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Estados dos EUA com leis de armas mais restritivas têm menos homicídios e suicídios

“Esse estudo é um argumento encorajando outros estados a aprovarem leis, porque elas funcionam.”
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Matéria originalmente publicada no TONIC.

Nos EUA, as leis de controle de armas mais severas de um estado vizinho podem significar menos homicídios em condados ao redor, segundo um novo estudo publicado pelo JAMA Internal Medicine. Os pesquisadores também determinaram que regulações para venda de armas tendem a baixar homicídios e suicídios envolvendo armas de fogo, além de resultarem em taxas mais baixas de suicídio no geral.

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O debate depois dos atentados em Las Vegas, Sutherland Springs, Texas e Parkland, Flórida – que ocorreram nos últimos cinco meses – se foca em grande parte na necessidade de regulações para armas nos EUA. Mas a realidade atual das leis de armas de fogo por lá varia muito por estado e condado. A líder do estudo Elinore Kaufman, residente chefe de cirurgia no Centro Médico New York-Presibyterian/Weill Cornell, disse ao Tonic que quando começou a pesquisa em 2015, ela queria saber mais sobre a interação entre regulamentos locais e mortes por armas de fogo.

“Estávamos particularmente interessados na interação entre mortes em uma área e leis em outra”, diz Kaufman. “Olhando as taxas de mortes no nível de condado nos permitiu entender as variações geográficas melhor.” Por exemplo, Kaufman apontou que moradores de Nova York no canto nordeste do estado podem ser mais afetados pelas leis em Vermont, enquanto um residente do sudoeste de Nova York pode ser mais afetados por leis da Pensilvânia e Ohio.

Essas interações regionais encabeçaram o debate sobre regulações de armas por décadas. No caso McDonald versus a Cidade de Chicago de 2010, a Suprema Corte norte-americana voltou 5-4 a favor de rejeitar a proibição de pistolas em Chicago com base na Segunda Emenda. Mas os moradores da cidade já podiam conseguir uma arma legalmente a alguns quilômetros de distância no noroeste de Indiana.

“Tanto Washington quanto Chicago tinham boas restrições”, diz John Donohue, professor de direito na Universidade Stanford, economista e pesquisador de violência armada. “Os dois locais eram cercados por áreas onde a lei era mais relaxada, e isso minou as leis locais deles.” Em referência ao caso Distrito de Colúmbia versus Heller – uma decisão da Suprema Corte de 2008 que derrubou a proibição de pistolas na capital – Donohue diz que as leis de regiões próximas impactaram a eficácia da regulação de armas local. “O que era ótimo para o NRA, porque mostrava que esses tipos de restrições não fazia efeito”, diz Donohue.

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A pesquisa de Kaufman desafia as afirmações do NRA de que leis para armas não são eficientes. Ela examinou dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças sobre suicídios e homicídios com armas de fogo em 3.108 condados no continente dos EUA entre 2010 e 2014, e comparou as taxas de morte com políticas estaduais e de condado sobre armas. (Vale apontar que suicídios relacionados com armas de fogo acontecem em número muito maior que homicídios: em 2015, foram 12.979 homicídios por arma de fogo e 22.018 suicídios.)

Cada condado recebeu uma nota por política estadual, que Kaufman determinou codificando a força das leis de armas de fogo no estado, e uma nota para política interestadual, usada para ajustar a população (pesquisadores assumiram que estados mais populosos tinham mais chances de fornecer armas para estados vizinhos) e proximidade para estados vizinhos. Entre as regras que determinavam a nota de política estadual estavam regulamentações sobre como armas de fogo são transferidas e rastreadas, políticas de licenciamento, inspeções a vendedores e conferência de antecedentes.

Eles fizeram uma análise estatística, que teve múltiplas conclusões. Primeiro, estados com leis mais fortes de armas tinham taxas menores de homicídios com arma de fogo em seus condados. Condados em estados com políticas de armas mais relaxadas que faziam fronteira com estados com leis mais relaxadas tinham as maiores taxas de homicídios relacionados a armas. Para um condado num estado com leis de armas mais relaxadas terem taxas menores de homicídio com armas de fogo, ele precisava fazer fronteira com estados com leis mais severas. “Isso pode significar que há um efeito protetor de regulamentações de armas de fogo que se estendem além das linhas estaduais”, diz Kaufman.

