O cara que transforma velhos Volvos em velhos Volvos elétricos
Pollitz verificando a combustão e a pressão do óleo de um desgastado motor B18 para um cliente. Créditos: Trevor Keaton Pogue

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O cara que transforma velhos Volvos em velhos Volvos elétricos

Numa pequena oficina de Seattle, nos EUA, o mecânico Matt Pollitz ensina como realizar conversões elétricas em um clássico dos anos 60.

Pode perguntar ao seu pai: não existe nada igual ao Volvo vintage. Encarar o volante desses carros é conhecer a mais pura alegria da prática automotiva. Eles são os romeiros da estrada. Com quase meio século de existência, representam o passado e também o que apaixonados por automóveis esperam do futuro — são simples, grandalhões e um deleite para os olhos.

No fim de uma rua esburacada de Seattle, nos Estados Unidos, o mecânico Matt Pollitz, proprietário da oficina X-Ray Auto, ganha a vida mantendo a maior comunidade americana de Volvos antigos na estrada. A garagem dele é um museu ativo desses bens de consumo suecos. Capôs e bagageiros se alinham nas paredes como retratos de crianças adotadas. Cada um traz consigo uma história que só Pollitz conhece.

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"Antes de abrir a oficina, eu era apenas um proprietário amador de um Volvo, como muitas outras pessoas", disse ele. "Aprendi rapidinho que a maneira mais barata de manter um Volvo em funcionamento era ter autopeças em mãos. Com o tempo, outras pessoas começaram a me pedir para fazer consertos."

O resultado dessa epifania inicial está nítido do chão ao teto: são inúmeras prateleiras de inventário, com diversas peças e sucatas adquiridas ao longo do tempo Para alguém de fora, é uma bagunça e tanto. Para Pollitz, é um recurso valioso.

A traseira pintada do primeiro Volvo vintage elétrico, o Gazelle. Créditos: Trevor Keaton Pogue

Assim como a própria Seattle, a comunidade de Volvos vintage está em fluxo contínuo. Os habitantes locais que costumavam dirigir os carros porque eram seguros, cômodos e de fácil manutenção para a mecânica caseira agora estão vendendo os autos para trocar por modelos mais novos. Pollitz foi por outro caminho. Em resposta ao prognóstico de futuro ambiental, a X-Ray começou a experimentar conversões elétricas dos Volvos.

O primeiro Volvo vintage elétrico foi produzido por Pollitz e uma equipe de voluntários da Associação de Carros Elétricos de Seattle (SEVA) em março de 2010. O modelo selecionado foi um 1965 P544 branco, perolado, chamado Gazelle, que, visto de costas, lembra a traseira arredondada de uma maria-fedida (só que mais bonitinho). Apesar do carro ainda funcionar bem, a proprietária sueca Jeanette Meade preferiu torná-lo elétrico pois simpatizou com a ideia de um Volvo antigo, estiloso, com um toque de século 21.

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"No começo, por ser um protótipo de carro, eu não sabia se daria certo ou não", disse Meade. Após breve período de adaptação, ela não poderia estar mais contente. "Sou muito apegada ao meu carro", diz ela agora, seis anos depois. "É fácil de dirigir. É bem silencioso e rápido. Até hoje, às vezes, me esqueço de ligar o carro, de tão silencioso que é." A autonomia, diz Meade, é de 40 quilômetros por recarga.

Pollitz preparando a garagem para o expediente por vir. Créditos: Trevor Keaton Pogue

Volvos antigos entram e saem da oficina X-Ray todos os dias. Até agora, todos os carros, exceto o de Meade, contam com os motores de combustão interna, de quatro cilindros, do projeto original do Volvo, que são extremamente ineficientes, mas duradouros. Se depender de Pollitz, os próximos serão diferentes. "Mal posso esperar para deixar essa porcaria de lado", disse ele enquanto levantava um motor do chão e mexia nele com um par de garras-jacaré.

Se o carro-fonte estiver em boas condições, Pollitz e a SEVA não demoram muito para levar os clientes de volta para o futuro: removem o motor de combustão interna, içam o radiador (agora supérfluo), o motor de arranque e o escapamento, e largam tudo no ferro-velho. Eis o caminho para a libertação total do mercado da gasolina. Basta ter bolsos gordos.

O alicerce dos carros elétricos modernos — baterias de íon-lítio recarregáveis — está na área há 10-15 anos já. Diferentemente de suas predecessoras, as baterias de chumbo ácido (imagine a bateria-padrão de um carro), o lítio oferece aos veículos elétricos um alcance maior de quilometragem e uma expectativa de vida de aproximadamente 10-12 anos. É um baita salto, tendo em conta os 24 meses do chumbo ácido. Além da tecnologia avançada da bateria, a pós-venda do carro elétrico, que inclui componentes fundamentais como motores, sistemas de administração de bateria e controladores de potência, está cada vez mais acessível graças a grupos partidários como a SEVA e, claro, graças à internet.

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No entanto, embora o preço das peças esteja diminuindo gradativamente, ainda custa 15 mil dólares transformar um Volvo antigo, completamente funcional, em uma alternativa elétrica. Muito disso se deve ao custo alto das baterias. Com a reconstrução e instalação dos veneráveis motores B18 em torno dos 6 mil dólares na X-Ray, a faixa de preço de conversão e reposição de peças ainda é muito alta para muitos clientes de Pollitz.

