​O Que Acontece Quando Implantes Cerebrais São Hackeados?

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​O Que Acontece Quando Implantes Cerebrais São Hackeados?

Já imaginou como seria um ataque que invadisse sua mente?

"CARO SENHOR OU SENHORA", diz, em alto e bom som, a voz no seu campo de realidade virtual. Os olhos do homem brilham. Seu rosto está cheio de boa vontade. Ele está na sua cabeça. "Como ele passou pelo filtro de spam?", você se pergunta. O estranho não dá bola e continua:

"SOU UM PRÍNCIPE NIGERIANO PRESTES A HERDAR A SOMA DE UM BILHÃO DE DÓLARES. INFELIZMENTE MEU COVARDE TIO TOMOU MINHA FORTUNA COMO REFÉM PELA INSIGNIFICANTE SOMA DE DEZ MIL DÓLARES. TRANSFIRA-ME ESTE DINHEIRO E DIVIDIREMOS MINHA HERANÇA EM PARTES IGUAIS!"

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A interface do seu implante cerebral ronrona. Hormônios são bombeados. Seu humor altera. É melhor que a última vez que você fez sexo virtual com uma desconhecida por meio do novo aplicativo do Tinder para implantes. Como isso pode ser tão bom? Você consulta sua memória, que agora é armazenada em seu implante e não mais naquelas células cinzas passivas de falhas. E olha só, todos seus amigos estão mandando dinheiro para a Nigéria também! Na realidade, até mesmo o Presidente discursou há pouco falando sobre a importância dos bons cidadãos enviarem dinheiro para a Nigéria! Como isso é possível? Não pode estar certo. Pode?

Então uma luz se acende na sua cabeça. Um interruptor foi ligado. "Tenho que salvar este jovem príncipe", você pensa. "Ele não merece uma vida de penúria". Você acessa sua conta no seu banco, autentica a transação por meio de seu implante e transfere US$ 10 mil para a Nigéria. "Mas será que é o bastante?", você pondera, roendo as unhas. O covarde do tio pode se recusar a permitir que o príncipe se torne rei! E então você esvazia sua conta em uma nobre jornada para auxiliar o herdeiro da realeza nigeriana enquanto estremece de êxtase.

Uma semana depois, seu débito automático do aluguel volta. A conta está zerada. Mas onde foi parar o dinheiro? Você busca em sua memória. Nada. O dinheiro devia estar lá. Tudo que você lembra é de ter tido um belo orgasmo cerebral com uma nova pessoa. Você se vê em meio a uma conferência estressante com alguém do banco. Eles lhe mostram a trilha da tragédia que leva à Nigéria. O que está acontecendo?

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Você foi ownado.

A situação acima é um exercício de futurologia, mas ressalta uma preocupação de muitos pesquisadores: quanto mais porções privadas de nossas vidas estão na rede, mais a segurança importa. Já imaginou o que acontecerá quando você meter um computador dentro da cabeça? O que acontecerá quando Android virar Google Borg e iOS virar iBrain?

As questões de segurança não somem. Só pioram.

E eis o problema: não há o que fazer.

A DARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa, em inglês) está levando as capacidades dos implantes cerebrais cada vez mais em direção ao futuro, mas é claro que existem preocupações quanto à segurança.

"Creio que a civilização humana está a centenas de anos de chegarmos a um ponto em que um software poderá ser criado sem quaisquer falhas críticas de segurança, se é que isso é possível", disse Micah Lee, tecnólogo do The Intercept, por email.

A razão é que programadores erram e alguns dos bugs são vulnerabilidades de segurança. Isso significa que falhas no lançamento estarão conosco no futuro.

O pesquisador de implantes cerebrais Roozbeh Jafari concorda. Professor de engenharia elétrica na Universidade do Texas, em Dallas, nos Estados Unidos, sua pesquisa é voltada para o desenvolvimento de uma interface cérebro-máquina.

