Barreira de proteção da PM isolando abordagem policial em frente ao Shopping Light durante o primeiro ato do MPL no dia 10 de janeiro. Foto: Marcos Fantini/VICE
Por meio de um decreto publicado no último sábado (19) o recém eleito governador do Estado de São Paulo, João Doria, regulamentou a Lei n. 15.555/2014 que entre algumas disposições proíbe por lei o uso do máscara em manifestações e também exige um mínimo de 5 dias de aviso prévio dos organizadores de qualquer protesto com a Polícia Militar para poder ir às ruas, entre outras especificações. Convenientemente assinado após o segundo ato do MPL, o qual a PM sequer deixou os manifestantes saírem da Paulista, o decreto é visto com preocupação e gerou críticas de juristas por passar por cima de direitos básicos conferidos na Constituição Federal de 1988 e impedir o direito da ampla manifestação.Segundo Camila Marques, advogada e coordenadora do Centro de Referência Legal da Artigo 19, o decreto de Doria traz uma série de problemáticas sobre direitos básicos do cidadão e também faz parte de um intenso aparelhamento estatal desde as Jornadas de Junho de 2013 para repressão de manifestações em São Paulo e no restante do país. "Nós já monitoramos o cenário de violações desde 2013 e o que podemos dizer é que não houve praticamente nenhum avanço significativo de 2013 pra cá, pelo contrário, nossas análises sinalizam (…) uma sofisticação nos instrumentos de repressão (…) e no Executivo vimos uma série de medidas burocratizantes e normativas que trazem esse verniz de legalidade pra práticas abusivas e inconstitucionais. A gente vê absolutamente que existe uma ação coordenada para a restrição do direito de protesto no Brasil", explica a advogada.Dos pontos mais controversos do decreto, está a questão do aviso prévio que exigirá dos organizadores de qualquer manifestação a notificar a unidade policial por meio de um "formulário eletrônico"no mínimo de 5 dias antes da data do protesto. Para quem está familiarizado com a Constituição Federal de 1988, o artigo 5, inciso XVI menciona o aviso prévio, porém não burocratiza o aviso no texto legal e muito menos estabelece um prazo. Considerando que muitos protestos podem ser marcados de um dia para outro ou até acontecerem de forma espontânea, a medida viola o direito da ampla manifestação na interpretação de Marques."Nós já analisamos os debates dos parlamentares na época da Constituinte e ficou claro que os parlamentares queriam garantir o direito de ampla manifestação, deixando evidente que o aviso prévio serve apenas para facilitar o direito da manifestação para organizar a logística de trânsito e outros aspectos. O aviso prévio, de acordo com os constituintes, é importante para que o ato tenha começo meio e fim," diz.Para além do aviso prévio e sua preocupante burocratização, a coordenadora também aponta para a obrigação dos organizadores terem que submeter à aprovação da Polícia Militar o trajeto que será percorrido pelos manifestantes. Essa questão sempre foi usada pelas autoridades como desculpa de intervir com violência em manifestações -- especialmente as do Movimento Passe Livre, grupo que decide o trajeto na hora do ato de forma democrática entre todos os manifestantes.O uso de máscaras ou qualquer outro apetrecho que cubra o rosto também foi mencionado no decreto como proibido e caso algum manifestante ocultar o rosto numa manifestação este poderá ser revistado pela polícia e levado à delegacia para responder ao crime de desobediência. No entanto, segundo a advogada, o uso de máscaras não é crime e por não estar previsto no Código Penal como um delito não cabe ao Poder Executivo do estado (no caso, o governador) de atuar como o Legislativo. "Por conta nosso princípio de separação dos poderes, os agentes responsáveis no Estado brasileiro pela especificação de um delito é o Legislativo e não o Executivo".Junto com a proibição do uso de máscaras, o decreto também estabelece que pessoas sem nenhum tipo de identificação no protesto poderão ser levadas até uma delegacia para averiguação. A polícia responsável, inclusive, poderá entrar em contato com parentes ou ligar no serviço da pessoa detida para saber mais detalhes. "No caso das máscaras, nossa Constituição garante o direito ao anonimato e a liberdade de expressão e a Artigo 19 acredita ser inconstitucional essa proibição. No caso da polícia entrar em contato com o empregador caso o manifestante não tiver uma identificação consigo é uma clara violação do direito de defesa e direito à privacidade", frisa Camila.No entanto, não há qualquer proporcionalidade ao questionar às ações das autoridades. Em diversos protestos, pacíficos ou que terminaram em confrontos, os policiais militares sempre estão de rosto coberto e sem qualquer tipo de identificação na farda que possa ajudar na denúncia de violência policial.Além da proibição de uso de máscaras e a burocratização extrema do direito de manifestação, há também um dispositivo no decreto que proíbe a presença de armas brancas e objetos pontiagudos em reuniões com mais de 300 pessoas. Apesar da Constituição Federal dizer que é proibida a presença de armas em protestos, não cabe ao Poder Executivo legislar sobre o tema ao dizer quais objetos não podem ser carregados pelos manifestantes. No caso do decreto, segundo a advogada, abre vazão para qualquer instrumento ser usado como desculpa pelas autoridades para revistas indevidas e detenções arbitrárias.Há quase mais de 5 anos, o país tem visto uma série de medidas que partem do Estado para validar a repressão descabida no direito da ampla manifestação dos cidadãos. O caso do decreto assinado por João Doria sinaliza o tipo de medida que vimos durante esse período pós-Jornadas de 2013, como também a Lei Antiterrorismo, que abre interpretações para a criminalização de manifestações sociais.Siga a VICE Brasil no Facebook , Twitter, Instagram e YouTube.
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