A Uber entrou na recta final do seu plano: substituir os humanos
Imagem via Foo Conner/Flickr

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A Uber entrou na recta final do seu plano: substituir os humanos

Em Pittsburgh, nos EUA, veículos autónomos já estão a transportar clientes em formato de teste. O futuro. Meu Deus, o futuro.​

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Motherboard.

Os motoristas de táxi passaram os últimos anos a implorar às autoridades locais de todo o Mundo que acabassem com a ameaça do transporte de passageiros sem regulamentação. Estas lutas foram apenas um aperitivo para um futuro em que a indústria de transporte de passageiros quer livrar-se daquelas coisinhas irritantes e ineficientes que estão sentadas ao volante dos nossos Ubers.

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Todos sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, os empregos para humanos como motoristas profissionais chegariam ao fim; com tantas empresas em tantos países a avançarem no desenvolvimento de tecnologia para carros autónomos, era uma questão de tempo até que os seres perigosos, caros e mal-dispostos deixassem de estar sentados ao volante.

Ainda assim, os táxis robotizados podem chegar mais cedo do que imaginávamos: a Uber anunciou no dia 18 de Agosto que os seus carros automatizados começariam a transportar passageiros em Pittsburgh, nos Estados Unidos da América, já em Setembro, ou seja, este mês. Pára tudo e pensa nisto por um segundo: eles afirmaram que a era dos táxis-robots disponíveis em massa começaria dali a poucas semanas.

É claro que os carros sem condutor da Google já fizeram milhões de quilómetros, assim como os Tesla com piloto automático (a opção começou a funcionar do dia para a noite como um upgrade de software, como se fosse outra função qualquer).

Mas o plano da Uber é estrategicamente diferente. A Google não tem razões óbvias, ou uma estratégia de negócios iminente para os seus carros. A Tesla, de momento, não tem a intenção de usar robots para tornar os humanos obsoletos no seu negócio (a longo prazo, Elon Musk já sugeriu que a sua empresa poderia tornar-se uma concorrente da Uber). Os carros da Uber, por sua vez, vão competir activamente com as mães, estudantes, desempregados e trabalhadores em part-time que trabalham para a empresa, tornando irrelevante o capital humano que faz com que a plataforma de transporte seja tão interessante.

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Alguns dos condutores que a Uber usou para anunciar a sua plataforma em Austin, Texas. Foto cortesia RideShare Works for Austin.

Ao mesmo tempo, o facto de a Uber ter comprado a Otto, uma empresa de camiões sem motoristas, é um sinal de que a empresa inevitavelmente vai entrar no negócio de transportes de longo curso por camião, uma tarefa que é mais fácil de automatizar do que o trabalho de um taxista, já que este precisa de navegar pelo complexo tráfego urbano. A conclusão de tudo isto é que a Uber quer atrair todos os empregos de motoristas humanos para a sua plataforma e, de seguida, eliminá-los sumariamente.

A longo prazo, pode ser uma coisa boa. Afinal, os carros sem condutor serão muito mais seguros e eficientes que os automóveis conduzidos por humanos. Andar num transporte sem motorista vai ser mais conveniente que ser dono de um carro e veículos autónomos permitirão que repensemos a maneira como planeamos cidades e estacionamentos. Há muitos e muitos motivos fortes para dar esse passo adiante rumo a um futuro em que os carros se movam sozinhos.

