Tudo que você devia saber antes de começar a terapia
Todas as ilustrações por Calum Heath

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Saúde

Tudo que você devia saber antes de começar a terapia

Conselhos pra você aproveitar ao máximo o divã.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK.

Aos 25 anos, faço terapia há uma década inteira. Incluindo um psicólogo infantil, várias rodadas de terapia comportamental cognitiva e psicoterapia, na rede pública de saúde e com vários psicoterapeutas particulares. Se isso fosse um casamento, equivaleria às bodas de estanho ou zinco — um metal que supostamente representa como uma parceria de sucesso pode se dobrar sem quebrar. O que é adequado, considerando as fases em que achei que a terapia não estava funcionando, só para voltar com o rabo entre as pernas um pouco depois.

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Em momentos diferentes, minha terapia foi por ansiedade, depressão, transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM), psicose e períodos de dissociação, mania e transtornos alimentares, além de outras coisas que não se encaixam em categorias claras. Não posso dizer que entendo como a terapia funciona para doenças diferentes, e cada pessoa vai responder ao tratamento de saúde mental do seu jeito. Ainda assim, descobri muitas coisas por tentativa e erro que queria que alguém tivesse me dito antes que eu começasse a terapia.

Não é fácil conseguir terapia

Um aviso antes de começar. A rede de saúde pública da Inglaterra — assim como no Brasil — vem sofrendo cortes severos de orçamento, e a situação se tornou quase desesperadora quando se trata de saúde mental. Você só entende mesmo o significado de uma crise de saúde mental quando está na fila para tratamento de depressão por meses, só para descobrir que o tratamento oferecido é de meia hora, uma vez por semana, por dez semanas — e se você faltar ou remarcar duas sessões porque estava deprimido demais para sair de casa, eles te dispensam. Se você tem uma doença mental crônica e precisa de acesso a longo prazo a um psicoterapeuta, deus te ajude.

Dito isso, só porque o tratamento é difícil de conseguir, resista a se sentir culpado por ter acesso a ele. Não ache que você "não está mal o suficiente" para fazer terapia, porque isso te coloca num círculo que te impede de procurar ajuda. De maneira similar, não se sinta culpado porque está doente e pode pagar pela terapia.

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Procure alguém que funcione para você

Terapeutas são pessoas, e pessoas podem ser irritantes. Provavelmente não é obrigatório gostar do seu terapeuta — a menos que seu relacionamento seja extremamente pouco profissional, você não vai convidar a pessoa para o seu aniversário — mas você precisa encontrar alguém que ache agradável e, mais importante, gostar da abordagem da pessoa.

Alguns terapeutas são incrivelmente empáticos. Tive um que era tão gentil que deixava passar nossa hora, indo para duas ou três, e recomendando filmes e séries que sabia que eu ia gostar. Ir ao consultório dele era como visitar um avô, mas com conversas mais existenciais. Eu esperava virar a esquina depois da nossa sessão, já que ele ficava na porta me dando tchau, para começar a chorar porque ele estava sendo legal comigo, o que me lembrava que eu não estava sendo muito legal comigo mesma.

Outros são mais clínicos e te deixam projetar o que quiser nas respostas deles. Você senta lá, desembucha tudo, começa a chorar e soluçar depois de reviver detalhes viscerais de um trauma, e o rosto deles é como um espelho. Você quase quer dizer "Desculpe, você ouviu a coisa desesperadoramente triste que acabei de contar?" Nenhuma dessas abordagens é errada em si, desde que você responda bem e se sinta confortável. Eu, perversamente, comecei a gostar mais desse último tipo.

"Quando meu terapeuta contou que estava para embarcar num cruzeiro de três semanas dali uma semana, fiquei ultrajada, pensando 'Que egoísta. O que você espera que eu faça agora? Cuide de mim mesma?'"

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Quem tem um bom plano de saúde ou pode pagar consegue trocar de terapeuta ou experimentar outro pelas costas. Mas não se apegue àquela atitude besta de se comprometer porque você já escolheu e pronto, e porque seria desconfortável ter que dizer que não está funcionando. Isso é ainda mais importante se você teve acesso ao tratamento pela rede pública. Se a pessoa fazendo sua terapia é alguém em treinamento que só sabe ler o xerox e dá de ombros quando você faz uma pergunta personalizada (o que já aconteceu duas vezes comigo), informe seu clínico geral e diga que você precisa de outra pessoa. Você tem que lembrar que as dez semanas acabam logo, então você merece tirar o máximo disso.

