Tecnologia

O criador do Pepe sabe que esse sapo idiota vai segui-lo pra sempre

O artista Matt Furie se abriu sobre como a criação mudou sua vida e a internet num novo documentário.
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Do documentário 'Feels Good Man'.

O Pepe the Frog chegou na internet em 2005, quando o artista Matt Furie criou o sapo de espírito livre e o postou no MySpace. Ele não fazia ideia do que seu trabalho iria inspirar. Feels Good Man é um documentário que será lançado em breve sobre Furie, que não falava muito do assunto desde 2016, e a jornada de Pepe. Nem sempre ele se sentiu bem, mas o documentário revela como a cultura da internet está mudando o mundo, para melhor e pior.

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A história do Sapo Pepe é estranha. O desenho é listado oficialmente como um símbolo de ódio pela Liga Antidifamação (LAD), considerado um avatar do deus do Caos Kek e símbolo dos usuários duma rede social de extrema-direita, protagonista de um livro infantil islamofóbico, centro de um processo contra o teórico da conspiração Alex Jones e um símbolo dos movimentos de protesto de Hong Kong.

A conquista mais impressionante de Feels Good Man é que o filme consegue costurar todas essas narrativas disparatadas de maneira concisa. O filme orbita Furie, o criador de Pepe, e intercala a cobertura da mídia dos eventos cercando o sapo com animação original retratando momentos importantes.

Pepe sempre foi um sapo extremamente online, mas o problema real começou quando ele baixou a calça até os pés pra fazer xixi.

“Lembro que no segundo ano, fui pro banheiro com meu primo David”, Furie diz no filme. “Ele baixou a calça até os pés para mijar. Cueca e tudo. Parecia mesmo que ele estava se sentindo muito bem.”

O quadrinho agora icônico retrata um Pepe feliz, com a calça e a cueca em volta dos tornozelos, usando um urinol. Num painel depois, ele explica por que fez isso. “Feels good man”, ele diz com um sorriso. Aquele painel se espalhou online, começando com fóruns de fisiculturismo até chegar aos cantos mais escrotos e sombrios da internet.

O animador Arthur Jones, amigo de Furie, dirigiu o documentário e teve acesso sem precedentes ao artista e seus amigos. É a visão da vida de Furie e seus círculos sociais que realmente te prende no filme. Essa é uma história não só de um desenho de sapo, mas das relações de seu criador e a reação a essa jornada.

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Um grupo de amigos de Furie tatuou o Pepe no braço muito antes de 2016. É a cara dele, depois de mijar, dizendo “feels good man”. Anos depois, enquanto o meme se espalhava e nazistas da internet o cooptaram, eles acabaram se arrependendo das tattoos. Mesmo no começo, alguns amigos de Furie estavam apreensivos com a popularidade de Pepe e pediram que o autor tomasse o controle. Um deles o encorajou a abrir um processo.

“Sou um artista”, Furie diz no documentário. “Não gosto de processar outros artistas.”

Mas as coisas saíram dos trilhos e Furie, que tinha apenas controle nominal para começo de conversa, perdeu isso totalmente. O Sapo Pepe se tornou um símbolo favorito do 4chan e outras partes problemáticas da internet. Logo, shitposters estavam postando imagens retratando o sapo em uniforme nazista. Ele se tornou um símbolo da extrema direita. Supostos Magos do Caos invocavam Pepe em rituais que eles prometiam que fariam Trump ganhar a eleição de 2016.

Feels Good Man entrevista uma variedade de pessoas sobre suas interações com Pepe, incluindo 4channers. É a jornada de Furie, mas o documentário revela como um simples cartoon se tornou um símbolo além das intenções do autor. Pepe se tornou todo tipo de coisa para todo tipo de pessoa – o shitpost definitivo para alguns e um símbolo definitivo de esperança para outros.

Um dos personagens mais estranhos é Peter Kell, um negociador de criptomoedas que diz ter ganhado muito dinheiro com uma criptomoeda temática do Pepe.

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“Ter um Pepe raro [imagens incomuns do Pepe, transformadas em cartões de troca digitais, valendo até milhares de dólares e trocados na internet] é ser um alfa. É uma questão de ter os Pepes mais danks e raros que ninguém mais tem, sobre 'Como chegar na lua de Lambo'”, diz Kell apoiado num Lamborghini. Quando saí de cena, ele está tocando uma música sobre trocar Pepes raros no ritmo da música de abertura de Pokémon.

Em meio a tudo isso está Furie, levando as coisas com calma, falando sobre a depressão causada por seu sapo se tornar um símbolo de ódio e sobre combater os apropriadores do Pepe online e através de ações judiciais. “Se você quer escapar do inferno, você não pode ignorá-lo. Você tem que estar no centro dele”, disse Furie.

Para chegar ao centro, Furie está processando qualquer um que tente lucrar com o Pepe, encorajando pessoas a desenhar Pepe em seu contexto original, e fazendo lobby com a LAD para remover o sapo de sua lista de símbolos de ódio.

Numa cena perto do fim, Furie se encontra com Oren Segal, vice-presidente do Centro de Extremismo da LAD.

“Descobrimos que ter o desenho na nossa base de dados de símbolos de ódio tem sido extremamente útil para pessoas tentando entender essa barragem de símbolos… é complicado”, Segal diz a Furie.

“Essa vai ser uma jornada pra vida inteira”, Furie responde. “Vou estar preso a esse personagem pra sempre.”

“Mas qual seria o impacto de removê-lo?”, pergunta Segal. “A maioria das pessoas criando essas imagens vão continuar usando elas na internet. Seu pedido não vai resolver a questão.”

A jornada de Furie reflete o custo de criar uma obra de arte realmente icônica. Ele deu Pepe ao mundo e, infelizmente, não pode tomá-lo de volta.

“O que é mais inútil que um desenho?”, diz Dale Beran, autor de It Came From Something Awful, no documentário. “Mas o que é mais poderoso que o Mickey Mouse?”

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