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Ser empresário sem hipotecar o corpo e a alma

Porque afinal, a necessidade aguça o engenho.

Era uma vez, dois amigos. O Tarik e o Laurent. Dois indivíduos descontraídos, pensadores e amantes da boa vida. Fluentes na arte de procrastinar. Ambiciosos, à sua maneira.

Uma noite, já bem embalados, tiveram uma ideia. Como é costume (pelo menos no meu caso), quando estamos sob o efeito de substâncias menos lícitas temos milhões delas. Cada uma mais louca e fantástica que a outra, todas óptimas e incríveis, como é que não nos lembrámos daquilo antes, certo? Riram, cortaram pedaços de cartão, debateram, e chegaram ao inevitável xixi-e-cama.

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Surpreendentemente, na manhã seguinte a ideia ainda era boa. E funcionava. Tratava-se de um objecto, composto por duas peças, que acopladas se transformavam numa espécie de suporte em forma de Xis. Um objecto, encantador pela sua simplicidade, onde se apoia a mortalha para conceber e enrolar um charro, com uma dificuldade mínima, sem desperdício, nem porcarias. Afinal, a necessidade aguça o engenho. Era uma boa ideia, mas tinha pernas para andar?

Falar com a Elizabeth – a mãe do Tarik – que é empresária e tem o negócio metido no corpo, foi o ponto de partida para passar do entusiasmo à acção, ou seja, do sofá de casa do Laurent à vida empresarial. Mas as pessoas são o que são, não é? Numa das conversas que tive com o Tarik, ele explicou-me que nenhum dos dois queria abrir mão da sua concepção de empresa. "Se vamos arriscar, arriscamos à nossa maneira. É a maneira que temos de proteger-nos, a nós e às nossas ideias." E acrescentou: "Somos sérios como uma empresa deve ser, mas sem abdicar da humanidade."

Na altura ganhavam a vida a entregar encomendas, e foi assim que se mantiveram durante uns tempos, enquanto desenvolviam o negócio. Foram aconselhados e atentamente acompanhados pelo organismo que os ajudou com a patente e o financiamento. Privilegiaram a produção local e consciente, o que lhes permitiu acompanhar o processo de perto e em detalhe. Um ano passa a correr. "Tens medo?" – perguntei. O futuro não era menos incerto que antes, mas agora era mais contundente. Havia adrenalina no ar. Tinha nascido Hyggle, oficialmente.

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Ilustração de Laurent Daurat

O nome vem da palavra dinamarquesa Hygge, que define a arte de tornar uma actividade mundana e simples, em algo prazeroso e especial. Hyggle é a plataforma que alberga Cale Feuille, o objecto estrela que lançam durante estes dias, e que podes encontrar, de momento, nas tabacarias de Limoges e de Paris. Mas é muito mais que isso. É a casa de muitas outras ideias que esperam um dia poder pôr em prática. Noutra conversa que tivemos explicaram-me que as ideias são provavelmente o seu capital mais activo. Nunca faltam amigos em casa com vontade de ajudar e participar no processo criativo. Nunca falta esta ou aquela música no ar para inspirá-los e tranquilizá-los. Querem prestar homenagem, e dar ênfase a estes aspectos do quotidiano.

A formação artística do Laurent deixou-o a cargo da comunicação, e tudo o que seja visual. Enquanto que o Tarik absorveu a parte comercial e legal, por intuição e vocação. Para os dois é apaziguador sentir que os elementos se complementam, e que podem existir organicamente.

Imaginam um mundo mais simples e funcional, um pouco à imagem do que acontece com o Cale Feuille. Porque não acrescentar pequenas luzes vermelhas às passadeiras, cada vez que um peão se aproxima de uma? E porque não utilizar drônes para resgatar alguém que esteja em apuros num lugar inalcançável? O mundo é uma amálgama de equações por resolver, e esse é um dos objectivos de Hyggle.