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Morro de Medo de Vomitar

A emetofobia não é só o medo de vomitar: mas também o medo de germes e lugares sem rotas de fuga, caso você precise vomitar ou ter de fugir de alguém que está vomitando.

Ilustrações por Tom Scotcher.

Se você contar sobre sua fobia para uma pessoa normal, ela provavelmente vai ignorar o fator irracional de um medo e te fazer ficar cara a cara com o seu sempre que puder. Já ri de gente de meia-idade que tem medo de palhaço e do vídeo do cara que tem medo de pêssego. Já vi um homem, que eu sei que tem medo de queijo, acabar com camembert derretido enfiado dentro do nariz.

Deve ser por isso que nunca contei a ninguém sobre minha fobia de vômito. Isso poderia transformar meus conhecidos em tiranos do vômito determinados a me fazer pegar norovírus – ou, pior ainda, a fazê-los achar minha esquisitice ainda mais esquisita.

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Às vezes, emetofobia parece uma doença debilitante. Fobias realmente têm o potencial de destruir sua vida, especialmente se você tem um medo que confronta algo universal, como agorafobia. Um dos principais problemas de ter medo de vomitar é: só porque você não está se sentindo mal, isso não impede que outra pessoa perto de você vomite. Emetofobia não é apenas o medo de rever seu café da manhã – é a incerteza de que outra pessoa possa fazer isso.

Eu tinha uns sete anos quando comecei a ter um problema com vômito, apoiando a crença de que toda fobia tem uma raiz ou um momento em que ela é desencadeada em vez de ser algo genético. Eu estava pulando no sofá com a minha irmã quando arrotei, violentamente; então, corri para a cozinha e vomitei, mirando o lixo e errando por centímetros. Meu pai estava cozinhando, riu um pouco e disse: "Ah, querido". Ele me levou para o quarto da minha mãe, que me consolou enquanto eu vomitava mais umas três vezes. No dia seguinte, engasguei tentando comer uma torrada, mas consegui manter tudo para dentro. Aí melhorei.

Semanas depois desse mal-estar, a memória desse momento continuou comigo. Eu ficava inexplicavelmente nervoso com qualquer coisa ligada a vômito. Muito mais do que um garoto normal. Apenas quatro vomitadas foram o suficiente para incutir um desprezo e um medo que, de algum jeito, me fizeram nunca vomitar de novo. Hoje, tenho 21.

Continua abaixo.

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Diferentemente de outros alívios corporais, vomitar é uma compulsão física – e é isso que me perturba, a falta de controle. Na maioria das vezes, você consegue evitar cagar nas calças. O vômito é irrefreável e inesperado, e, com isso, vem o nojo e a frustração de outras pessoas, amigos ou familiares, que podem transmitir uma sensação de vergonha e culpa comparável àqueles sonhos nos quais você está pelado na frente da classe inteira.

"Só porque não me senti mal em nenhum momento dos anos 2000, não significa que não temi essa possibilidade todo santo dia."

Para ser honesto, ter medo de vomitar fodeu com a minha vida em vários aspectos. Só porque não me senti mal em nenhum momento dos anos 2000, não significa que não temi essa possibilidade todo santo dia. Evitei várias viagens escolares simplesmente pela possibilidade de alguém passar mal no caminho. E não estou falando de viagens de um dia, mas daquelas de final de semana. Quão patético é dizer para sua família que você, um moleque saudável, "não curte andar de bicicleta, fazer canoagem ou escalada", ou seja lá o que esse pessoal faz nessas viagens?

A escola era o inferno do vômito. Crianças nem sempre falam quando estão passando mal; então, aquele som de jorro era algo com que eu tinha de lidar quase todo mês. Ou, então, eu tinha de assistir a alguém visivelmente esverdeado colocando o lápis na mesa, respirando fundo, levantando a mão e não conseguindo chamar a professora num frenesi de náusea. E, se a pessoa conseguia a atenção da professora, ela geralmente ouvia um simples "Vai sentar um pouco perto da janela". Até a criança chegar lá, já era tarde. Aí vinha o efeito dominó e o cheiro persistente no corredor.

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Emetofobia anda de mãos dadas com claustrofobia e agorafobia, porque você não tem só medo de vomitar: você tem medo de germes e lugares sem rotas de fuga, no caso de você precisar vomitar ou ter de fugir de alguém que está vomitando. Montanhas-russas? Jamais. Sua ingestão de frutos do mar se restringe a peixe com batata frita – tal é o medo de colocar qualquer coisa potencialmente "perigosa" dentro do seu corpo, algo que te faça passar mal. Você fica incrivelmente ansioso, tem ataques de pânico, e episódios de náusea te deixam em posição fetal, tremendo tanto que seus tornozelos parecem baquetas.

Emetofobia é uma fobia obsessiva definida por superstições, rotinas e comportamentos de evasão. Quem sofre disso evita se envolver em qualquer coisa ligada a vômito. Quando eu estava na segunda série, meu amigo vomitou na classe enquanto tentava chegar ao banheiro. Tive certeza de que só podia ser por causa da caixa de leite que a escola dava pela manhã e nunca mais encostei naquilo. Pular por cima daquela pilha de vômito, com a camiseta cobrindo a boca, foi o primeiro "momento" de muitos. Minha vida tem sido ditada por padrões de evasão.

