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Música

Música Eletrônica, Rap e Dandismo: uma Conversa com Stromae

O artista belga veio ao Brasil para dois shows e falou sobre a cena europeia, estilo e música, é claro.

Paul Van Haver tem um estilão chamativo pra tudo, desde sua aparência até a música que faz. Bem alto, magro, com uma voz grossa que não bate com seu rosto delicado e vestindo roupas mega coloridas, o belga que atende por Stromae (uma brincadeira de sílabas com a palavra "maestro") veio dar um rolê pelo Brasil durante o fim de semana passado pra tocar no festival Back2Black (no dia 21), no Rio de Janeiro, e no Audio Club (no dia 22) em São Paulo.

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O cara encontrou uma fórmula de sucesso ao juntar o rap com a música eletrônica e seu vozeirão pra cantar sobre assuntos do cotidiano, relacionamentos desestruturados e problemas pessoais, tudo em francês. Mesmo assim, é muito fácil se identificar com algumas de suas letras porque quem nunca, né? Enquanto uns chamam de "dance music triste" ou "séria", Stromae só tenta fazer o que soa mais verdadeiro e orgânico pra ele.

Depois de ter estourado com "Alors on Danse", Stromae também chamou atenção com a história triste de "Papaoutai" (sobre a ausência do pai em sua vida), com a androginia de "Tous Les Mêmes" e com sua persona pseudo-bêbada em "Formidable" (que convenceu tanto que até os policiais da Bélgica pararam o cara na rua pra saber se ele tava malzão mesmo). Além da música, seu senso de moda também o fez ganhar fãs e, no final de 2014, lançou a linha MOSAERT (outra brincadeira com seu nome) baseada no seu guarda roupa e inspirada no dandismo versão arco-íris (também conhecido como sapeur congolês).

Sentei com Stromae e no papo repassamos os temas: rap, música eletrônica, o que as pessoas achavam dele e moda. Acompanhe.

THUMP: No começo da carreira, você escutava muito rap europeu e americano, e até hoje o rap é muito presente nas suas músicas. Quais artistas você ouvia?
Stromae: Bom, na Bélgica o rap não levanta muitas paixões (risos), não é muito forte por lá. Acabava escutando rap francês mesmo. Dos franceses, eu ouvia muito Flynt e dos americanos, G. Dep e Notorious B.I.G. Pra mim, o G. Dep era alguém muito à frente de seu tempo. Infelizmente, a vida dele enveredou pra alguns lados mais tristes, ele foi preso e tudo mais. Mas musicalmente, G. Dep é uma grande influência, gosto muito de "Special Delivery". O cara poderia até ter se tornado um 50 Cent da vida se não tivesse se "perdido".

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E o que você ouve hoje em dia?
Até hoje eu e meus amigos nos reunimos pra fazer uma "noite dos clássicos" e escutar esses rappers mais antigos (risos), mas eu ouço muito A$AP Rocky atualmente.

Como você enxerga a cena eletrônica belga e europeia nos dias de hoje?
Tem muita coisa sendo feita em termos de música eletrônica. Mas eu entendo música eletrônica como um escopo tão largo que até o trap é considerado assim – e tem se produzido muito trap ultimamente. O momento atual é de [produção de] muita música com um "pé" no eletrônico, como o pop, acredito que seja uma tendência. No meu caso, mesmo gostando muito dos synths, tento achar alguma coisa orgânica nisso tudo pra balancear.

Em uma entrevista, você disse que, quando descobriu a eurodance dos anos 90, havia certa vergonha em admitir que as pessoas gostavam do gênero. Ele bombou muito por aqui na época, mas por que havia essa vergonha dos europeus em gostar de eurodance?
Meu irmão mais novo que me mostrou a possibilidade de gostar de qualquer tipo de música sem preconceito. Acho que tem uma tendência a sempre pré-julgar a década anterior, assim como acontece hoje em dia quando as pessoas falam da década de 2000 a 2010. Eu perdi esse estigma com a década passada por conta do meu flerte com a música. Entendi que, mesmo nessa época, haviam coisas a se apreciar como o Snap!, o Technotronic e o Inner City. Essas bandas viraram clássicos que podem ser considerados tão bons e contagiantes quanto James Brown e Michael Jackson. Eles têm riqueza no som.

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Li algumas entrevistas suas e muitos jornalistas destacam sua música como uma dance music "séria", por conta dos temas de suas letras. Mas muitas vezes os jornalistas parecem implicar que música eletrônica em geral é feita pra ser uma coisa vazia ou medíocre, e que a sua é uma exceção. Você concorda com isso?
Bom, é normal a geração mais velha de hoje olhar pra música atual e achar que ela é ruim. Provavelmente vem disso, de pessoas que já não se identificam mais com o mainstream e só criticarem [o que é produzido atualmente]. Mas eu vejo a música eletrônica como algo muito rico, gosto bastante dela em geral. Não acho que teve um empobrecimento do gênero, porque eu cresci ouvindo esse estilo e eu vivo dele. Essas críticas vão viver ainda por muito tempo, mas eu espero que eu não seja esse tipo de cara [que critica a geração atual] quando eu ficar mais velho (risos). Os artistas atuais são bons porque eles dão uma chacoalhada na cena, e daqui um tempo [os críticos] vão reconhecer esse valor.

Seus vídeos têm uma estética muito agradável, são super coloridos. E ainda por cima você lançou uma linha de roupas, a MOSAERT, baseadas no seu guarda roupa e no estilo que você se veste nos clipes. Quais são suas referências artísticas?
Dentro da MOSAERT, a designer de moda é a Coralie Barbier. Costumo seguir muito as instruções dela porque eu me interesso pelo assunto, tenho minhas referências, mas ainda tô tateando esse terreno. Pra mim, existe uma espécie de um novo dandismo [estilo de se vestir que remete à aristocracia antiga, com uma alfaiataria muito elegante], em que as pessoas se vestem muito bem e que brincam com isso ao mesmo tempo, trazendo uma certa irreverência. Eu sigo um pouco por essa linha, do sapeur congolês [o dandismo "colorido"] e procurando raízes africanas pra trabalhar com um visual mais moderno nas meias, camisas polo e cardigãs que fazemos.

E no mundo da moda, especificamente?
Não sigo "pessoas" exatamente, mas algumas marcas me atraem, como Yves Saint Laurent, Miu Miu e também gosto muito da Chanel. O que eu sempre procuro são ateliês que não façam "roupa pela roupa", mas que tenham uma história, especialmente se ela for familiar, de vir de "berço". Acho que isso mostra não só o valor familiar, mas também o valor do trabalho, do esforço e da união.

Existe também um "movimento", e não é só na Bélgica, de produzir em outros continentes. Eu prefiro valorizar a cultura local, sem desmerecer quem não segue essa linha, mas eu quero enaltecer o que vem da minha origem. Os cardigãs e as polos [da MOSAERT] são feitos na Bélgica, só as meias que vêm da França. Mas eu gosto de dar valor ao polo local e fazer um conceito de marca que vai além da venda pela venda e leve em conta as pessoas que trabalharam pra fazer a marca acontecer, bem artesanal mesmo. E da mesma maneira que eu faço isso na moda, procuro fazer o mesmo com a música, trazer um senso de humanização.

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