Os Olhos do Counter-Strike
O observador de Counter-Strike Halvor Gulestøl trabalhando na ESL Pro League de 2015. Créditos: ESL / Helena Kristiansson.

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Os Olhos do Counter-Strike

Nos campeonatos de Counter-Strike, o mais importante é o operador das câmeras.

É provável que, mesmo você sendo fã de campeonatos de videogame, nunca tenha ouvido falar de Halvor Gulestøl. A atuação dele ocorre atrás das câmeras. Em um campeonato de Counter-Strike: Global Offensive no meio de abril, em Katowice, Polônia, mais de um milhão de espectadores dependiam de cada escolha sua. Ele controlava qual trecho da partida era transmitido no telão, alternando entre perspectivas e ângulos ao vivo. Quase como um diretor virtual.

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"Acho que é um trabalho subestimado em termos do tempo que toma", Gulestøl me contou. "Quando você está controlando a câmera de um jogo, precisa acompanhar 10 jogadores diferentes fazendo 10 coisas diferentes por até 14 horas por dia. Não há muitos intervalos; o mais longo dura cinco minutos, por aí."

A essa altura você já deve estar familiarizado com a imagem de uma arena gigante repleta de fãs torcendo, aos urros e aplausos, por atletas profissionais de esportes eletrônicos. O foco desses grandes eventos são jogos mutiplayer online em arenas de batalha (conhecidos como MOBA), como Dota 2 e League of Legends. Em todos os MOBAs os jogadores e espectadores acompanham o game pela perspectiva aérea.

As audiências dos jogos ao vivo não dão muita bola para Counter-Strike, embora seja o jogo de tiro em primeira pessoa mais popular entre esportes eletrônicos — e uma grande causa disso, vale dizer, é a câmera.

Para entender melhor, pense em futebol americano. Se você não cresceu assistindo, o jogo é difícil de compreender. Com uma perspectiva olho-no-céu sobre o campo inteiro, porém, pelo menos dá para ter uma ideia do que está acontecendo. Os caras de azul estão tentando passar com a bola pelos de vermelho e você consegue discernir se estão fazendo bom trabalho só pela posição deles. MOBAs e jogos de estratégia em tempo real, como StarCraft II, também se beneficiam dessa perspectiva aérea.

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Agora imagine se você estivesse assistindo a um jogo de futebol americano de uma perspectiva em primeira pessoa, acompanhando um jogador por vez. Não dá para ver o campo inteiro, e a câmera não para de trocar de jogador entre ambos os times. Você logo perde o fio da meada e não entende mais quem está onde e por quê.

"As pessoas acham que fãs de esportes são idiotas, mas futebol americano é difícil de entender e acompanhar, requer um nível avançado", me disse Frank Lantz, diretor do Game Center da NYU e fã de esportes eletrônicos. "Mas é mais fácil que assistir a StarCraft, e StarCraft é mais fácil de acompanhar do que League of Legends, e League of Legends mais fácil que Counter-Strike."

Jogos de tiro em primeira pessoa demoraram para dar as caras na febre de esportes eletrônicos. Mesmo com a máquina de marketing hoje em seu devido lugar, jogos como Counter-Strike estão bem atrás de outros gêneros. O motivo? São mais difíceis de transmitir, simples assim.

"Os MOBAs são bem mais lentos", diz o comentarista profissional de esportes eletrônicos Leigh 'Deman' Smith. Em Counter-Strike, por outro lado, a equipe que está tentando plantar uma bomba no local pode acelerar o objetivo e chegar lá em 15 segundos. "Fica a cargo da expertise do câmera saber quem será o primeiro cara a entrar em cena. A parte mais difícil, para nós e para o espectador, é reconhecer onde todos estão no mapa e o que está acontecendo naquele instante."

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Organizadores de eventos de esportes eletrônicos tentaram outras soluções antes de concluir que observadores profissionais são a melhor opção. A desenvolvedora de Counter-Strike, a Valve, tem uma robô de IA como autodiretor, projetado para apresentar a partida da melhor maneira possível. Ele não chega aos pés das habilidades de Gulestøl, porém.

Assim como todos os observadores profissionais de Counter-Strike, Gulestøl costumava competir. Não no nível mais avançado, mas jogou tempo o bastante para adquirir conhecimento sobre as melhores equipes e o metajogo, isto é, as estratégias em constante desenvolvimento que variam com as tendências dos jogadores. Ele é capaz de reconhecer quando uma equipe tenta executar certa estratégia e que mortes podem ajudá-la a implantar a bomba e vencer a partida.

"Embora a ideia de autodiretor seja excelente, a IA não é capaz de diferenciar uma morte significativa de uma banal", disse Gulestøl. "Para o autodiretor, uma baixa é uma baixa."

Quando a DirecTV transmitiu o Championship Gaming Series, em 2007, experimentou outra solução: uma tela dividida entre a perspectiva de cada um dos 10 jogadores, tudo ao mesmo tempo. Tanto Smith quanto Gulestøl disseram que era muita informação.

A Valve parece ter percebido que observadores como Gulestøl são a melhor maneira para transmitir Counter-Strike. Mas não só: a empresa sacou que eles podem ajudar a melhorar o jeito de assistir às partidas.

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Em 2013, o jogador profissional de Counter-Strike e desenvolvedor de mapas Salvatore Garozzo sugeriu que deixar os espectadores verem a silhueta dos outros jogadores por meio das paredes seria de grande ajuda. A Valve acresentou o atributo. Smith me contou que os fãs pediram um ícone sobre a cabeça dos jogadores para indicar quando granadas de luz os cegarem. Dois dias depois, lá estava o ícone.

Agora os observadores estão fazendo uma campanha para uma versão melhor dos mapas panorâmicos 2D no canto da tela. O recurso pode conferir ao Counter-Strike a vantagem de uma perspectiva aérea, típica de MOBAs.

Gulestøl sugeriu à Valve esclarecer a qual jogador pertence a perspectiva que a audiência está acompanhando. Ele pediu que inserisse sinais coloridos nas setas representadas no mapa. O grande problema, afirmou, é que os mapas são inúteis em fases como de_nuke, que se resume a dois ambientes sobrepostos.

"Quando surge a nuke, todo mundo estremece", disse Gulestøl. "Observadores ficam em posição fetal e cruzam os dedos. Não dá para saber se os jogadores estão no andar de cima ou de baixo. Gostaríamos de ter dois mapas ou um panoorama 3D."

Gulestøl não sabe ao certo se os espectadores vão gostar de suas soluções para esses desafios. Ele diz que só reparam no seu trabalho quando faz merda.

"Tem campeonato em que você entrega 90% de excelência, mas as pessoas costumam se lembrar dos momentos em que você erra", diz. "Acho que pouca gente que vê Counter-Strike hoje sabe que os observadores que temos hoje fazem um trabalho muito melhor do que as soluções anteriores".

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Uma das maiores questões, afirma Gulestøl, é se lembrar de que ele é apenas um ser humano e não vai absorver tudo que está prestes a acontecer.

Se vale a pena? Depende do quanto você ama o que faz.

"Em termos de jornada de trabalho, é provavelmente o pior trabalho, mas é divertido mesmo assim", diz. "Você viaja, conhece todo mundo que participa dos campeonatos, e é bem pago, especialmente para um primeiro trabalho na área de eventos esportivos. Fiquei eufórico quando me ofereceram."

Gulestøl, no caso, parece gostar de verdade do seu trabalho. "Eu teria feito de graça, mas claro que jamais diria isso a eles."

Tradução: Stephanie Fernandes