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Leis estaduais fortes contra armas de fogo também estavam associadas com taxas mais baixas de suicídios por armas de fogo e suicídio no geral, independente das leis dos estados vizinhos. Mas não está claro que políticas estavam mais associadas a taxas mais baixas de suicídio. “Nosso estudo não diferenciou entre leis individuais”, diz Kaufman, notando que mais pesquisa é necessária para explorar que políticas influenciam nas taxas de suicídio. Condados com leis de armas mais relaxadas experimentavam as taxas mais altas de suicídio com arma de fogo; as políticas em estados vizinhos tinham pouca influência.

Kaufman diz que o timing da publicação teve tudo a ver com o processo de revisão acadêmico e não foi influenciado pelo debate sobre regulação de armas, mas suas descobertas acrescentam evidências ao corpo de pesquisa sugerindo que leis mais severas podem reduzir mortes por armas de fogo. Ano passado, Donohue escreveu uma análise sobre leis de porte usando dados de 1977 a 2014. Ele descobriu que, dez anos depois que um estado aprovava o porte, suas taxas de crimes violentos subiam de 13 a 15%.

O fato que esses estados e condados podem influenciar suas próprias taxas de homicídio e suicídio com regulações indica que o mesmo pode ser feito em nível federal, diz o professor da Escola de Direito da UCLA e especialista em leis de armas de fogo Adam Winkler. “O estudo é um argumento encorajando estados a aprovar leis que acham necessárias, porque elas funcionam até entre fronteiras porosas”, ele diz. “E é um pedido para leis federais, porque precisamos de uma uniformidade nacional para atingir esses objetivos.”

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A questão das fronteiras porosas é difícil de pesquisar, porque armas de fogo podem atravessar condados e estados sem necessidade de documentação, graças a vendas ilegais e vendas privadas – como em convenções de armas e vendas online – que não exigem conferência de antecedentes em alguns estados. “Para esse estudo, não acessamos diretamente como armas de fogo podem ser movimentadas entre estados”, diz Kaufman. “Mas descobrimos que condados em estados com leis lenientes que também eram cercados por estados lenientes tinham as maiores taxas de mortes por armas de fogo; não sabemos se as armas eram movimentadas legal ou ilegalmente.”

Na esteira do tiroteio na escola de Parkland, Flórida, Trump foi contra o NRA sugerindo conferência universal de antecedentes para compra de armas. Donohue e Winkler concordam que o presidente norte-americano está numa posição única para mudar a lei. “Só um presidente republicano pode estabelecer leis de controle de armas; nenhum democrata pode fazer isso”, diz Winkler. “Nenhum outro presidente republicano vai conseguir apoio para o controle de armas, e nenhum democrata teria apoio político par fazer isso.” (E ter a maioria no Congresso sempre ajuda.)

Donohue, que tem décadas de experiência com pesquisa de controle de armas, diz que não faz ideia se pesquisas como a de Kaufman e atentados como Parkland vão influenciar a política de armas dos EUA. “Trump sacudiu o NRA dizendo que se preocupa com isso, o que foi uma surpresa para todo mundo”, ele diz. “Também é possível que [o CEO do NRA] Wayne LaPierre vai ligar para ele amanhã e dizer 'Quando eu digo pra você pular, você pergunta de que altura'.”

Tonic falou com Donohue na tarde de quinta-feira, 1º de março. Naquela noite, o New York Times informou que um lobista de alto escalão do NRA indicava que Donald Trump tinha retirado seu apoio ao controle de armas depois de uma reunião com oficiais do NRA.

Como Robert Steinbrook, o editor-chefe do JAMA Internal Medicine, escreveu na nota editorial: “Como o Congresso não está disposto ou não consegue agir, a necessidade de leis estaduais eficientes sobre armas de fogo nos EUA nunca foi maior”.

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