Um filme sobre vida, morte e 'Lolzinho'
Documentário sobre o impacto do 'League of Legends' na vida dos fãs conta a amizade de dois jogadores brasileiros que teve de ser interrompida por uma tragédia.Crédito: Reprodução/ Live/Play

FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Um filme sobre vida, morte e 'Lolzinho'

Documentário sobre o impacto do 'League of Legends' na vida dos fãs conta a amizade de dois jogadores brasileiros que teve de ser interrompida por uma tragédia.

A última vitória dos jogadores "STG Temidus" e "STG Visa" no game League of Legends foi no dia 6 de junho de 2015. E foi um "stomp", termo usado no LoL quando um time extermina o outro, como foi a Alemanha contra o Brasil na última Copa do Mundo. A partida durou apenas 20 minutos e 46 segundos, pouco tempo para um jogo de LoL. Costumava ser tempo suficiente para a vitória quando "Temidus" e "Visa" escolhiam seus personagens favoritos: respectivamente Kha'Zix e Nidalee. A sinergia dos amigos era tanta que sonhavam em subirem juntos nos rankings do jogo sob a sigla "STG", ou "Stick Together Gaming". Juntos. Colados. Jogando. No dia 29 de junho de 2015, 23 dias depois da última vitória da dupla, a vida deu um "stomp". Victor Alef Lopes, o "STG Temidus", morreu aos 21 anos em um acidente de moto em Araraquara, no interior de São Paulo, quando voltava do trabalho em uma fábrica de alimentos. Carlos Vinicios Garcia, o "STG Visa", de 24 anos, programador e professor do bairro de Maria da Graça, na cidade do Rio de Janeiro, nunca conheceria pessoalmente seu melhor amigo.

Publicidade

A história de amizade de Victor e Vinicios é contada no primeiro episódio do documentário em quatro partes Live/Play, produzido pela Riot, dona do League of Legends, e dirigido por David Roth, cineasta e funcionário da empresa. Neste episódio, divulgado no YouTube nesta quinta-feira, 4 de julho, a história dos amigos brasileiros divide os 20 minutos do vídeo com a ligação entre um produtor inglês de vídeos sobre LoL e seus fãs e as amizades formadas nas lan houses coreanas. A história dos brasileiros, porém, é de longe a mais tocante. Não à toa é a última do episódio. Os outros três vídeos serão lançados quinzenalmente.

Vinicios no quintal de casa. Crédito: Reprodução/ Live/Play

Ultimamente, ouvir sobre League of Legends na imprensa é quase sempre ouvir sobre o cenário competitivo profissional e a luta para transformar um jogo de computador em esporte, ou e-sport, esporte eletrônico. E a dona do LoL é a capitã dessa reivindicação, principalmente no Brasil. As conquistas nessa direção foram muitas por aqui. O ápice foi a transmissão ao vivo da final do Campeonato Brasileiro de LoL deste ano no canal pago de esportes "tradicionais" Sportv, dividindo espaço com futebol, vôlei, basquete e alcançando média de 120 mil espectadores por minuto.

A série de documentários Live/Play fala outra língua. É uma ode à comunidade de quase 70 milhões de jogadores ativos todo mês, um carinho no público que coloca o joguinho como parte importante da vida. E também uma constatação de que, no fim das contas, este e-sport é também apenas um joguinho divertido. "Alguns dos meus amigos são apaixonados por basquete e adoram a NBA, mas nunca conseguiriam jogar lá. Cada um tem sua relação pessoal com o League of Legends, e eu adoro jogar, estar envolvido com o jogo e trabalhar com pessoas que não vivenciam ele ao nível profissional", afirma o diretor David Roth, em entrevista exclusiva ao Motherboard.

Publicidade

Roth e sua equipe encontraram a história do brasileiro Carlos Vinicios "STG Visa" Garcia entre 7 mil relatos do mundo inteiro. A Riot Brasil pediu as histórias de ligação dos jogadores com o LoL em seu site, e Vinicios, ainda sob o trauma recente da morte do amigo, preencheu o formulário em agosto de 2015 com a esperança de que aquela ligação tão forte, interrompida tão precocemente, ficasse de alguma forma registrada para sempre na comunidade. "Contei a história do meu melhor amigo, uma pessoa muito importante para mim", diz Vinicios ao Motherboard.

Vinicios e Victor se conheceram virtualmente por volta de 2011 durante uma partida de Tíbia, um jogo no estilo MMORPG com temática de fantasia medieval que exige comunicação constante entre os participantes. Os dois estavam do mesmo lado durante uma guerra, mas a guerra estava praticamente ganha. Começaram, então, a conversar sobre outros assuntos, estabelecendo uma relação de amizade. Um desses assuntos foi o League of Legends, que ambos tinham começado a jogar há pouco tempo. Via Skype, passaram a jogar LoL e bater papo ao mesmo tempo.

