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Tecnologia

​Uma Coisa que Ainda Falta nos Games: Sexo

Se os games são uma fuga do mundo real, por que mais sexo não é opção?
Relacionamentos em Mass Effect culminam em cenas gélidas como essa.

Por que os games temem tanto o sexo?

Parece ser mais uma daquelas perguntas sem resposta. Mas no atual panorama de entretenimento interativo talvez devêssemos nos questionar por que temos tanto medo de ver sexo em games. Só para dar alguns exemplos recentes, surtamos ao ver genitais masculinos em games como Grand Theft Auto IV e, com todo o bafafá em torno da estética de The Witcher 3: Wild Hunt da CD Projekt RED, tudo que conseguimos falar sobre o jogo são as horas de motion capture necessárias para a realização das longas cenas de sexo.

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Trata-se de um estranho tabu. Agimos diante dos consoles como se nunca tivéssemos nos curvado em um sofá e pedido para nossos parceiros carícias em nossas profundezas pulsantes. Mas por qual razão? É natural. É lindo. Se os games são uma fuga do mundo real capaz de tornar tudo possível, por que mais sexo não é opção?

A real é que, para uma indústria de entretenimento que busca ser vista com a mesma maturidade que o cinema ou a televisão, nossos RPGs, nossos jogos de tiro e mesmo nossos jogos de aventura são destituídos de representações maduras de nossos desejos mais humanos e básicos.

É bizarro mas aconteceu: se pegarmos a história dos joguinhos, notamos que os games meio que viajaram para o passado na questão do sexo. No final dos anos 70 e no começo dos anos 80, quando os gráficos computadorizados e games ainda estavam nos primórdios, encontrávamos caminhos para o prazer. Calabouços Multi-Usuários (MUDs na sigla original) viviam cheios de gente participando de jogos sexuais por trás de seus teclados .

Abre-alas para títulos como Softporn Adventure (1981) para o Apple II e Leisure Suit Larry In The Land of the Lounge Lizards (1987) para várias plataformas, esses MUDs e seu explícito conteúdo sexual gerado pelos usuários foram as primeiras tentativas dos games de fundirem o mundo real com o virtual. O foco não era mais a masturbação mútua virtual, e sim explorar personagens e enredos com temática adulta.

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The Witcher é um game que merece ser elogiado por sua interpretação madura do sexo

Com o tempo, nada melhorou. Há uma impressionante falta dessas facetas nas mais populares séries de games e entre seus criadores. Os únicos romances que restam aos gamers se dão por diálogos ou na escolha de desenvolver um relacionamento com outro personagem por meio de características superficiais de personalidade ou, ainda, em interesses românticos que acabarão como peças importantes nas batalhas como em Mass Effect ou Dragon Age, da Bioware.

Os enredos dos games nos apresentam infâncias complicadas, frases de efeito bestas e a ilusão o desejo, mas nunca a adrenalina do que é se apaixonar ou sentir tesão. E convenhamos: nada pode comunicar ou capturar uma paixão melhor do que uma cena de sexo.

Mas é muito provável que nunca vejamos nada assim. Para muitos da indústria dos jogos virtuais, o sexo é visto como um ato tão horrível que deve ser escondido. Você passa horas se debruçando sobre as escolhas certas de diálogo e ações para agradar o homem ou a mulher de sua preferência dentro do game e, como resultado, vê uma cena péssima de sexo que só e percebida como tal por causa dos sussurros e peças de roupa em locais estratégicos. E vale ressaltar que em geral é uma cena de sexo heterossexual já que pouquíssimos jogos permitem um relacionamento que vá além de homem e mulher. O "objetivo" é sempre levar os personagens à cama. E eles ficam lá, juntos. Bem juntinhos. E só.

Nunca temos oportunidade de explorar o ato amoroso. E qual o sentido disso?

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De fato há um lugar para esses games eróticos mas, no final das contas, é algo que se assemelha a gritar "buceta" ou "pinto" o mais alto possível e sem qualquer contexto

Presume-se que em alguns jogos haverá um momento no enredo em que entrarão em cena casamento, filhos ou demais restrições da "sociedade educada" dependendo das escolhas dos jogadores. O curioso é que não há uma análise de relações humanas saudáveis sem explorar o lado sexual dos personagens com os quais supostamente você desenvolveu uma ligação "real". É isso que resta aos gamers quando entram no mundo dos grandes jogos em busca de experiências mais adultas e, com exceção de alguns momentos brilhantes aqui e ali, simplesmente não resta muito no que se segurar.

Mesmo ao se deixar para trás as limitações dos desenvolvedores de games AAA, não há nada de muito interessante na questão de expressão sexual nos games. Ao passo em que os independentes se contentam em criar jogos artísticos que flertam com a ideia do sexo sujo e sacana ou mesmo uma noite romântica com seu parceiro, a maioria falha ao não captar o clima ou mesmo a ação sexual. Os jogadores acabam navegando por uma série de labirintos com alguns encontros sexuais (Ute de Lea Schönfelder) ou exploram como uma jovem pode entender como o ato se dá (How Do You Do It? de Nina Freeman).

De fato há um lugar para estes games mas, no final das contas, é algo que se assemelha a gritar "buceta" ou "pinto" o mais alto possível e sem qualquer contexto. Podemos gritar sobre transar de quatro e fazer piadas sujas sobre sexo oral em games, mas por que não dar um passo além e permitir que os jogadores façam isso? Por que nos contentarmos com aventuras textuais que provocam com linguagem explícita a intenção de excitar quando poderíamos desempenhar os atos?

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Alguns criadores de games como Christine Love (Ladykiller in a Bind) criam romances visuais intrincados para dar um ar de normalidade à interação. Estas histórias, mesmo em seus princípios mais básicos, introduzem noções de BDSM. Dominação e fetiches assumem posição de destaque no lugar de flertes inócuos e cenas de sexo errantes vistas nos mesmos tipos de games que os colegas de Love fazem. Acima de tudo, ela quer contar uma história. No fundo é um conto com inspiração em anime japonês com personagens com os quais podemos nos identificar.

A Bioware acerta com o carinho e intimidade em Dragon Age, mas ainda foge de conteúdo mais sexual

Se há um tipo de game que poderia mudar atitudes quanto ao amor, sexo e relacionamentos na indústria, este é o romance visual, que incorpora elementos de diversos gêneros e oferece aos gamers um espaço para explorar o desconhecido. Verdadeiros portais para mundos magicais, relações lindas e duradoras, e até um pouquinho de safadeza. Mas eles não podem ser os únicos elos na busca para se obter o máximo do potencial sexual em games, sobretudo por que representam uma parte tão pequena do setor.

O que precisa acontecer é uma espécie de renascença que remova o estigma de que games é diversão para crianças. O setor amadureceu. Enquanto isso não ocorrer, assim como a jovem em How Do You Do It? de Nina Freeman, vamos continuar encaixando bonequinhos como se estivéssemos tentando decodificar a sexualidade humana. A não ser que tudo mude, nunca apertaremos o "X" para chegar ao orgasmo.

Tradução: Thiago "Índio" Silva