Esse desejo de mudança pode acontecer a qualquer momento, e aprendi que um terapeuta que te ajuda a trabalhar uma "questão" pode não ser a melhor pessoa para iluminar outra. Depois que um relacionamento importante acabou, eu sabia que tinha uma matéria cinza de sexo e sexualidade que eu queria abordar, e logo percebi que o terapeuta hétero com quem eu estava há algum tempo — e que na verdade era especialista em relacionamentos — não estava entendendo a essência do que eu estava dizendo quando eu contava o que era ser uma jovem mulher interagindo com homens. Dei um perdido nele ficando de marcar uma nova consulta mas nunca ligando, porque eu não ia aguentar dizer adeus. Isso foi infantil, eu sei, mas era a decisão certa; logo arranjei uma terapeuta para quem podia levar uma história compartilhada para a discussão.

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Você quer que seu terapeuta goste de você — supere isso

É da nossa natureza querer que as pessoas gostem de nós. Se você também quer agradar e responde nojentamente bem a qualquer tipo de elogio, tome cuidado com isso.

Às vezes, quando estou contando uma história para a minha terapeuta, sem perceber me vejo pausando para dar um efeito dramático, ou usando as mãos — o único motivo possível sendo que quero entretê-la. Se consigo uma risada, considero um prêmio pessoal: meu conteúdo é agradável. Do mesmo jeito, se estou tendo um período de boa saúde mental, no caminho para o consultório, depois de me sentir grata pelo bem-estar relativo, me preocupo realmente se posso entediá-la. Aí procuro alguma coisa na minha memória de médio prazo porque, no mínimo, tem sempre algum incidente ridículo com que posso começar uma conversa.

Mas assim como você não precisa gostar do seu terapeuta, seu terapeuta não precisa gostar de você. Se você não lutar contra esse sentimento, isso vai mudar a maneira como você trabalha com ele, e você tem menos chances de fazer avanços. O terapeuta está ali para te ajudar, não para ser entretido, e só porque você é a pessoa compartilhando detalhes horríveis, qualquer desequilíbrio de poder é imaginado.

Fale tudo que tem para falar

Com isso em mente, seja honesto. Terrivelmente honesto. Levei anos para parar de guardar informações, e ainda faço isso toda vez que começo com um novo terapeuta: "Se eu contar isso, ele vai achar que sou uma vadia, uma pessoa ruim ou uma idiota". Parte disso se deve à diferença de idade — meus terapeutas são sempre mais velhos que eu — outra parte porque pode ser incrivelmente desagradável e desconfortável compartilhar certas coisas.

Mas qual o ponto em guardar segredo? Seu terapeuta provavelmente já ouviu coisa pior, e ele não vai poder te ajudar direito se você reprimir a verdade. A parte que menos gosto da terapia é o fato de que alguém não está convenientemente te dizendo tudo que você precisa saber. Muitas vezes é você que encontra as grandes sacadas, então falar sobre as coisas horríveis é um processo de ser honesto consigo mesmo. Suba ao palco para admitir o que quer que seja, e trate o terapeuta como uma extensão de você.

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Comunique o quanto antes o que você quer tirar disso

A vez em que senti que algo estava resolvido mais rápido com uma terapeuta foi quando troquei o antigo por uma mulher para falar sobre sexo. Consegui identificar com precisão onde meus problemas estavam, de onde eu suspeitava que os nós vinham, e como eu queria que eles se desfizessem para poder ter um relacionamento saudável no futuro. Entrei na sala dela para a primeira sessão como um gerente comercial, com objetivos e listas, e depois de entregar meu discurso de abertura, ela só levantou a sobrancelha e disse "Uau". Parece óbvio, mas quanto mais você facilitar o trabalho dele, mais rápido seu terapeuta vai chegar à raiz do problema. Se você é tão anal quanto eu, você já vai se acalmar vendo a ordem dos planos e objetivos. Até repetir o plano para você mesmo como um mantra é algo que acho útil.