Victor, falecido em acidente no ano passado. Crédito: Reprodução/ Live/Play

Juntos, se sentiam imbatíveis. "Eu sempre tive um pouco mais de habilidade com o personagem, mas o Victor tinha mais conhecimento do jogo", afirma Vinicios. A posição de Vinicios é a rota do meio no mapa, é um mid laner. Victor jogava na selva, era um jungler, passeando entre as rotas. Por conta da sinergia natural, estava sempre no meio do mapa ajudando o amigo. "Eu acertava a lança da Nidalee e ele chegava pulando de Kha'Zix", diz, sobre seus "campeões" favoritos e suas habilidades.

Publicidade

"Eu passava pelo menos três horas por dia conversando com ele", diz Vinicios. "Muito era sobre o jogo, sobre qual campeão [personagem] estava mais forte, mas também muita zoação um com o outro." No documentário, um áudio de WhatsApp com a voz de Victor deixa bem claro o clima: "Ô seu lixo, doente, demente, palhaço, retardado idiota… (risos) Cadêocê?" Foram 4 anos de amizade virtual. Victor ficou noivo, e Vinicios foi a escolha instantânea para padrinho de casamento, mesmo sem eles nunca terem se encontrado pessoalmente.

Vinicios abraçando o pai de Victor. Crédito: Reprodução/ Live/Play

"Tratamos do assunto com o Victor por quatro meses antes de viajarmos para filmar", afirma David Roth. "Não queríamos pular na história sem antes desenvolver um relacionamento." Além das filmagens na casa de Vinicios no Rio, parte da história incluía uma viagem do rapaz até Araraquara, para ele, finalmente, se despedir do amigo. "Minha maior preocupação foi com a família do Victor. Sem o apoio deles, sua bênção, não ficaríamos confortáveis em contar essa história", diz Roth. "Sempre que uma empresa resolve fazer algo assim é vista com uma desconfiança natural. 'Vocês vão contar só um ângulo', 'Vocês vão manipular a história', 'Vocês querem vender um produto'. Mas todo mundo envolvido no projeto conhecia bem o jogo e a relação que as pessoas têm com ele."

A viagem de 8 horas de ônibus foi feita em fevereiro de 2016, uma semana após o Carnaval. O irmão mais velho de Vinicios pediu para ir junto, mas ele preferiu viver a experiência sozinho, tendo apenas a equipe de Roth como companhia. "Nunca tinha sentido a morte tão perto de mim", diz Vinicios. "Conheci os pais dele de luto, mas felizes de saber que o filho dele era tão amado." Outro amigo dos dois, de Vitória, no Espírito Santo, viajou por conta própria até Araraquara para também prestar homenagens.

Crédito: Reprodução/ Live/Play

"Eu achava que entendia a relação das pessoas com o jogo, mas não sabia o quão profundas elas eram até entrar na vida dessas pessoas", afirma David Roth. O diretor mal teve tempo de conhecer o Brasil, mas diz que prefere conhecer os lugares a trabalho. "Eu adoro contar a história das pessoas e imergir em sua cultura. Quando estávamos na casa do Vinicios, ele preparou um churrasco para nós que acabou ficando de fora do corte final do vídeo. Ele nos serviu picanha (diz, com sotaque inevitável). Nós literalmente dirigimos 8 horas até Araraquara, onde Victor vivia. Eu nunca conheceria Araraquara como turista. Eu definitivamente conheceria o Rio, provavelmente São Paulo, mas nunca Araraquara", afirma o diretor.

Desde a morte do amigo, Vinicios prometeu a si mesmo que manteria sua conta no LoL pelo menos no Diamante, segundo maior elo do jogo. Não tem conseguido se dedicar o bastante. "Às vezes, eu e o Victor ficávamos 10 horas por dia dedicados ao LoL, jogando e vendo vídeos de outros jogadores", diz Vinicios. "Hoje está difícil de jogar. Para se manter em cima, precisa acompanhar bem de perto o cenário." A visita de David Roth, porém, foi mais uma das experiências transformadoras que o LoL proporcionou ao rapaz. "Viajei 8 horas num ônibus com três gringos. Aqui em casa, fiz um churrasco e um dos caras da equipe, o Chad, ficou bebendo cerveja e batendo papo comigo, contando a história dele, me dando conselhos de vida… Um cara lá da Califórnia, no meu quintal", diz.