Mas o projetco atual da Uber, que por enquanto funcionará apenas como um teste, só parece excitante se pensarmos nele com essa atitude de pessoal, o futuro é alucinante. Mas, embora talvez algum dia olhemos para trás e vejamos isto como um marco na história da tecnologia, o futuro próximo soa bastante treta. Em troca de uma voltinha gratuita, vives esta maravilhosa experiência (descrita no artigo da Businessweek que anunciou a mudança):

"Por enquanto, os carros usados no teste da Uber viajam com um motorista de segurança, como determina a lei e o bom senso. Esses engenheiros profissionais sentam-se com as mãos junto ao volante, prontos para assumirem o controlo do carro caso surja um obstáculo inesperado. Um co-piloto, no assento do passageiro, faz anotações num laptop, e tudo o que acontece é gravado por câmeras dentro e fora do carro para que qualquer problema possa ser analisado e solucionado. Cada carro também é equipado com um tablet no banco de trás, desenhado para mostrar aos passageiros que eles estão num carro autónomo e que lhes explica o que está a acontecer. 'A nossa meta é acabar com o hábito de ter condutores no carro, por isso não queremos que os passageiros conversem com os nossos condutores de segurança', diz Raffi Krikorian, director de engenharia da Uber".

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Estes engenheiros profissionais, portanto, não são comuns motoristas da Uber. Não há emprego temporário num carro automático para o gajo recém desempregado que conduz um Uber para pagar as contas.

Quando li esse excerto da reportagem da Businessweek, a minha mente concentrou-se numa cena imaginária em que estudantes universitários bêbados chamam aleatoriamente um Uber sem motorista e são repreendidos por um "motorista de segurança" que pede silêncio enquanto mantém os seus dedos a alguns milímetros do volante, conforme determinado pela Uber. Ao lado dele, um co-piloto silencioso digita furiosamente num laptop - Notas: passageiros conflituosos e não-cooperativos pediram a música "Panda", de Desiigner. O pedido foi negado. Enquanto isso, uma lágrima escorre pelo rosto de uma mãe solteira que está ao lado numa van parada, sem nenhuma solicitação de transportes no seu Uber. Nalgum sítio do Planeta, o CEO da Uber, Travis Kalanick, sorri enquanto ela desactiva a app e vai para casa jantar em frente à televisão.

É possível que eu tenha uma imaginação hiperactiva, mas, tirando o facto de que é uma novidade, porque é que alguém iria querer andar neste carro? É só um período de testes, claro, mas a Uber não explicou porque é que, nesta altura, quer passageiros nestes veículos. É para mudar a maneira como o público vê os carros sem condutor? É puramente pelo marketing, ou pela excitação de participar na lotaria do carro sem motorista (numa próxima vez, a Uber selecionará os passageiros aleatoriamente; não se sabe se eles poderão ou não escolher se farão parte do teste)? Duas pessoas da equipa de relações públicas da Uber enviaram o meu pedido de resposta a estas questões a outras pessoas da equipa, mas ninguém respondeu.

É difícil entender como o sistema actual vai inspirar muita confiança na versão inicial da tecnologia. O artigo da Businessweek afirma que o motorista-robot da Uber não sabe circular bem pelas pontes de Pittsburgh e que o carro sai do modo automático regularmente, porque não consegue lidar satisfatoriamente com o tráfego.

São pequenos problemas que estão longe de serem falhas incontornáveis e não dizem nada a respeito do futuro definitivo da tecnologia de carros sem condutor. Mas a insistência da Uber em levar agora esta tecnologia ao público, no seu estado actual, só mostra o quanto Kalanick está impacientemente irritado com a ideia de que tem de pagar aos motoristas.

"Quando não há nenhuma outra pessoa no carro além do passageiro, o custo de apanhar um Uber torna-se mais barato que o custo de ter um carro. Aí está a magia: se baixares esse preço a ponto de que seja mais baixo para todos do que o custo de ter um carro, o hábito de ter um carro desaparece", disse Kalanick em 2014.

Não fica minimamente subentendido que, para Kalanick, o facto de a empresa depender de um batalhão de humanos é uma fraqueza comercial, um custo desnecessário. A batalha contra a Uber nunca foi contra os taxistas - torná-los irrelevantes foi apenas um subproduto da meta final da Uber. A verdadeira ineficiência de mercado que Kalanick sempre quis explorar é o mercado de humanos que trabalham como condutores.