalações necessárias."

Estudantes da ANUC trabalhando no CanSat antes de seu lançamento em 2013. Crédito: AP/Christian Thompson

A ANUC deu seus primeiros passos no setor em 2013 ao lançar um CanSat, dispositivo básico do tamanho de uma lata com antenas e uma câmera que fica afixada a um balão de hélio e manda imagens de volta para a Terra.

Desde então, a universidade inaugurou uma estação terrena amadora para estudar satélites em órbita, fez contato com a Estação Espacial Internacional, instalou antenas UHF e VHF e tem planos para lançar um CubeSat em 2018.

"As pessoas têm essa noção de que ciência espacial é lançar um foguete ou observar galáxias distantes, mas na verdade tem muito mais a ver com a Terra", comentou o engenheiro de instrumentos da Nasa Jon Rodriguez.

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"A fronteira da ciência é ilimitada."

No último andar, entre salas de aula e laboratórios de engenharia, o epicentro da iniciativa espacial da ANUC se apresenta na forma de uma discreta salinha. Vários monitores compõem a estação de um lado. Do outro, chamam a atenção um protótipo do CubeSat e um quadro branco cheio de anotações.

"Lembro do primeiro dia em que ouvimos uma voz", disse Bennett. "Estávamos aqui uma noite monitorando satélites. Aí ligamos os aparelhos e ouvimos uma voz. Não é comum ouvir um sinal de rádio ao vivo em nossa região. Ficamos muito felizes, pulando pra cima e pra baixo."

Toda a empolgação em torno da ciência espacial foi impulsionada pelo governo de Gana, que, em 2011, criou o Ghana Space Science and Technology Institute (GSSTI). O país trilhou o mesmo caminho que várias outras nações africanas na promoção da ciência espacial para ajudar a lidar com problemas em terra e da região.

Prédio do campus na ANUC em Koforidua que abriga o projeto especial da universidade. Crédito: Iain Sutherland

Ao me aproximar dos portões vigiado da Comissão de Energia Atômica de Gana em Accra, entro e passo pela extensa entrada e um abespinhado de prédios de concreto impossíveis de se ver da estrada

Pessoas com jalecos e trajes brancos andam pelos gramados bem cuidados enquanto um pessoal da GSSTI me acompanha pelo complexo. Aqui ocorre o desenvolvimento do projeto do governo. A conversão de uma antena de 32 metros em telescópio como parte de seu projeto de rádio astronomia é terreno proibido. A GSSTI afirma que completará tudo até junho.

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Além do telescópio e centro astronômico em colaboração com o governo sul-africano, a GSSTI tem planos de lançar seu primeiro satélite em 2020. O governo alocou 10 milhões de dólares para tecnologia nuclear e espacial em 2015 de forma a ampliar a educação em ciência espacial e se beneficiar de suas imagens por satélite.

A uma curta distância de carro da Comissão de Energia Atômica de Gana fica a pós-graduação da Universidade de Gana, onde boa parte da equipe da GSSTI está localizada, incluindo Eric Aggrey, gerente de projetos do instituto.

"As pessoas sempre encaram a ciência espacial como enviar o homem à Lua", explicou. "Me importo muito com o desenvolvimento humano… Na maior parte do tempo nossas aulas acabam no quadro negro e agora podemos ter pessoas botando suas habilidades em prática. Isso nos ajudará muito."

Antena recém-instalada no departamento de ciência espacial da All Nations University College (ANUC) em Korofidua, Gana. Crédito: Iain Sutherland

O governo conta com 20 funcionáios em seu instituto. A iniciativa da ANUC atualmente emprega seis pessoas. A universidade tem aspirações iniciar cursos acadêmicos em astronomia e ciência espacial. Programas de extensão em educação no espaço também estão sendo realizados em escolas primárias por todo o país.

Mas o benefício do nascente programa espacial de Gana não está só na educação – o que já seria louvável. Há também um aspecto político. No momento, o país depende de imagens de satélite de empresas estrangeiras. Ao ter seus próprios equipamentos, os ganeses ficarão independentes para captar dados e produzir conhecimento.

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"Se deus quiser, conseguiremos lançar nosso próprio satélite. No decorrer dos próximos anos poderemos definir claramente nossas necessidades e criar um satélite para atendê-las", disse Aggrey.

"Se tivermos nosso próprio satélite regional, teremos uma agenda comum para tratar de agricultura, degradação ambiental, tempestades… Então podemos resolver problemas locais", declarou Godfred Frempong, cientista-chefe do Instituto de Pesquisa em Práticas de Ciência e Tecnologia (STEPRI).

