No aniversário da primeira trip de ácido, o que sabemos sobre o LSD?
Carro alegórico de um unicórnio, no Burning Man - Fotografia de Michael & Sandy/Flickr

FYI.

This story is over 5 years old.

cenas

No aniversário da primeira trip de ácido, o que sabemos sobre o LSD?

A ciência desmente alguns mitos que se foram espalhando sobre esta droga nos anos 60.

Somente umas quantas experiências individuais com drogas são conhecidas por milhões de pessoas. A dose de mescalina, de Aldous Huxley, imortalizada no livro As Portas da Percepção (1954), é uma delas. A outra foi em 1797 quando Samuel Taylor Coleridge, sobre o efeito do ópio, consagrou as suas visões no poema "Kubla Khan". Mas existe uma trip tão famosa que tem o seu próprio aniversário: O Dia da Bicicleta, 19 de Abril de 1943. A primeira trip do mundo. Aqui está o essencial: o químico suíço Albert Hofmann, enquanto trabalhava nos laboratórios da Sandoz Chemicals, acidentalmente absorveu LSD-25 através dos dedos. O que veio a ser vendido mais tarde como "Delysid" pela Sandoz, foi uma das muitas moléculas sintéticas criadas na busca de Hofmann para tentar prevenir a hemorragia pós-parto. (O homem que criou o alucinógeno mais adorado do mundo só estava a tentar impedir a morte das mulheres durante o trabalho de parto. E conseguiu, as duas coisas.) Horas depois, quando ia de bicicleta para casa, o mundo brilhava intensamente. Sendo uma pessoa totalmente inexperiente em relação às drogas recreativas, Hofmann estava confuso, então decidiu experimentar individualmente para aprofundar um pouco mais o seu conhecimento. No dia 19 de abril, bebeu 250 microgramas às 4:20 da tarde, certamente uma das coincidências mais tripantes da história. A primeira viagem do mundo esteve longe de ser divertida. "Um demónio invadiu-me, tomou posse do meu corpo, da minha mente e da minha alma", escreveu Hofmann no seu livro. Embora o brilho que se prolongava fosse muito agradável, Hofmann odiava o choque inicial. "A última coisa que eu esperava era que esta substância encontrasse qualquer outra aplicação que não fosse a de uma droga recreativa." Em vez disso, tinha esperança que o LSD "poderia ser para a psiquiatria o que o microscópio é para a biologia e o telescópio para a astronomia." Uma ferramenta para sondar a mente. Uma incumbência, e não um deleite.

Publicidade

Para desgosto de Hofmann, o ácido "espalhou-se como um inebriante sensacional a uma velocidade epidémica." O seu "filho maravilhoso" tornou-se numa "criança problemática." O LSD estava em todas partes, e levava com ele bastante má fama. O ácido lisérgico foi difamado: o LSD tornou-se sinónimo de psicose, suicídio e danos cerebrais. Mas será que as provas científicas correspondiam à percepção do público? Os artigos lançados pelos meios de comunicação deram o tom. A revista Time gritou bem alto que a América estava a sofrer "An Epidemic of Acid Heads" em 1966, relatando que os afectados pelo LSD estavam a "migrar" para o Instituto de Neuropsiquiatria da UCLA. Outras publicações papaguearam "15 por cento dos doentes em enfermarias psiquiátricas" foram vítimas de psicose induzida por ácido. Os pais começaram a ficar preocupados que os seus filhos se tornassem num dos que saltavam pela janela porque "pensava que podia voar." Estudos alegavam que o LSD causava "chromosomal damage." Alguns casos isolados sugeriam que o ácido poderia provocar leucemia. Os medos psicadélicos escalaram das consequências físicas para um caos social total. Os artistas e criativos estavam especialmente em risco. Os alucinógenos "possuem uma atração especial para determinadas pessoas psicológica e socialmente desajustadas", incluindo "estes artistas, como escritores sem inspiração, pintores e músicos", declarou um boletim da Organização Mundial de Saúde.