"Estou atrás de subvenções para contrabalançar o preço das conversões", disse Pollitz. Enquanto esse dia não chega, Kent Bakke, empreendedor local, motorista de carros elétricos de longa data e membro da SEVA, encarregou-se de financiar o custo dos primeiros dois protótipos da oficina X-Ray. "Chamo isso de patrocínio. O financiamento meio que implica emprestar dinheiro e ganhar de volta", disse Kent, jocoso. Mas não é bem o caso de Kent.

Como membro da SEVA, segunda maior divisão da Associação de Automóveis Elétricos dos Estados Unidos, grupo partidário da adoção disseminada da carros elétricos e educação sobre o tema, Kent conhece os obstáculos inerentes à conversão de um carro de gasolina para eletricidade. Endinheirado, ele oferece as duas coisas que pode oferecer: capital e acesso a uma vasta rede local de especialistas em carros que desempenham um papel importante na mão-de-obra necessária para converter os automóveis.

Além de ajudar Pollitz a romper com o mercado de gasolina, o patrocínio de Kent encoraja todos os envolvidos a aprenderem um pouco mais em todo estágio do processo. Com cada conversão, seja de um Volvo antigo ou outro modelo, os membros da SEVA compreendem melhor os requisitos para transformar os carros elétricos em realidade para mais habitantes de Seattle. "Parte do negócio", disse Kent, referindo-se ao patrocínio, "envolve promover os veículos elétricos. Quanto mais deles por aí, melhor."

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O próximo passo do experimento é equipar Pollitz com uma conversão própria. O carro, um Volvo Duett 1995, hoje utilizado como veículo cotidiano pela esposa do mecânico, servirá de modelo para clientes e deve ser lançado no próximo semestre. A nova conversão deverá apresentar um alcance de 130-160 quilômetros. A mensagem por trás da segunda conversão é simples: se o próprio Pollitz pode se locomover 160 quilômetros por dia com o carro, cinco vezes por semana, com nada além de energia elétrica em um Volvo vintage, nós também podemos.

Um dos cartazes originais da oficina X-Ray Auto ao lado de sua premiada caixa de som. Créditos: Trevor Keaton Pogue

Os Volvos da metade do século 20 não foram construídos como seus semelhantes. Os motores de quatro cilindros B18 e B20 são uma espécie de mito moderno na comunidade de carros vintage. De 50 anos para cá, não é raro encontrar esses motores em bom estado na casa dos 300-450 mil quilômetros. Não se trata apenas dos motores também. O corpo do Volvo 1965 é feito de aço suíço, renomado, que já se provou firme e forte contra todo e qualquer percalço.

Como mecânico especializado nesses carros, Pollitz já ajudou a restaurar uma série de veículos que passaram a maior parte da vida na estrada. Esses sobreviventes, embora surrados, estão longe de virar causa perdida como viram outros modelos da mesma era que enfrentam condições similares. Conforme Pollitz contou ao jornal Seattle Times em 2010, "não é por acaso que esses carros estão rodando há 40 anos. Com a conversão, não vejo por que não poderiam rodar mais 40."

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Pareado com o Fusca, o Volvo é um dos poucos carros dos anos 60 que ainda se encontra pelas ruas do nordeste dos Estados Unidos. Sem direção hidráulica, janelas automáticas nem elementos eletrônicos complicados que sugam a bateria e os motores, a simplicidade dos carros fazem deles os candidatos ideais para as conversões. Para Pollitz, a escolha é clara. "Faça valer o motor que você tem. Mas quando chegar a hora de reconstrui-lo, considere a conversão elétrica."

Como qualquer carro antigo, um Volvo convertido demanda um senso de responsabilidade por parte do proprietário. O motorista há de atentar para os barulhos do carro e respostas do veículo às variáveis de cada corrida. Embora a fonte de energia seja de 2016, o restante do automóvel ainda é uma criatura dos anos 60. Sem a direção, estabilização e assistência de freios que os motoristas modernos esperam dos carros, sentar-se ao volante de um Volvo de 50 anos de idade é uma prática dedicada. E é um exercício diário.

Maede e seu Gazelle elétrico não podem fazer longas viagens. Por causa das limitações do sistema repaginado de baterias, o conjunto delas não oferece potência o bastante para garantir liberdades do tipo. Mas isso, além de precisar lembrar de carregar o carro na tomada toda noite e planejar os 40 quilômetros de acordo, é apenas parte dos pequenos problemas que vêm com o primeiro Volvo vintage sem gasolina. Com cada obstáculo que Meade encontra (por ora, foram só questões de durabilidade de bateria, ajustes de freios e para-brisas), a X-Ray e a SEVA aperfeiçoam o projeto do próximo veículo.

Volvos vintage elétricos jamais serão alternativas de larga escala aos elétricos modernos. Não há veículos, peças e especialistas o suficiente por aí para realizar o feito. O que Pollitz, Meade e Bakke oferecem no lugar é uma abordagem criativa e — superado o preço inicial da conversão — acessível para a preservação do carro, alinhada com as demandas modernas de um futuro mais consciente em relação ao meio-ambiente.

Conforme o Tesla indicou nos últimos anos, carros elétricos não são mais a onda do futuro. Eles já estão entre nós, prontos para deixar para trás os antepassados de gasolina, um modelo por vez. E com a ajuda da X-Ray Auto, os Volvos vintage certamente entrarão no embalo.

Tradução: Stephanie Fernandes