Crédito: Flickr/shujimoriwaki
A internet pode ser um lugar bem bacana para soltar o verbo sobre qualquer assunto, mas o problema é que uma vez que caiu na rede, é pra sempre. Não existe "não gostei, apaga" que possa realmente apagar algumas coisas da vida.A advogada estadunidense Danielle Keats Citron lançou um livro sobre o tipo de coisa que não pode ser apagada da internet: os crimes de ódio.Em Hate Crimes in Cyberspace, Danielle investiga esse tipo de crime, que acontece online, mas tem consequências sérias na vida offline das vítimas. Principalmente se elas forem mulheres – recentemente a imprensa divulgou a história de duas meninas brasileiras que se suicidaram depois de terem imagens nuas divulgadas na internet. Todos os dias meninas e meninos no mundo todo recebem ameaças e comentários maldosos em seus blogs e redes sociais. O problema é que muito pouco pode ser feito sobre isso na justiça.Troquei uma ideia com Danielle recentemente sobre essa noção de que a internet é um lugar sem leis, terra de ninguém, e ela me disse que "não há nada único sobre a internet, que a transforme em um lugar que não podemos tocar. Está cravada na vida real".Motherboard: Em seu livro, por que você compara os crimes de ódio na internet com violência doméstica?Danielle Citron: Eu faço essa comparação da reação da sociedade ao assédio sexual no trabalho e à violência doméstica porque as similaridades são tão impressionantes, o jeito que a sociedade ignora o problema do assédio sexual e a violência doméstica e as respostas a isso há alguns anos é exatamente igual à resposta de hoje sobre assédio online. Nós já falamos sobre violência doméstica coisas como "ah, o lar não pode ser regulamentado, isso não deve ser regulamentado" e as instruções [dadas às autoridades] eram "se você receber uma ligação sobre violência doméstica, acalme todo mundo, mas não faça nada a respeito". É um problema de marido e mulher, a lei não faz parte disso.Nós não víamos como um problema social significativo e endereçado como um problema legal. Era um problema entre os pares, não era sério e todo mundo poderia resolver. E nós ouvimos a mesma coisa sobre assédio online. [As pessoas pensam que] é a internet, como se fosse qualquer lugar – o que não é –, tem suas próprias regras, é o oeste selvagem, nós não temos nada a ver com isso. E se tivermos, estaremos ferindo direitos de liberdade de expressão online, nós não podemos regulamentar, é muita bagunça. E é o mesmo problema que foi enfrentado sobre a violência doméstica, até que o movimento de mulheres enxergou que não era assim, nos ajudou a entender que não era apenas um problema familiar, é um problema social, com um custo seriamente negativo para a sociedade, que o lar não era apenas um espaço privado, mas um espaço no qual nós temos responsabilidade pública de não bater em nossos parceiros.Então é essa mudança de atitude que tivemos nos anos 70, 80, que eu acho que pode acontecer agora, mas isso requereu muito ativismo e agora nós temos que fazer o mesmo.Os casos de violência doméstica acontecem em lugares privados, mas os casos de violência na internet são abertos. A internet é um lugar público?Vamos debater isso um pouco, porque eu acho que isso não é verdade sobre os espaços na rede. Não é um quadrado definido. Os resultados apresentados pelo Google dos nossos nomes são CVs. Quando alguém vai contratar uma pessoa, joga o nome no Google. A ideia de que a internet é uma plataforma de discurso público não é verdade. A maioria dos resultados de uma busca pelo nosso nome leva a páginas privadas, nosso Facebook, Twitter. As pessoas fazem escolhas de discursos que querem fazer ou não na internet.O argumento de que a internet é pública e nós não podemos mudá-la é uma desculpa para achar que foi tudo um mal entendido. Nós temos regras sobre espaços públicos. Você não pode ameaçar alguém em um espaço público, você não pode ir a um prédio público e dizer que vai estuprar alguém e sabe onde ela vive. Você não pode fazer isso. Também não pode perseguir e assediar alguém em um espaço público. Você certamente não pode fazer essas coisas em outros espaços, então não há nada único sobre a internet, que a transforme em um lugar que não podemos tocar. Está cravada na vida real. É um modo de ganhar a vida, é parte pessoal de todo aspecto das nossas vidas. E quando as pessoas são caladas na internet, elas são banidas do discurso público e a gente normalmente não pensa nisso.Por que as vítimas dos crimes de ódio na internet frequentemente são colocadas como culpadas?É o mesmo que dissemos para as mulheres que foram assediadas sexualmente. Lembra-se que dissemos às vítimas do passado "você não limpou a casa direito, não é surpresa que seu marido tenha te batido". É interessante que quando se trata de questão de gênero, nós tendemos a culpar a vítima, mas nós culpamos a pessoa que teve sua carteira roubada na rua? Não. Mas culpamos essas vítimas: "Você estava usando uma saia muito curta, você fez um blog, o que você esperava? Você trocou fotos nuas! O que você esperava?"Eu acho que tem a ver com estereótipos de gênero, porque nós não ouvimos essas respostas em crimes que os homens sofrem algum tipo de bullying. Claro que afeta homens e mulheres, mas mais as mulheres (cerca de 60% a 70%).
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Qual é a diferença de um crime de ódio na internet de um crime de ódio na vida real?Quando falamos de crime de ódio o que queremos dizer é que estamos visando alguém, estamos interferindo em suas oportunidades. O que você está fazendo e dizendo é a mesma coisa online e offline. O impacto pode ser o mesmo também. Se você diz a alguém quem ela não pode trabalhar, a intimida e basicamente a impede de ir ao trabalho, esse crime de ódio é muito similar, apenas com uma estratégia diferente, uma ferramenta diferente, mas com a mesma ideia. Você está interferindo e ameaçando a pessoa.Existem leis que lidam com crimes de injúria e difamação. Essas leis não são suficientes para conter os crimes de ódio? Por que?São as leis de direitos civis. O que é interessante é que nós criminalizamos ameaças baseadas na raça ou religião de alguém ou origem nacional. Mas nós não incluímos gênero ou orientação sexual. E algumas vezes eu acho que o Ato de Direitos Civis é de um tempo quando os alvos de intimidação eram os afroamericanos, judeus, sabe, nós víamos alguns crimes como crimes de ódio. Mas hoje, nós precisamos expandir essas leis para mulheres e minorias sexuais.No Brasil, existem projetos de lei para lidar com crimes de revenge porn. Como você acha que esse crime deve ser encarado?Revenge porn é uma estratégia de assédio online. A ideia de criminalizar revenge porn é um valioso passo de avanço, porque aqui nos EUA as leis contra assédio e perseguição, podem não atingir o revenge porn, porque é apenas uma foto. Stalking e assédio são entendidos como comportamentos repetitivos, então uma ou duas postagens não são suficientes para serem constituídas perseguição ou assédio. O que fazem com essa foto é invasão de privacidade sexual, você está interferindo em uma comunicação privada. Acho que pode ser regulamentado nesses termos. Estamos trabalhando nisso nos EUA, mas parece que o Brasil está na nossa frente nisso.não há nada único sobre a internet, que a transforme em um lugar que não podemos tocar