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Sexo

As mulheres realmente assistem a pornô 'female friendly'?

As empresas pornô estão tentando atrair mais usuárias? Ou isso é uma simples preza para a minoria feminina num meio dominado pelo olhar masculino?

Matéria originalmente publicada na VICE Austrália.

O pornô mainstream comercial segue uma fórmula clara. O filme se passa numa mansão — a mulher usa salto, o cara é o herói: ele pega a mulher, tem seu prazer e mal diz uma palavra. As mulheres geralmente existem apenas como ponto de prazer no filme. Elas estão ali para dar, não receber.

Bom, você pode curtir esse tipo de pornô, e tudo bem. É fácil de assistir, fácil de encontrar e — até certo ponto — inofensivo. Mas se você é mulher, provavelmente vai ter que ir mais fundo para achar algo que realmente te excite.

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"As empresas pornô estão tentando atrair mais usuárias? Ou isso é uma simples preza para a minoria feminina num meio dominado pelo olhar masculino?"

Nos últimos cinco anos, a categoria Female Friendly começou a aparecer nos sites pornôs mais conhecidos como Pornhub, YouPorn e xHamster. Eles geralmente colocam com um pequeno símbolo de Vênus perto do nome da categoria, só pra deixar bem claro do que se trata. O conteúdo em si difere de site para site: alguns, como já era de se esperar, se baseiam no papai-mamãe fofo. Outros são mais pesados, usando a palavra "ramming" bastante nos títulos.

Mas por que essa categoria emergiu? As empresas pornô estão respondendo a um aumento das usuárias, estão tentando atrair mais mulheres? Ou o pornô female friendly é só um gesto token num meio dominado pelo olhar masculino?

Gráfico via Pornhub, óbvio.

Em 2015, o Pornhub e o Redtube se juntaram para analisar dados das espectadoras de pornô. Na média, 24% dos usuários são mulheres, e quase todas disseram que assistem pornô lésbico. Lesbian era a categoria mais procurada, seguida de perto por gay, big dick, teen e threesome. A categoria For Women ficava numa respeitável oitava posição da lista de mais assistidos.

Fiz minha própria pesquisa nas redes sociais para esta matéria. Das 80 participantes, 90% disseram usar sites de streaming grátis como principal fonte de pornografia, e as categorias que elas assistiam eram extremamente diversas: de amador a lésbico, de bombado a bondage e gangbang, de facesitting a anal, hentai, creampie e romântico, até fetiches incrivelmente específicos. De todas as categorias listadas, apenas três se mostraram populares com a maioria: lésbico, gay e amador.

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Cerca de 30% das participantes assistiam regularmente conteúdo da seção female friendly, e as razões eram bem parecidas: menos agressão, mais foco no prazer da mulher. Uma participante disse que female friendly era igual "pintos menos gigantes e menos misoginia". Outra disse que achava a "concentração de mulheres tendo prazer em vez de serem apenas receptáculos" mais atraente.

Cerca de 45% das participantes disseram nunca ter cruzado com a seção female friendly, e 25% experimentaram mas não se interessaram. Para quem não curtiu o pornô female friendly, as razões eram quase idênticas: muito suave, muito controlado, muito heterossexual, orgasmos fingidos, muito parecido com soft porn de TV.

Segundo Ms Naughty, que vem fazendo pornô feminista independente para mulheres desde 2000, as tentativas da indústria pornô de atender as mulheres são apenas fachada. "Eles pintaram o exterior de rosa, mas nada mudou onde realmente interessava: mostrar o prazer e a fantasia feminina." Pela experiência de Ms Naughty, pornô female friendly difere pouco do que você vê na homepage desses sites. "Eles cortam a cabeça do cara, focam no corpo da mulher, e garantem que todo o sexo seja aberto para a câmera, sem importar quão desconfortável pareça."

De fato, todas as mulheres com quem falei disseram se preocupar com o tratamento que as mulheres recebem na indústria pornô. Muitas falaram sobre consentimento e respeito, e algumas que assistiam pornô hardcore tinham dificuldade em conciliar seus valores feministas e suas preferências em pornografia. Uma das participantes disse: "Como consumidora, não tem como realmente saber se o que você consome num site gratuito é ético, especialmente quando você curte hardcore".

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"Assistir a uma mulher fingindo na velha sequência construída toda em cima do homem simplesmente não é atraente."

A sexóloga e terapeuta Cyndi Darnell diz que tudo tem a ver com consentimento. "Quando todos os participantes estão dispostos a estar ali e participando conscientemente do que está acontecendo, não há problema", ela diz. "Também é importante lembrar que há uma diferença entre ter uma fantasia e realmente querer realizá-la."

Segundo Ms Naughty, a natureza ética do pornô ainda é uma grande questão na indústria. "Infelizmente, não existe um selo de 'certificado' que você possa conferir, nem qualquer acordo sobre o que significa pornô ético", ela diz. Ela sugere pesquisar o pornô que você consome: procurar as páginas das empresas, perfis no Twitter, cobertura da mídia e as declarações éticas das produtoras.

Todo mundo com quem falei sobre esse assunto, e as mulheres que responderam minha pesquisa, tinham preferências extremamente diversas, mas um tema aparecia em toda conversa: prazer. Não importava o que elas curtiam, assistir uma mulher fingindo na velha sequência construída toda em cima do homem — tanto o do vídeo como o espectador — simplesmente não é atraente.

Acrobatas românticos. Imagem via Pixabay.

Então talvez a questão não seja se precisamos ou não de uma seção female friendly, mas por que o pornô mainstream continua tão estereotipado e avesso a priorizar o prazer de todas as partes envolvidas? Sabemos que a maioria do pornô mainstream ainda é criado para homens, mesmo que isso vá parar na categoria female friendly. Mas o pornô que temos hoje é realmente o pornô que os homens querem assistir, ou são as grandes empresas da indústria que moldam o mainstream?

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Darnell argumenta que o consumo do pornô é similar ao consumo da mídia no geral. "É por isso que a mídia mainstream é popular: porque as pessoas não querem necessariamente saber das alternativas". Ms Naughty tem um argumento similar: "Há muitos tropos repetitivos no pornô, e muitos dos diretores não estão dispostos ou conseguem mudar o jeito como filmam".

"Há um certo desespero no que as pessoas estão produzindo agora, porque há muita pornografia grátis e as pessoas estão relutantes em pagar por ela", diz Ms Naughty. "Acho que algumas empresas entraram pelo caminho do female friendly porque estão desesperadas para vender para novos mercados." Ela diz que empresas de pornô feminista independente não colocam seu conteúdo em sites gratuitos porque estão tentando proteger seu conteúdo, e evitar perpetuar o esteriótipo de que toda pornografia é grátis.

Mas há uma razão para não existir a categoria Male Friendly: os homens ainda representam a maioria dos consumidores. É difícil prever quando a mudança vai chegar ao pornô mainstream, mas até lá, a indústria vai continuar a tratar os gostos masculinos como padrão.

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Tradução: Marina Schnoor

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