Sobre comunicação: se você estiver se tratando pela rede pública e estiver chegando ao fim do tratamento sem melhora ou sem atingir seus objetivos, comunique com firmeza a necessidade de algo mais. Se você for dispensado e tiver que voltar a passar pelo clínico geral, as semanas ou meses de encaminhamento vão se acumular.

Você não vai lembrar aquilo que seu terapeuta disse e ajudou, ou pelo menos as nuances disso

Antes dos momentos lâmpada na cabeça com seu terapeuta, você oferece pequenas partes, ele oferece pequenas partes, e de repente ele te dá uma lindíssima explicação que explode sua mente — você sente as partes dentro de você se encaixarem. Tudo faz sentido: seu cérebro — sua vida! — finalmente vai ser melhor! E assim que você vai embora, tente lembrar o que ele disse. Não dá. É escorregadio, o ouro desapareceu. Dá muita raiva.

Isso aconteceu mais cedo este ano quando eu estava tentando chegar ao fundo da minha ansiedade com compromisso e a autossabotagem dos meus relacionamentos. Estávamos desenterrando o longo período em que meus pais tiveram que morar na mesma casa depois de se separarem — eu sei, clichê — por causa de dinheiro, e era como se todo mundo estivesse andando em ovos na casa. Eu, enquanto isso, tinha batalhas mensais com o TDPM, tinha pensamentos suicidas e estava passando por um psicólogo infantil.

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Minha terapeuta estava me perguntando alguma coisa hipotética típica, tipo: "Imagine que você vai até a sua mãe para contar um problema — onde ela está na casa? Como ela responde?" e "Como seu eu jovem se sente com isso? O que você faria depois de se sentir ignorada?" Aí ela soltou uma análise assustadoramente precisa sobre como eu sentia que ser uma unidade singular é a única opção segura e viável, especialmente quando estou lutando com problemas mentais, porque relacionamentos são temporários, deprimentes e perigosos. Escrito assim parece óbvio e meio besta. Mas do jeito como ela disse, mexeu comigo.

Sempre faço algumas anotações quando vou embora para tentar capturar parte da sessão. Mas muitas vezes você tem que aceitar que seja lá o que fez todo sentido na hora, agora é uma pepita solta em algum lugar do seu subconsciente. A razão daquilo parecer tão forte na hora geralmente é só porque é a primeira vez que você ouviu aquilo — mas agora você está um passo além, percebendo ou não.

Reconheça que seu terapeuta não deve te dizer o que fazer, só aconselhar

Eu tinha um terapeuta que me disse várias vezes para tomar essa grande decisão na vida. Acabei fazendo a mudança, mas estou consciente de que só fiz isso porque me mandaram. Não havia nenhuma grande ameaça à minha saúde ou vida. O terapeuta está ali para te aconselhar, para sugerir e guiar; nunca deixe que ele te leve para um lugar que você não quer. Toda ação que você faz na vida afeta sua saúde mental e está — e deve continuar — sob seu controle.

Seu relacionamento com outras pessoas vai mudar

Depois de dez anos de terapia, não faço ideia se já nasci essa pessoa que fala demais de si mesma, ou se o fato de eu estar tão acostumada a vomitar tudo é automático. Sou ridiculamente sem vergonha na vida real. É muito difícil me constranger. Nada que acontece comigo na vida real pode ser pior do que o que acontece naquela sala semanalmente, e isso se infiltra nos relacionamentos. A terapia melhorou minhas relações com outras pessoas mais do que posso quantificar. Consigo conversar com um estranho na rua sobre qualquer coisa. Tenho amizades muito mais honestas, onde os dois lados sabem que podem falar de qualquer coisa; mas como estou a apenas alguns dias de falar sobre minha saúde mental, não sinto a necessidade de tocar no assunto a não ser que esteja realmente sofrendo. Na verdade, essa é a última coisa de que quero falar. Meus amigos homens gostam que eu seja uma psicóloga de sofá com quem eles podem se abrir, quando não se sentem confortáveis para falar com outros homens. As pessoas que namorei adoravam isso porque eu podia usar minha sessão para considerar qualquer problema que brotasse entre nós. É tipo terapia de casal, só que sem ter que pagar ou ir ao consultório.

"Sempre suspeito que os terapeutas ficam curiosos e me procuram na internet. Eles são humanos também. Eu faria isso se fosse eles. Com certeza."

