FYI.

This story is over 5 years old.

Tonic

O que aconteceu quando larguei os antidepressivos

Por que não simplesmente sacudir a poeira e lidar com minhas emoções?

Esta matéria foi originalmente publicada no Tonic .

Segundo os resultados de um estudo, apesar de um aumento nas prescrições de antidepressivos, o tratamento raramente está disponível para quem realmente precisa. A pesquisa ainda revelou que as pessoas que recebem uma receita para antidepressivo não precisam necessariamente desse tipo de medicamento.

Parte desse último problema pode ter algo a ver com a dependência excessiva dos médicos de tratamentos com drogas versus uma abordagem mais holística que inclui dieta, exercícios e terapia. Parte do problema pode ter relação com processos de diagnóstico falhos, levando ao diagnóstico em excesso de depressão. Afinal de contas, triagem para depressão muitas vezes é conduzida em poucos minutos através de um questionário rápido, que não permite identificar as nuances entre depressão leve e sofrimento psicológico mais sério. Às vezes isso até acontece durante uma visita a um clínico geral. O paciente menciona que se sente triste. O médico — não necessariamente qualificado para reconhecer casos de ansiedade e depressão — oferece uma solução rápida. Outras vezes isso ocorre no espaço de uma única consulta com um profissional de saúde mental, depois de passar apenas 30 minutos comentando as razões que te fizeram procurar ajuda.

Publicidade

Outras vezes, apesar do diagnóstico recebido, é difícil saber o que você realmente precisa; se o que você está sentindo é uma reação "normal" aos altos e baixos típicos da vida, ou um fenômeno psicológico "anormal". No final das contas, você pode acabar com um diagnóstico diferente de cada médico.

Muitas vezes, quer você realmente precise ou não, tomar remédios pode parecer se entregar a uma fraqueza. Como uma falha pessoal.

Foi assim que me senti. Com minha coleção de diagnósticos, eu não estava convencida de que medicação era o que eu realmente precisava. Tentei racionalizar: como uma mulher branca, cisgênero, de classe média, quão ruim as coisas realmente estariam para mim? Por que não simplesmente sacudir a poeira e lidar com minhas emoções como uma mocinha, sem ajuda de um coquetel químico caro? Então larguei remédios do começo dos 20 até quase os 30 anos. Interpretei períodos de felicidade como um sinal de que eu estava saudável demais para precisar de uma pílula. Aí eu percebia que a pílula era o que estava me deixando feliz o tempo todo.

Seis anos atrás, joguei o resto do meu Xanax e Lexapro no lixinho do quarto — achei que aquela seria a última vez. Meu marido e eu decidimos que era hora de começar uma família, e mesmo que as pesquisas existentes sobre os efeitos dos SSRIs durante a gravidez estivessem longe de serem conclusivas, decidi que era melhor seguir sem eles pelo tempo que pudesse. A batida do pote de remédios no fundo da lata foi como um sinal de largada. Um novo começo. Um desafio. Eu estava empolgada em ficar livre da medicação. Estava empolgada com a ideia de ser mãe.

Publicidade

Levei três anos e meio para engravidar. E durante esse tempo, mesmo nem sempre levando a vida com graça e serenidade, não voltei a tomar os remédios. Estávamos fracassando em várias outras coisas nessa época. Fertilidade. Comunicação. Nosso casamento. Com o desafio que eu tinha me colocado ainda soando na minha cabeça, eu não queria fracassar na minha tentativa de estabilidade mental sem remédios também.

Em vez disso, comecei a praticar ioga e meditação. Fiquei viciada nisso. O jeito como eu me sentia depois de uma sessão intensa era minha nova droga, uma cujo efeito eu queria me agarrar antes que começasse a se dissipar. Eventualmente, ganhei um certificado para ensinar ioga e, gradualmente, parei de sentir falta da medicação. Quando finalmente fiquei grávida, eu era uma propaganda ambulante dos benefícios mentais da prática. Era uma história que eu podia contar aos meus alunos sobre o que a ioga poderia fazer por eles. Era uma história que eu podia contar a mim mesma sobre a pessoa que eu tinha me tornado. Forte. Sã. Realizada.

Até que — um ano e meio depois do parto — essa história não era mais verdade. Minha história desmoronou ao meu redor.

"O que aconteceu?", meu marido perguntou enquanto meus braços tremiam, meus dedos se curvavam e eu segurava minha cabeça como tentando me proteger de um impacto, mesmo que fosse algo acontecendo tão no fundo de mim que eu não conseguiria alcançar.

