As nossas distopias tipo exportação

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As nossas distopias tipo exportação

Como a ficção científica brasileira está chamando a atenção do mundo.

ESTE CONTEÚDO É UMA COCRIAÇÃO DE BE BRASIL E VICE ESTÚDIO CRIATIVO.

Que nos últimos anos o mundo parece viver uma obra de ficção científica distópica dessas bem assustadoras, ninguém pode negar. No Brasil, não é diferente. Por aqui os elementos distópicos estão por todos os cantos e, quase sempre, dão a sensação de que o melhor e o pior do país é o brasileiro. Parecia natural, então, que as produções de ficção científica nacionais, antes escondidas nos submundos do audiovisual, chamassem atenção de grandes empresas, de distribuidoras e, claro, dos cinéfilos do mundo todo.

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O exemplo mais marcante é o caso de "3%", a série produzida pela Netflix: o que surgiu como um projeto de alunos de faculdade em 2011 com um vídeo no YouTube se transformou em uma produção com atores globais e muito barulho. O mais curioso, no entanto, foi os diferentes tipos de recepção. Enquanto no Brasil o público e a crítica não se empolgaram muito, nos Estados Unidos surgiram diversos textos tratando a série como um respiro de ar fresco no meio de produções tão parecidas.

Beth Elderkin, jornalista do site de ficção científica io9, escreveu que a série não tem premissa das mais inovadoras, mas traz elementos interessantes como ser uma "ficção científica de uma perspectiva não-americana". Esse sentimento, reforçado pelo público americano em resenhas online, surge principalmente pela saturação de histórias repetitivas em filmes de ficção científica produzidas em Hollywood – ninguém aguenta mais as mesmas franquias, os reboots e as mesmas temáticas, certo?

O criador da série Pedro Aguilera, à época do lançamento de "3%" no Netflix, falou sobre a importância do elemento brasileiro. ""A série é uma distopia que já te joga para outro tempo, e os temas são universais. Já nos particulares, queríamos que a série tivesse cara e características bem brasileiras", diz. "É o clichê do: fale sobre sua aldeia e falará para o mundo."

Essa saturação hollywoodiana e o interesse em algo mais local também dá o tom de um dos filmes de ficção científica de maior destaque do Brasil, o "Branco Sai, Preto Fica", de 2014, do diretor Adirley Queirós. Usando um acontecimento histórico – a invasão, nos anos 80, da polícia militar ao Quarentão, um conhecido baile black em Ceilândia, próximo à Brasília – o filme usa o recurso de viagem no tempo para misturar a história real com uma distopia assustadora. "Funciona um pouco como a ideia do realismo fantástico: algumas coisas não tem como ser ditas sem ser dessa maneira espetacular", contou Adirley em entrevista. Com linguagem original, o longa-metragem conquistou a crítica. Além das resenhas positivas, recebeu mais de uma dezena de indicações para prêmios em todo mundo e ganhou o Festival de Cartagena, na Colômbia, e o Festival de Mar del Plata, no Uruguai.

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O crítico Alfredo Suppia, professor de cinema da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em artigo publicado sobre o filme de Adirley, dá pistas sobre os motivos desse sucesso recente: o "cyberpunk de Terceiro Mundo", que usa uma estética mais decadente e traz uma nova visão em que, para as populações periféricas, "não resta alternativa senão o uso do lixo como tecnologia, num contexto marcadamente pós-colonial (de contexto ibero-americano)". Para ele, "Branco Sai, Preto Fica" abre o caminho e deixou sua marca por seu discurso (o uso político da ficção científica) e estilo.

A produção desses filmes depende, é claro, de investimentos. Apesar de não produzirmos obras de ficção científica que abusam dos efeitos especiais – e nossa habilidade em improvisar sempre é importantíssima nesses momentos – toda boa ideia precisa de dinheiro para andar. O piloto de "3%", por exemplo, só foi produzido por causa do edital FICTV/Mais Cultura, voltado para produção de séries de ficção, mas que só teve uma edição – a série não ganhou o edital inteiro, mas pôde produzir o piloto da série. Já "Branco Sai, Preto Fica" foi produzido graças a um edital focado em documentários.

Embora tenha havido cortes nos investimentos em cultura por causa da crise, o Brasil continua a aplicar bom dinheiro no audiovisual – são R$ 942,6 milhões para 1310 propostas desde 2009 – e possui uma grande variedade de financiamento. Há projetos como o Núcleo Experimental de Cinema, do Museu da Imagem e do Som, em São Paulo. A edição mais recente do núcleo é focada em ficção científica e, no ano passado, produziu o filme de terror "O Experimento". Dezessete pessoas foram escolhidas este ano para participar da produção de um curta-metragem de ficção científica.

São programas de incentivo como esse que permitem diretores, roteiristas e produtores brasileiros veicularem suas obras ao grande público dentro e fora do país. Não à toa, muitos deles preferem expor alguns dos lados mais críticos do Brasil – aqueles nos fazem parecer um enredo de ficção científica. É como se dissessem: a coisa não vai tão bem quanto gostaríamos, mas estamos aqui. Produzindo.