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Faça seu dever de casa, mesmo parecendo inútil

Simplificando muito, a psicoterapia te pergunta por que você está tendo esse pensamento ruim, enquanto a terapia comportamental cognitiva (TCC) te pergunta como você pode lidar com isso, ou mudar o pensamento ruim. Não gosto de TCC. Alguns defensores da saúde mental podem não gostar de ouvir isso, mas não acho que o TCC deveria ser tratado como a cura definitiva para ansiedade e depressão, como as vezes o processo é vendido. Isso não me ajudou muito na primeira vez que tentei.

Muito do tratamento envolve fazer "tarefas de casa", tipo aquelas de escola, e eu me sentia meio ridícula preenchendo colunas e tabelas quando nem conseguia digitar no meu computador sem tremer. Lembro que resisti ao processo porque traçar como meus pensamentos se transformavam em sentimentos e vice-versa na época parecia condescendente, fútil e um insulto à minha inteligência e construção emocional rica. Eventualmente deixei de ser arrogante e fiquei tão desesperada que tentei, e isso me ajudou um pouco.

O mesmo vale para coisas que você discute na psicoterapia. Quando você faz um plano com seu terapeuta para se desculpar com as pessoas que magoou quando estava em mania, ou começar a ir para a cama, com todos os aparelhos desligados, às 23h, faça o que puder — sem se pressionar muito — para seguir o plano o mínimo que seja.

Você vai pensar que seu terapeuta está te espionando

Se eu não tinha parecido obcecada comigo mesmo até agora, tente isso: sempre acho que meus terapeutas ficam curiosos e procuram meu nome no Google. Em minha defesa, um terapeuta uma vez mencionou algo que eu não tinha dito nas nossas conversas. Questionei, e ele disse — como se fosse a coisa mais casual do mundo — que ele tinha entrado no meu Twitter. Ele tinha lido cuidadosamente meus tuítes sobre o Tinder, terapia, transas e ressacas entre um paciente e outro. Todo terapeuta sabia com o que eu trabalhava. Agora, quando escrevo uma matéria sobre sexo ou saúde mental, penso neles lendo e comparando meu eu real com meu eu da internet, talvez analisando a coisa toda para seu próximo trabalho sobre psicologia e pavoneamento nas redes sociais. Minha terapeuta pode estar lendo isto agora. Se sim, na verdade vou estar livre na quarta-feira, no horário de sempre.

Você não consegue ver sua vida sem terapia

Tenho pensado se a terapia não se tornou uma muleta de conforto cara para mim. Quando um terapeuta me contou que estava para embarcar num cruzeiro de três semanas dali uma semana, fiquei ultrajada, pensando "Que egoísta. O que você espera que eu faça agora? Cuide de mim mesma?" Já me disseram "Você não vai acabar ficando sem ter nada do que falar?" (Não. Tenho uma doença crônica e a saúde mental não é uma coisa que tem fim, nem minha capacidade de falar merda.) Eu já disse a mim mesma em certos momentos: "isso não é legal, né, sair da sua consulta às 8h visivelmente perturbada para chegar correndo no trabalho. Era melhor passar sem isso".

Mas por que eu não deveria continuar na terapia? Estou o mais consistente do que lembro já ter estado. Algumas pessoas tomam remédio a vida inteira. Por que seria problema dos outros o jeito como gasto meu dinheiro ou gerencio minha saúde? Na última década, parei a terapia algumas vezes — porque tive problemas com as consultas na rede pública ou porque sentia que não precisava mais — e toda vez tive recaídas péssimas. Quando eu finalmente conseguia arranjar um terapeuta, ou me reconectar com o antigo, eu tinha piorado muito e levava mais tempo para me reintegrar.

Meu maior medo é que a verdadeira loucura esteja virando a esquina; o tipo de doença severa que não tem mais volta. Sei que é possível para mim perder o contato com a realidade, criar coisas que não estão ali. Não posso esquecer esse fato. Então, no final das contas, estou pagando para um profissional que sabe o que está dizendo reafirmar que "você é um ser humano normal e não está doente" toda semana.

Talvez algum dia eu faça algo além da terapia. Mas se nunca acontecer, estou confortável com a ideia de mais 20, 30 ou 40 anos falando de mim mesma.

@hannahrosewens

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