Mais perto da energia das estrelas
Parte interna de reator do tipo tokamak. Crédito: Bob Mumgaard

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Mais perto da energia das estrelas

Físico brasileiro resolve problema antigo em reator nuclear e torna o sonho da energia por fusão mais próximo da realidade.

A geração de energia por fusão nuclear é sonho antigo da humanidade. Desde a descoberta pelos cientistas europeus Robert Atkinson e Fritz Houtermans, em 1929, tivemos pistas de que, se fosse possível estabelecer uma reação controlada, seria possível usá-la como solução energética.

Embora a palavra nuclear nos cause arrepios, este tipo de geração de energia é algo bom, acredite. Diferentemente das atuais usinas nucleares que utilizam fissão, um reator a fusão seria uma fonte energética muito mais segura e limpa.

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Além de não produzir lixo radioativo, é impossível ocorrer um acidente como os das centrais nucleares de Chernobyl e Fukushima. Isso se deve ao fato da reação de fusão não emitir radiação de forma contínua. Como ela depende de temperaturas extremamente altas, caso aconteça algum acidente, o calor se dissipa e a reação é abortada sem maiores prejuízos ou contaminação.

Como quase tudo na ciência, porém, os problemas aparecem quando tentamos aplicar o conceito. Criar uma reação controlada é, de fato, bem mais complexo do que parece.

Em resumo, a dificuldade de se manter uma reação de fusão nuclear estável e controlada é muito maior do que uma reação de fissão nuclear — a quebra de átomos grandes, como o urânio-235, que acontece nas atuais usinas nucleares.

Na fusão, é necessário atender a uma série de condições para conseguir fundir dois átomos em um terceiro. Entre essas condições está a aplicação de muita, mas muita energia, para iniciar a reação em cadeia. No caso das bombas a fusão nuclear, é usada uma bomba de fissão para espoletar a reação.

O pulo do gato seria manter a reação controlada para que ela gere mais energia do que consome. Até o momento tal condição não foi possível atingir por uma série de problemas, entre eles a estabilização do plasma dentro do reator. (O fato de, desde meados do século passado, a energia a fusão nuclear ser considerada a “energia do futuro”, e quase 70 anos depois esse futuro não ter chegado, é uma pista do tamanho das dificuldades encontradas.)

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Nem tudo está perdido, porém. A pesquisa conduzida pelo físico brasileiro Vinícius Njaim Duarte ajuda a tornar esse sonho tangível. No estudo, publicado em dezembro de 2017 no periódico Physics of Plasmas , do American institute of Physics (AIP), foi possível compreender melhor o mecanismo de interação de ondas com as partículas de plasma dentro de um reator de fusão do tipo tokamak — acrônimo em russo pra "câmara toroidal com bobinas magnéticas"; é, basicamente,uma rosquinha oca onde o plasma é contido pelo campo magnético.

O plasma é o estado físico de cerca de 99% da matéria no universo visível. Para alcançá-lo, os átomos de um gás devem ser aquecidos a temperaturas extremamente altas e, assim, acabam perdendo seus elétrons. “Ele continua parecido com um gás, mas começa a apresentar propriedades eletromagnéticas, o que deixam o plasma muito interessante do ponto de vista da física”, apontou Duarte.

Para realizar a fusão, é necessário que a temperatura do plasma alcance a casa das centenas de milhões de graus Celsius. Com isso é possível fazer com que a energia térmica vença a repulsão eletrostática dos núcleos atômicos, que possuem carga positiva. Logo, confinar o plasma dentro de um reator não é tarefa simples, já que, para manter a reação viável, é necessário evitar a perda de calor e, num último caso, o derretimento das paredes da câmara que confina a substância. Assim, para tornar este tipo de experimento viável, são usados campos magnéticos para contê-lo.

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Vinícius Njaim Duarte. Crédito: Eleanor Starkman/Princeton Plasma Physics Laboratory

Conforme explicou Duarte, existem vários mecanismos que atrapalham o confinamento e fazem com que o plasma seja expelido para fora da região do campo magnético, colidindo com as paredes do reator. “O que estudamos foi o mecanismo de interação de ondas com partículas, que é um mecanismo fundamental que gera a instabilidade das ondas existentes no plasma”, diz.

Essas ondas relatadas na pesquisa são as ondas de Alfvén — elas foram previstas em 1942 por Hannes Alfvén, ganhador do Nobel de Física de 1970 — e, até o estudo presente, ninguém tinha entendido muito bem quais condições experimentais afetam o caráter delas. “O que notamos é que a turbulência do plasma é a condição determinante para a evolução dessas ondas em tokamaks”, comentou Duarte.

Ele relata que, em um primeiro momento, parte da comunidade científica que recebeu a descoberta com certo ceticismo, mas os resultados da pesquisa chamaram atenção dos pesquisadores do maior tokamak dos EUA, o DIII-D, localizado em San Diego. “Eles fizeram esses experimentos em alguns meses e de fato viram que o nosso modelo predizia aos resultados que obtiveram”, relatou o físico.

Aumentando as apostas

A descoberta do estudo de Duarte aumenta a expectativa para a realização do maior experimento já feito em fusão nuclear, o ITER — um protótipo de reator do tipo tokamak que têm previsão para conclusão da construção em 2025. As proporções do projeto impressionam. Seu custo deve passar da marca dos 20 bilhões de euros e conta com a participação de Estados Unidos, Japão, Índia, China, Coreia do Sul, Rússia e União Europeia — o Brasil acabou não se associando ao projeto. As proporções e esforço envolvidos levaram o projeto a ser comparado com a construção da grande pirâmide de Gizé, no Egito.

De acordo com o físico brasileiro, os próximos passos de sua pesquisa são considerar as condições dos experimentos que serão realizados no ITER. “A grande diferença é a dimensão. As décadas de pesquisa apontam que o reator não pode ser pequeno para ser estável, além disso haverá a aplicação de novas tecnologias e materiais no experimento”, comentou.

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As projeções são de que, apesar de não ser ligado à rede de distribuição de energia, o ITER deverá gerar 10 vezes mais energia do que consome. Caso o experimento tenha sucesso, essa será a primeira vez que um gerador a fusão nuclear gerará mais energia do que consome, o que deve provar — ao menos cientificamente — sua viabilidade.

Apesar do avanço, como é de se imaginar, nem tudo são rosas no desenvolvimento deste tipo de tecnologia. Conforme apontou Ricardo Galvão, coordenador da parceria entre USP e Princeton e atual presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a pesquisa é um acréscimo importante no desenvolvimento de reatores a fusão nuclear, mas “não resolve o problema de fusão como um todo”.

Ele aponta que é difícil estimar em quanto tempo teremos usinas a fusão, pois, mesmo com cerca de 80% das reações que acontecem dentro de um reator ser bem entendidas, ainda existem alguns problemas sérios que precisam ser resolvidos antes desse tipo de energia se tornar realidade. “Esses reatores produzem nêutrons (partículas sem carga elétrica) muito energéticos que provocam danos de radiação às paredes do reator, por exemplo”, aponta o coordenador.

Como os físicos costumam dizer: é um passo curto de cada vez. Ainda assim, bom saber que um brasileiro ajudou nessa longa caminhada de uma energia mais limpa e segura.

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