Publicidade

"Se alguém morresse ao cair de uma janela sob o efeito do LSD, o mito urbano era que estavam a 'tentar voar'."

Se alguma coisa mostrou do quão perigoso era considerado o LSD, foi a Operação Julie. O culminar de dois anos e meio de investigação, no dia 26 de março de 1977, 120 pessoas e 6,5 milhões de doses de LSD foram apreendidas. Vendido a uma libra cada quadradinho, os "microdots" foram disseminados, alegadamente para fins filosóficos e não financeiros. "Eu considerava o LSD como uma ferramenta valiosa para ajudar as pessoas a verem realmente a beleza transcendental do nosso lar", escreveu Leaf Fielding, um dos detidos, nas suas memórias To Live Outside the Law." Os Trippers não destruirão o planeta." Abençoa.

Fotografia: Psychonaught/Wikimedia.

Uma vez, Fielding tomou acidentalmente uma quantidade monumental depois de entornar milhares de cristais e tentar recolhê-los com a mão. "Eu caí de joelhos e afundei-me neles, sendo incapaz de mexer-me por mais de 4 milhões de anos", escreveu ele. É impossível especificar a quantidade de ácido que ingeriu, "mas certamente milhares de trips", disse-me ele desde a sua casa no sul de França. Será que esta experiência o alterou irreparavelmente? "Estive destruído durante uma semana mais ou menos", riu-se. " Mas não diria que tenha sofrido uma alteração permanente." Para ser justo, na minha perspectiva e pelo que ouvi ao telefone, ele está perfeitamente lúcido. Do ponto de vista estatístico, argumenta Fielding, se o LSD tivesse a capacidade de causar danos irreversíveis no cérebro, muito mais gente teria acabado em instituições para doentes mentais. Hoje não temos só a clarividência retrospectiva (spoiler alert: os alucinógenos não trouxeram a paz mundial), mas muitos dados para analisar. Então e que nos dizem os números? A maior parte dos medos iniciais foram descartados. O LSD danifica o ADN? Em 1971 uma publicação no jornal Science derrubou estas alegações. O LSD leva-te a acreditar que podes voar? Provavelmente não, mas sem dúvida alguma que uma embriaguez lisérgica pode levar-te a provocar lesões idiotas. A conselheira para as drogas de Ottawa, Canadá, Lisa Zimmerman, testemunhou como uma menina, ao tentar subir para um unicórnio gigante, quase partia as pernas. Advertência: o unicórnio era real, e estava a vaguear pelo deserto durante o Burning Man 2014 como um carro alegórico baseado no desenho animado "Charlie O Unicórnio." "O nosso carro 'A Arquibancada' [bancadas de um estádio na parte de trás de um camião] quase colidiu com o unicórnio a meio da noite, era muito complicado conduzirmos naquela escuridão. Toda a gente que estava na fila da frente encolheu as pernas quando o Charlie se aproximou", lembrou Zimmerman. "Excepto uma menina, que entusiasticamente esticou as pernas e por pouco não as esmagava entre os dois camiões. E tudo isto, porque estava sob o efeito de ácidos e pensava que o Charlie era feito de almofadas."

Carro alegórico 'The Bleachers'. Fotografia: Gwen Schroeder.

