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'Into the Breach' é sobre abandonar as pessoas que você deveria proteger

Um jogo que aborda a dor e o luto por aqueles que você é forçado a deixar pra trás.

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

Viagem no tempo é o dispositivo de enredo mais perverso que já inventamos na ficção. Viagem no tempo significa, num nível fundamental, que temos a chance de fazer a coisa certa dessa vez. Todo mundo tem coisas que gostaria de evitar, coisas que gostaria de não ter feito, e viagem no tempo oferece uma oportunidade de conseguir exatamente isso. E Into the Breach, o novo jogo tático de viagem no tempo dos criadores de FTL, torna essa esperança o centro do loop do gameplay.

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Não é uma ideia pouco familiar na mídia. No Limite do Amanhã nos deu uma invasão alienígena alimentada por viagem no tempo. Assistimos Tom Cruise morrer de novo e de novo, às vezes de um jeito cômico, para que ele aprenda o verdadeiro significado da amizade e as habilidades definitivas para um combate mortal. Contra o Tempo coloca Jake Gyllenhaal num trem para que ele descubra por que ele explode, cada tentativa resetando num horrível loop simulado controlado por um cientista maligno. Mesmo o injustamente esquecido A Morte Te Dá Parabéns de 2017 entra na questão do tempo, jogando Jessica Rothe num loop temporal onde ela tem que descobrir quem está matando ela todo dia.

Into the Breach é um pouco diferente porque o jogador não passa exatamente pelos mesmos cenários como os personagens desses filmes, mas o cerne é o mesmo. Você aprende estratégias, descobre como terminar as fases estilo quebra-cabeça usando essas estratégias, e fracassa. Melhora. Morre. Pula para uma nova linha do tempo. E se sai melhor aqui.

Mas fico pensando na Amelia. Ela é uma piloto de mecha de artilharia, e fala com frequência no jogo. Ela é uma pessoa definida apenas por suas estatísticas e ciclo de frases genéricas que o jogo coloca na boca dela, mas consigo reconhecer seu capacete laranja de cara, e comecei a pensar no mecha de artilharia não só como uma máquina, mas como um personagem. Ela é Ned Ryerson ou os colegas militares que ajudam Tom Cruise no caminho. Ela está servindo um propósito, e depois vai morrer.

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Tenho meus mechas e tenho meus pilotos. Estou numa ilha passando por um cataclismo, e o chão está sumindo debaixo dos pés dos meus aliados e inimigos, despencando num terrível abismo no coração da terra. Um inimigo inseto gigante cai do mapa, e Amelia diz uma de suas falas. “Espero que ele leve outro Vek com ele”, Amelia grita. Eu sorrio.

Na missão seguinte ela grita que eu preciso conferir minha munição. Uso a artilharia para derrubar um prédio que salva taticamente outra unidade minha, e ela entra em pânico com essa escolha. Ela está atirando em seus aliados, mas esse é o tipo de escolha que eu tenho que fazer sendo o olho que tudo vê no céu, quem controla os destinos das pessoas nessa linha do tempo. Alguns civis precisam morrer para eu tentar uma “vitória” nesse mapa.

“Sofri danos sérios, comandante, mas ainda posso lutar.” Amelia me diz durante a última rodada de uma batalha particularmente difícil, e sorrio porque conseguimos chegar até aqui. Ela faz ataques cruciais, e os inimigos estão fugindo do massacre.

“Pronta para deixar os Rift Walker orgulhosos, comandante.”

“Bom ataque.”

“Proteja o Grid, está quase acabando!”

As palavras de Amelia se tornam esse comentário constante. Ela vira minha personagem principal, na minha própria historinha sobre o jogo, e faço todo o possível para garantir que ela consiga a experiência e os upgrades mecânicos que vão ajudá-la a sobreviver a cada luta. Mas eventualmente, porque eu sou eu, porque esse jogo é difícil, porque sou meio ruim nele, porque sou impaciente e porque já morri, vivi, morri, vivi o suficiente, perco o jogo.

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Meus Rift Walkers voltam no tempo. Tenho que escolher quem dará o salto para a outra linha do tempo para tentar de novo, nesses últimos dias da humanidade. Eu escolho quem se tornará o farol de esperança para algumas outras pessoas, num mundo diferente, e faço a escolha difícil entre Ralph, um combatente de nível máximo que arrastei por várias linhas do tempo, e Amelia, cujo rosto novo ainda está subindo os escalões.

Amelia vem comigo, claro. Ela é boa no jogo, e está desenvolvendo ótimas habilidade. Ralph fica para trás. A humanidade é extinta, ou pelo menos os sobreviventes acabam separados e perseguidos pelos Veks, o que dá na mesma. E disso vem uma culpa, e essa culpa é uma grande base de Into the Breach. Você não está começando de novo. Você está pulando entre novos reinos de probabilidades.

Então Amelia se torna um farol de esperança, mas para pessoas que ainda vão morrer. Into the Breach é um jogo sobre fracassar com pessoas de um planeta inteiro, uma por uma, até que você tem sorte e salva algumas. Os filmes de viagem no tempo sempre acham um jeito de resolver isso, ou nos fazer sentir melhor, mas não esse jogo. Temos que engolir esse fato e marchar para um novo futuro, levando as pessoas e objetos que vão nos beneficiar e deixar o resto para trás.

Outros personagens, cada um potencialmente tão engraçado e interessante quanto a Amelia, viram poeira. E diferente da maioria dos jogos roguelikes, onde os mundos são deletados como se nunca tivessem existido, tenho dificuldade para tirar essas linhas do tempo abandonadas da minha cabeça.

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