Um modder passou anos transformando 'Prison Architect' num gulag soviético

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

A premissa de Prison Architect já é perturbadora: comandar uma prisão da maneira mais eficiente possível. Sucesso não exige bondade moral, só sucesso puro. Então não é surpresa que alguns modders de Prison Architect usam essa base eticamente ambígua do jogo para permitir que os jogadores participem de cenários com ambições mais nefastas.

O mod “Gulag” faz o que promete, alterando texto, gráficos e características de Prison Architect para colocar o jogo mais tematicamente na linha de comandar um campo de trabalhos forçados da era da União soviética depois da Segunda Guerra Mundial. Os gulags soviéticos da vida real eram usados para abrigar, explorar e reprimir dissidentes políticos, punir pequenos criminosos e eventualmente se tornaram uma parte substancial da economia soviética. Eram lugares muito escrotos.

O modder ApolloLV publicou a primeira versão do mod em 2014, quando o jogo ainda estava em fase alfa. Lentamente, ApolloLV — que nem joga tanto assim videogame, quando mais cria mods — mudou vários aspectos. Na atualização mais recente, de novembro passado, ele mudou os fuzis usados pelos guardas para parecerem mais com as AK-47 do período. A atualização também acrescentou sinais de protesto em russo.

Prison Architect é um jogo com um visual meio infantil, e sua arte de desenho animado contribui diretamente para a abstração das ações do jogador — fica mais fácil se focar nos números, em vez de nas pessoas. Transformar o lugar num gulag era só mais um passo.

Para descobrir por que alguém passou anos fazendo o mod, falei com ApolloLV, um estudante de ciência da computação da Alemanha, que recentemente terminou seu bacharelado.

Waypoint: Qual foi o momento específico em que essa ideia veio na sua cabeça?
ApolloLV: Na verdade, a primeira vez que pensei nisso foi lendo os fóruns do Prison Architect [PA]. Havia uma discussão sobre que temas seriam apropriados, como ter um mod de campo de concentração e coisas assim. Em certo ponto, pensei: “Bom, um campo de concentração seria ir longe demais, já que o único propósito era matar pessoas”. Mas o jogo já tinha um sistema de trabalho prisional na época, então pensei: “Por que não fazer um mod focado nesse aspecto de uma prisão?” Afinal de contas, tem havido muitos campos de trabalho forçado em diversos países na história recente, então cheguei na ideia do infame sistema gulag da URSS.

Quanta pesquisa está envolvida em tentar tornar o mod historicamente correto?
Comecei a ler matérias sobre o tema e Arquipélago Gulag, além de Kolyma — The Arctic Death Camps. Isso porque sempre quis contar uma história, transmitir essa crueldade que se perde quando você faz trabalho gráfico. Nunca consegui contar essa história por falta de tempo, mais ainda espero fazer isso um dia.

Para os gráficos, também fiz muita pesquisa na internet, como para ter o visual certo para os guardas e seus fuzis. Para minha surpresa, não tem muita informação sobre isso na internet em inglês. (Por razões práticas, não há muitas fotos também.) Para os nomes dos prisioneiros, escolhi simplesmente alguns da página da Wikipédia sobre sobrenomes russos mais comuns.

Campos de trabalhos forçados não são piada – eles eram construções brutais e horríveis que muitas vezes resultavam na morte dos prisioneiros. Quanto do seu mod tenta transmitir essa brutalidade?
Pouco. Acontece que um mod para PA é muito limitado pelos sistemas preexistentes do jogo. É possível criar novos objetos e escrever o script para seus comportamentos, mas descobri que mesmo mudanças pequenas para a funcionalidade preexistente são muito difíceis. Por exemplo, há exigências para fazer a introdução da oficina – um seminário que os prisioneiros têm que assistir antes de poderem trabalhar na oficina — opcional para os prisioneiros, então eles podem ser colocados para trabalhar imediatamente na oficina assim que chegam. Tentei fazer isso, mas essa é uma das mecânicas do jogo que um mod simplesmente não pode alterar. Isso torna quase impossível capturar os aspectos mais sérios da vida dentro de um campo de trabalhos forçados.