"Há uma série de questões de segurança e privacidade que precisam ser enfrentadas", disse. "Suponha que queiramos enviar atualizações ao sistema, mas se alguém conseguisse invadir remotamente o cérebro e controlá-lo junto de nossos músculos, não sei bem quais seriam as possíveis consequências… Poderia se tornar algo sério."

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Lee sugere que projetar implantes com segurança é possível, mas pode seguir na corrente contrária do mercado — sem contar as restrições médicas. "A maneira mais eficaz de tornar os implantes seguros", escreveu, "seria limitar a superfície de ataque o máximo possível. Por exemplo, o implante poderia não ter sequer uma funcionalidade wireless ou poderia enviar dados por redes wireless sem receber nenhum. Se o implante não aceita comandos remotos, não haveria forma de invadí-lo sem abrir o cérebro".

"É claro que isso não seria prático", comentou. "E se você precisar enviar um comando para o implante ou atualizar seu firmware para consertar um bug? Não parece muito saudável passar por uma cirurgia para isso."

Podemos afirmar com certeza que hackers do governo invadiriam os cérebros das pessoas por diversão e dinheiro

Ele sugeriu que um protocolo de criptografia implementado da forma correta poderia ser usado para autenticar quaisquer comandos externos ou atualizações. Mais: o código-fonte de qualquer implante deveria ser aberto e livre de DRM.

Quando se fala de conectar implantes cerebrais à internet, fato especulado por alguns cientistas há anos, criar uma plataforma de segurança é ainda mais desafiador. Lee não poupa palavras. "Dar acesso à internet a implantes cerebrais é uma péssima ideia", afirmou.

"O problema", disse Jafari, "é que um usuário comum precisa ter noção de quanto de sua privacidade está abrindo mão. Na maioria das vezes, abrimos mão de nossa privacidade para melhorar a qualidade do serviços que recebemos". Dar ao Google acesso aos nossos pensamentos mais íntimos é algo muito mais sensível.

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Lee é cínico quanto ao futuro da privacidade em implantes cerebrais. "Feitos do jeito certo, esses implantes podem ser criados para dar às pessoas habilidades super-humanas enquanto respeitam sua privacidade", escreveu. "Mas dado o histórico de aplicativos para smartphones e a indústria de dados, parece provável que a privacidade não seria algo lucrativo para quem cria estes produtos."

Preocupações muito mais Orwellianas espreitam nas sombras. Caso os implantes estivessem conectados à internet, "poderíamos afirmar com certeza que a TAO [unidade hacker de ataque da NSA] e outros hackers do governo invadiriam os cérebros das pessoas por diversão e dinheiro", disse Lee. "Assemelha-se aos marca-passos de hoje, que também rodam com algum código, e que já se mostraram hackeáveis a ponto de causarem ataques cardíacos remotos."

Pior ainda: o implante colocado no seu cérebro pelo médico pode não ser aquele mesmo que saiu da fábrica. "Caso esses implantes pudessem fornecer informações privilegiadas ao monitorar os pensamentos do alvo, então creio que agências como a NSA e de países como China, Rússia, Israel e tudo que é lugar adorariam ter esses aparelhinhos em seus programas de defesa", afirmou Lee.

Mas Jafari enfatizou que estamos a décadas de distância de criar uma interface cérebro-máquina verdadeira. "O cérebro é um órgão interessante e fantástico presente em nossos corpos, mas ainda há muito que não sabemos sobre ele", declarou.

No estágio atual dos implantes, disse, se assemelham a internet dos anos 90. "Sabíamos como funcionaria… Mas só no começo dos anos 2000 que a Amazon percebeu que poderíamos vender coisas na internet". Jafari destacou que os pesquisadores ainda tentam descobrir como usar estes implantes de forma eficaz. "A questão é em que áreas podemos usar isso? Eis um dos grandes obstáculos, na minha opinião", disse.

Tradução: Thiago "Índio" Silva