Eventualmente, quando terminei a escola, procurei na internet uma explicação para meu medo de vômito e percebi que eu era, em certo grau, emetofóbico. Por volta dessa época, lembro da minha mãe contando sobre quando minha tia teve de fazer quimioterapia e como ela "ficava apavorada, porque odiava vomitar". Minha tia continua sendo a única outra pessoa que conheço que tem isso também. Algumas celebridades já se revelaram emetofóbicas – Charlie Brooker sendo um caso famoso. Joan Baez e Cameron Diaz são, e James Dean, aparentemente, também era.

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"São duas as declarações recorrentes feitas por pessoas que não têm a fobia para quem tem: primeiro, 'Ninguém gosta de vomitar'. Veja: 2 Girls 1 Cup; segundo, 'Vomitar pode te matar'. Veja: John Bonham e Jimi Hendrix."

Quando tento falar com outras pessoas sobre minha fobia, a resposta geralmente é: "Bom, ninguém gosta de vomitar". Assista a: 2 Girls 1 Cup. E "Vomitar pode te matar". Veja: John Bonham e Jimi Hendrix".

Há uma certa fatalidade em se ter emetofobia em vez de, digamos, fobia de pêssegos. Ânsia de vômito reforça a ideia de que você não tem um corpo: você é um corpo, e ele pode parar a qualquer momento. É uma desconfiança irracional do seu corpo e o medo de, em última instância, perder o controle.

Fobias, como a maioria dos transtornos de ansiedade, não podem ser magicamente "curadas", mas é possível conviver com elas através de tratamentos como Terapia Cognitiva-Comportamental e, às vezes, medicação. Remédios contra ansiedade geralmente são prescritos, porque emetofóbicos tendem a ter transtornos de bagagem como agorafobia, TOC e depressão, além de uma postura duvidosa em relação a efeitos colaterais. Antieméticos sendo prescritos para isso.

Esses medicamentos podem vir na forma de simples anti-histamínicos. É possível tornar a vida melhor e quebrar barreiras e comportamentos obsessivos, coisas que podem te impedir de ter um emprego ou começar uma família. Como hipnoterapia, por exemplo. Pessoalmente, precisei de um evento específico para mudar minha visão. No meio da adolescência, me tornei tão especialista em germes (lavando as mãos 25 vezes por dia, puxando a campainha do ônibus com a manga da camisa por cima da mão, dando descarga com os cotovelos, etc.) que conseguir evitar não só vomitar, como ficar doente no geral. Durante esses anos, eu só precisava sentir uma leve coceira na garganta para pirar. Eu tinha me esquecido completamente de como era ficar enjoado.

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Então, quando eu tinha uns 15 anos, tive minha primeira experiência de enjoo em anos. Reconheci os sinais de alerta imediatamente: a sensação de calor, a dor no estômago, a boca seca. De algum jeito, consegui evitar o vômito arrotando. Momentos como esse vêm e vão desde então e são ótimos, porque provaram que enjoos nem sempre levam ao vômito. E, mesmo se isso acontecer, vou sobreviver.

Sei que isso pode parecer estranho para quem nunca teve uma fobia, mas esse tipo de confrontação, para mim, foi a melhor maneira de contornar um medo que começou com um episódio terrível. Se uma experiência específica pode te dar um medo irracional de algo, logicamente, um momento bom – ou que te faz temer muito menos o resultado – deve aliviar isso. Terapia de exposição é algo realizado de formas diferentes dependendo da gravidade do transtorno, assegurando que cada passo esteja de acordo com a capacidade da pessoa de lidar com o tratamento. Treinamento em relaxamento e sobre a natureza dos ataques de ansiedade ajuda os pacientes a entenderem que vomitar não está associado à mortalidade.

Hoje em dia, tenho sorte de ter amigos que vomitam frequentemente e de modo muito casual. Tenho um amigo que vomita como se estivesse jogando um chiclete mastigado na rua no caminho pro bar. É um conforto ver essas pessoas lidando com isso de um jeito racional, como se estivessem apenas tirando algo de seus sistemas. Na semana passada, dormi na casa de um amigo e notei que havia um pote cheio de vômito perto do sofá. "Desculpe", ele disse, levando o pote para a cozinha e o lavando. Depois, ele voltou e colocou o pote do meu lado, caso eu precisasse durante a noite. E eu precisava mesmo: não para vomitar, mas porque aquilo foi um lembrete do longo caminho que percorri até aqui.

Tenho sorte de ter identificado cedo uma fobia que se apodera do seu lado psicológico em vez do físico e de que esse problema tem tratamento. Os registros da terapia mostram evolução, e eu mereço me orgulhar disso. Não acredite no estigma de que só gente louca faz terapia, e procure seu médico. Muita gente confunde sua doença com idiossincrasias, especialmente uma fobia de algo como vômito, que deixa muitas pessoas com nojo. Você pode não querer contar para os amigos sobre sua fobia, mas fale sobre isso com seu médico. Ninguém merece uma vida sem salmão defumado.

Tradução: Marina Schnoor