Prison Architect tem gráficos fofos em estilo de desenho animado, o que parece ir contra a ideia de um gulag. O que você acha desse contraste?
Acho que esse contraste é intencional para o jogo todo. Logo no tutorial, você é obrigado a testemunhar a execução de um prisioneiro do corredor da morte. PA confronta o jogador com a realidade do sistema carcerário, enquanto ainda incentiva a ser parte do jogo, a construir a cadeira elétrica para a execução. Essa passividade forçada diante da injustiça e crueldade é uma das maiores forças de PA na minha opinião.

Acho que isso funciona de maneira similar no meu mod, onde você está recebendo dezenas de prisioneiros por crimes diversos, e ainda tem que acomodá-los e colocá-los para trabalhar. Sempre insisto numa paleta de cores bem marrom, então a atmosfera do jogo é mais deprimente, mais sombria que a do jogo de base.

Você vem trabalhando no mod desde 2014. O que te faz continuar voltando a ele?
Não gasto tanto tempo assim com o mod, então tem sido um processo de realizar mais e mais mudanças. Comecei modificando os uniformes, depois recolori alguns objetos. Depois de um tempo, descobri como desenhar móveis de madeira no estilo de PA, então substituí muitos objetos para me livrar das coisas de metal que você veria numa prisão americana hoje, mas que parecem deslocados no meio da Rússia dos anos 50.

Depois que li Arquipélago Gulag, notei que os crimes pelos quais as pessoas eram mandadas para o gulag eram muito diferentes das do jogo, então introduzi algumas condenações com base no infame artigo 58. Mudei mais aspectos do jogo, mas acho que esses são os mais importantes.

As mudanças que você fez alteram a estética e o tom do game. Isso quer dizer que você quer que os jogadores saiam com uma sensação diferente também?

Acho que uma coisa que busco é o desconforto. Muitas pessoas nunca foram confrontadas com isso antes, então acho que esse desconforto sozinho já é uma experiência de valor. Mas acho que isso não funciona para a maioria dos jogadores. Afinal de contas, mudar alguns gráficos e nomes nunca poderá capturar o verdadeiro horror de estar num lugar assim pelo resto da sua curta vida.

Você notou alguma coisa inesperada sobre o jeito como as pessoas usam o mod?
Não tenho muita informação sobre isso. Grande parte do meu feedback vem dos comentários na página do Steam. Mas esses parecem mais piadas, por exemplo, elogiar o mod em nome de Stalin. Acho que alguns são sérios, e para aqueles que honestamente acreditam que o sistema de gulag era positivo ou uma parte necessária da “gloriosa União Soviética”, sinto pena de vocês. Acho que muitos outros só gostam da atmosfera tensa criada com a mudanças nos gráficos.

Uma coisa interessante em PA é como, de certas maneiras, ele inadvertidamente reflete algumas das nossas próprias ideias de como uma prisão “deveria ser”. O que você aprendeu jogando o jogo?
Não levei muito tempo para considerar um prisioneiro apenas um número, uma pequena parte do sistema carcerário. E isso não é culpa do jogo, já que ele dá para cada prisioneiro um comportamento, habilidades e origem únicos. É simplesmente o que ocorre quando você se foca no gerenciamento por muito tempo — e isso me assusta.

Como comecei a reduzir esses indivíduos a pequenas influências estatísticas depois de apenas algumas horas dentro do jogo, quão inumano um sistema burocrático de prisão se torna na vida real? E não estou falando de campos de trabalho forçado ou do sistema escroto criado por prisões privatizadas nos EUA. Estou falando de prisões “liberais” em países do Ocidente como a Alemanha e Suécia. Se mesmo nesses países um sistema carcerário inevitavelmente se torna o que experimentei no jogo — e há indicadores de que é esse o caso — então acho que devemos considerar seriamente abordagens alternativas para punições.

Mas PA também me ensinou que uma prisão funciona bem quando você mantém os prisioneiros felizes e leva em consideração as necessidades deles. E isso me traz alguma esperança, porque existem incentivos fortes para pelo menos manter os prisioneiros contentes com suas condições de vida.

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