A maior parte das pessoas provavelmente não iria negar que o ácido, assim como álcool e a marijuana, pode levar pessoas a fazerem coisas estúpidas. "Algumas pessoas já morreram, sob o efeito de LSD, mas há que ter em conta que já foram tomadas pelo menos meio bilhão de doses ao longo dos anos, então é natural que isso possa acontecer", disse Teri Krebs, do Departamento de Neurociência da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, em Trondheim. "Se alguém morresse ao cair de uma janela sob o efeito do LSD, o mito urbano era que estavam a 'tentar voar',"
diz-nos Pål-Ørjan Johansen, um psicólogo clínico e colega de Krebs. "A lenda de que se podia voar era pura especulação e hoje em dia já sabemos que lesões graves associadas com LSD são extremamente raras." Krebs e Johansen estão a tentar aumentar o acesso controlado a psicodélicos, e iniciaram uma campanha de angariação de fundos para criar uma fonte confiável de psilocibina para uso médico. A grande questão é, disse Krebs e Johansen: as pessoas que tomam psicadélicos têm mais probabilidade de desenvolver psicose, tendências suicidas, ou outras formas de doença mental? Eles analisaram uma série de levantamentos da US National Survey on Drug Use and Health (NSDUH) - uma amostra anual de Americanos - entre 2008 e 2011, abrangendo mais de 135 mil pessoas. O estudo, publicado no mês passado, não encontrou nenhuma ligação entre ter consumido psicodélicos, como o LSD, e os problemas de saúde mental posteriores. Um outro estudo na mesma edição do Journal of Psychopharmacology também não encontrou nenhum aumento de risco de suicídio em pessoas que tivessem usado drogas psicodélicas. Mas o consumo de psicodélicos nunca provoca psicoses? O Dr. Henry David Abraham começou a documentar casos de "hallucinogen persisting perception disorder" (HPPD) - perturbações visuais permanentes - em 1971. Escreveu os critérios de "HPPD" para o Manual de Diagnóstico e Estatística (a bíblia da psiquiatria). Alguns investigadores contestam a validade da condição, incluindo Krebs e Johansen, que apontam para outros estudos que encontraram sintomas do HPPD - denominado por "neve visual" - em pessoas que nunca usaram drogas psicodélicas. Abraham, por sua vez, aponta para outros estudos que demonstram que mais de quatro por cento das pessoas que tinham consumido psicodélicos apresentaram sintomas visuais persistentes.

"Apesar de que os relatos sobre "flashbacks" entre outros tenham sido muito exagerados na década de 1960, o LSD não está isento de riscos."

Mas Krebs, Johansen e Abraham partilham alguns pontos de vista. "Fundamentalmente eu estou ao lado de todos aqueles que lideram esta mudança de rumo para começar a explorar-se os aspectos positivos destas drogas, depois de tantos anos de repressão draconiana a uma série de pesquisas legítimas", disse Abraham, que é a favor de estudos que investiguem os potenciais benefícios médicos dos narcóticos ilegais. Mas as consequências psicológicas não devem ser banalizadas. "Muitos dos novos investigadores deste campo não estão a ter em conta os efeitos colaterais", disse ele. Em outras palavras: qualquer droga - farmacêutica ou de outro tipo - podem tanto prejudicar, como curar. "Apesar de que os relatos sobre "flashbacks" entre outros tenham sido muito exagerados na década de 1960, o LSD não está isento de riscos, particularmente para pessoas com predisposição para a psicose ", disse Amanda Feilding, directora da Fundação Beckley. Ela liderou a investigação sobre os benefícios medicinais de substâncias regulamentadas durante décadas, como a cannabis para a dor, ou o LSD para a ansiedade em pacientes com cancro em fase terminal. "Mas é inegável que o LSD é uma substância muito poderosa e, a menos que seja usada de uma forma responsável, pode perturbar a estabilidade mental, especialmente se tomado em condições inadequadas. Essas vítimas podem precisar de muito tempo para se recuperarem ", disse ela. Albert Hofmann, aliás, tomou LSD em doses diminutas até ter 96 anos e viveu até aos 102. "Albert era a pessoa mais charmosa e, possivelmente, a mais feliz que eu alguma vez conheci. Mesmo com 100 anos de idade, ele tinha um brilho nos olhos, provavelmente porque sabia o presente maravilhoso que tinha oferecido à humanidade ", disse Feilding. "Durante um tempo ele esteve envolto em tristeza por culpa do seu "filho maravilhoso" e o seu uso indevido mas, agora, espero que estejamos a entrar numa nova era que será mais cuidadosa no uso deste elixir".