Publicidade

"Por que você está tão nervosa?", ele me perguntou enquanto eu andava rapidamente até a sala e socava repetidamente nosso sofá novo em formato de "L", o impacto viajando pelo meu bíceps até meus ombros, mas ainda abafado. Era melhor que socar a parede ou uma janela.

"O que está acontecendo?", ele perguntou, de novo, enquanto eu gritava a plenos um interminável "POOOORRAAAA", andando de um lado para o outro da cozinha para a sala.

"O que começou isso?", ele me perguntou depois, quando eu já tinha jogado coisas pelo quarto, batido minha penteadeira contra a parede várias vezes e desmaiado no tapete, em posição fetal, agarrando as fibras do carpete, com os olhos ardendo de exaustão. Ele não se aproximou de mim naquela hora. Ele não me confortou. Nenhuma mão pressionou firmemente minhas costas. Nenhum braço envolveu meu corpo, me trazendo pra perto. Só o gato me olhava, preocupado, deitado na cama, uma presença estável e imóvel. Estiquei a mão até ele e acariciei atrás o pelo atrás das orelhas.

Depois de anos juntos, eu achei que ele saberia: "Não sei por que estou nervosa. Não sei como me rotular. Não sei que história contar".

Mas ele queria algo que pudesse apontar. Algo para absolver a massa feia e chorosa de carque que era sua esposa, mãe da sua filha de um ano e meio.

Mas como explicar algo tão inexplicável e irracional quanto a depressão? Como posso conseguir simpatia quando nada parece estar errado a não ser minha própria mente? Posso pensar nas coisas que aconteceram ultimamente, as coisas que causaram stress, as pequenas mudanças que me fizeram ir além do que estava acostumada. Uma filha. Um emprego novo, com todas as pressões que vêm disso. Mas muitas vezes, isso parece incidental.

Publicidade

No podcast "Dear Sugar", Cheryl Strayed e Steve Almond leram a carta de alguém que mentia costumeiramente para as pessoas de sua vida para conseguir simpatia. Ela espalhava contos de estupro e perda, coisas que nunca aconteceram, coisas tão horríveis que a reação negativa seria enorme se ela um dia admitisse que eram falsas. Com sua sinceridade e compaixão típicas, Strayed e Almong levantaram a hipóteses de que essa mulher estava tentando criar uma narrativa alinhada com a dor que estava realmente sentindo. Ela estava tentando conseguir a simpatia que necessitava e, fora inventar histórias traumáticas, não sabia como conseguir

Ela sabia como as histórias podiam absolvê-la.

Ela sabia como as histórias poderiam fazer as pessoas entenderem.

Ela sabia que as pessoas precisavam saber o porquê.

Era uma vez, os médicos usavam um modelo endógeno/reativo para a depressão. Depressão reativa se referia à depressão desencadeada por fontes externas óbvias. Depressão endógena, por outro lado, se referia à depressão que vinha sem uma causa óbvia e identificável. Acreditava-se que a causa era simplesmente um desequilíbrio químico do cérebro.

Pesquisas desde então revelaram que as coisas não são tão preto no branco assim. Hoje mais médicos trabalham com um modelo integrado, que reconhece que uma variedade de fatores podem contribuir para a depressão, alguns deles integrais (reações genéticas e biológicas a um trauma do passado) e outra externas (falta de sono, stress, perda, doenças, etc.) Um artigo recente explicou a depressão como uma tentativa do corpo e da mente de conservar energia depois de uma "percepção de perda de investimento", como um relacionamento, identidade de grupo ou bens pessoais. Às vezes as causas são óbvias para quem está experimentando o episódio depressivo. Às vezes nem tanto.

Apesar da dificuldade com que história contar a mim mesma, com que rótulo usar, é inegável que a depressão sempre manteve uma presença no meu casamento. Em muitos momentos, eu consegui apontar a causa: uma questão específica de comunicação. Minha ansiedade sobre meu casamento no geral. A diferença de renda. O fracasso profissional. A infertilidade. A exaustão.

Mas às vezes, não consigo encontrar a causa da minha raiva, da minha frustração e do meu mal-estar geral. A depressão é algo que não posso controlar, porque não sei de onde ela vem.

E mesmo que a medicação tenha aliviado os sintomas da minha depressão, ela não pode erradicá-la. E ainda mais frustrante, ela não pode iluminar a causa. Talvez isso — mais que qualquer coisa — seja a razão para me afastar de rótulos e receitas. Para alguns, os remédios podem salvar sua vida. Para mim, eles são uma máscara.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.