"Em Gana, por exemplo, a mineração ilegal tem destruído nosso país", comentou Frempong. "Com um satélite em órbita podemos determinar onde se dá essa atividade. Talvez isso não interesse aos EUA, mas pra gente, sim."

A extração ilegal de ouro é um gigantesco problema no país do oeste africano, com centenas de minas improvisadas espalhadas pelo país. Por mais que o governo tenha uma força-tarefa dedicada, a ideia de se ter um satélite criado para monitorar tudo pode se tornar uma ferramenta significativa no combate.

Agrrey, da GSSTI, afirma que as imagens geradas por satélite e dados climáticos podem ajudar no gerenciamento de desastres naturais. Ele crê que tais ferramentas poderiam prevenir tragédias como a ocorrida em junho deste ano, quando pelo menos 25 pessoas foram mortas em enchentes pela capital de Accra.

Dados climatológicos também podem ter impacto na agricultura, e a Universidade de Recursos Naturais e Energia na região central de Gana é outra instituição que busca se beneficiar do espaço a fim de oferecer soluções aos muitos agricultores do país. A universidade deu ínicio ao projeto de ciência espacial em 2012 com uma estação terrena para coleta de dados meteorológicos. Seu satélite inaugural deve ser lançado em 2016.

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"O satélite será usado para melhorar a previsão do clima", explicou Amos Kabo-Bah, diretor do Centro de Observação de Inovação da Terra, parte da UENR. "Na África a previsão é um problema sério porque as fontes não são muito boas. Contribuíremos com a melhoria da previsão do tempo, apoiando os fazendeiros e a agricultura."

Com quase metade da população empregada na agricultura, melhorar dados climatológicos para melhor atender à comunidade pode ter amplos benefícios.

"Podemos mostrar onde tem e não tem água, o tipo de cultura, onde certas culturas crescem bem e é possível até detectar a poluição nos rios", comentou Aggrey. "Podemos projetar um satélite especificamente para Gana".

A estação terrena na UENR em Sunyani, Gana. Crédito: UENR

O centro, financiado por meio de investimentos centrais ao custo de 390.000 dólares, juntou se aos serviços de gerenciamento de catástrofes, florestas e bombeiros para obter dados de satélites.

"Nossa intenção é desenvolver os dados que recebemos no que chamamos de índices de incêndios", afirmou Kabo-Bah. "Queremos poder saber como ocorrem incêndios no oeste africano e devemos ser capazes de prevê-los e enviar informações às agências que precisam destas informações por meio de dispositivos móveis".

Ainda, um dos maiores desafios da indústria espacial de Gana segue ao lidar com as críticas que é irresponsabilidade gastar dinheiro do governo em iniciativas espaciais em um país que mesmo em meio a grande desenvolvimento urbano sofre com 20% da população abaixo da linha de pobreza, crises elétricas e corrupção galopante.

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"Um dos grandes obstáculos é fazer com que o cidadão médio de Gana se empolgue com o que estamos fazendo", explicou Bennett.

"Estamos em um lugar do mundo em que é difícil conseguir dinheiro para comida e roupas", comentou Bennett. "Então por que gastar tanto se esse dinheiro poderia ser usado para alimentar pessoas em vez de fazer satélites que batem fotos? Não acho que tenham compreendido os benefícios ainda".

A vizinha Nigéria já se beneficia de seus próprios satélites. Sua Agência de Pesquisa e Desenvolvimento Espacial lançou o NigeriaSat-1 em 2003 e agora opera diversos satélites, com dados usados para monitorar atividade petroleira no Delta do Níger, dentre outras aplicações.

E outros países no continente seguem o exemplo. A Etiópia revelou um observatório espacial no valor de 3 milhões de dólares em junho, o Quênia deu início ao seu programa especial em 2012, e Angola está construindo um satélite em parceria com um consórcio russo.

Fica no ar a questão de até onde a indústria espacial em Gana irá, mas o futuro parece promissor ao passo em que seu grupo de pioneiros segue desenvolvendo os empreendimentos improváveis do país rumo à ciência espacial.

"Não é que possamos competir com a NASA, mas construiremos a infraestrutura para ter acesso ao conhecimento aqui em Gana", Frempong, diretor da STEPRI, concluiu. "A fronteira da ciência é ilimitada".

Tradução: Thiago "Índio" Silva