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Os Jogos Proibidões

Tática de guerrilha, funk proibido, unicórnios transando e canibais de fralda: tentei entender a justiça brasileira por meio dos jogos banidos nas terras tupiniquins.

No ano de nosso senhor de 2008, por meio de uma decisão judicial baseada nos artigos 6 I, 8, 10 e 39 IV, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, os jogos Counter Strike e EverQuest foram proibidos de serem comercializados no território brasileiro. Não foi a primeira vez que jogos foram banidos do Brasil. Lembro como se fosse dezessete anos atrás quando a justiça brasileira proibiu o maravilhoso Carmageddon. Alguns meses depois da proibição do Counter Strike e de Everquest, um juiz do Rio Grande do Sul também proibiu a venda do jogo Bully em território nacional. Por meio de uma confiabilíssima pesquisa na internet, fiz uma escolha de alguns dos jogos proibidos no Brasil, tentando, assim, entender se existe algum padrão nas proibições ou se elas são, como muitas vezes parecem, meras decisões arbitrárias feitas por juízes que tão de saco cheio dessa putaria. Não que ele sejam o capeta alias, às vezes essa putaria toda enche o saco mesmo. Mas vamos analisar o caso EverQuest para tentar entrar na cabeça do poder judiciário brasileiro:

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O Caso EverQuest

A 18 de Janeiro de 2008, o Juiz Carlos Alberto Simões de Tomaz da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais nos autos da Ação Civil Pública n° 2002.38.00.046529-6, autorizou a apreensão dos jogos Counter Strike e EverQuest. Entender qual o problema com o Counter Strike não parece assim tão complicado. Na ação civil, que, no mesmo movimento proibiu a distribuição dos dois jogos está claro o motivo que o juiz achou adequada a ação:

O jogo "Counter Strike" […] reproduz a guerra entre bandidos e policiais e impressiona pelo realismo. O jogo foi criado nos Estados Unidos e adaptado para o Brasil. No vídeo-game, traficantes do Rio de Janeiro sequestram e levam para um morro três representantes da Organização das Nações Unidas. A polícia invade o local e é recebida a tiros.

O participante pode escolher o lado do crime: virar bandido para defender a favela sob seu domínio. Quanto mais PMs ele matar, mais pontos. A trilha sonora é um funk proibido. Nessa escala de violência, cada um escolhe suas armas: pistolas, fuzis e granadas. Na visão de especialistas, o jogo ensina técnicas de guerra, haja vista o jogador deve ter conhecimento sobre táticas de esconderijo, como se estivesse numa guerrilha.

A fase proibidona do Counter Strike.

Blá, blá, blá, ok, realismo, tática de guerrilha, funk proibido, sequestro de carinhas da ONU. É possível entender as implicações morais que o juiz enxergou nessa fase de Counter Strike, mesmo que seja estranha a ação judicial visar o jogo posto que esse mapa do jogo não faz parte do jogo oficial, mas é uma modificação feita por jogadores e não pelos desenvolvedores do Counter Strike. Agora, vamos ver o que ele tem a dizer sobre o EverQuest:

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O jogo "Everquest" leva o jogador ao total desvirtuamento e conflitos psicológicos "pesados"; pois as tarefas que este recebe, podem ser boas ou más. As más vão de mentiras, subornos e até assassinatos, que muitas vezes depois de executados, o jogador fica sabendo (ou não) que era apenas uma armadilha para ser testado para entrar em um clã (grupo).

Ok, agora não entendi o que o seu juiz quis dizer. Vamos ver um pouco do que se trata o EverQuest:

O EverQuest foi um dos primeiros jogos de RPG on-line em 3D, o que mais chama a atenção em seu universo mágico é o mundo de fantasia completamente genérico no qual você, com seu personagem, vai viver mil e uma aventuras. Não fica claro na publicação da Ação Civil à qual versão do EverQuest o juiz está se referindo, talvez a todas, mas em 2008 quando foi publicada a ação, o EverQuest 2 já existia há quatro anos. De qualquer forma, o que parece incomodar o juiz é o fato de você poder ser Bom ou Mau dentro do jogo, e de ser enganado por grupos escusos, o que eu não entendi direito. Outro detalhe curioso é que a ação civil proíbe a venda do jogo que, no caso do EverQuest, não existia legalmente no Brasil, não é como se um mal-encarado com o coletinho da Polícia Civil fosse visitar seu quarto fedorento e apagar o jogo do seu computador, porra, acho que em 2008 ninguém mais ligava para o EverQuest. Aparentemente, fazer a missão de Resgatar a Fada Azul da Caverna do Orc Malvado é um conflito moral "pesado" e pode criar traumas sérios na fibra moral dos suscetíveis jogadores.

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Classificações Indicativas

O mito que videogame é para crianças nunca foi verdadeiro, desde o começo dos jogos eletrônicos, existem jogos que tratam de temas que não costumam ser ligados ao universo infantil ou adolescente, não apenas por tratar de temas que geralmente são afastados dos pequenos como violência extrema e temas sexuais quanto jogos que são simplesmente chatos pra caralho para a criança e o adolescente mais saudáveis. Acontece que no início dos anos 1990 o pessoal começou a ficar preocupado com a possibilidade de seus preciosos filhinhos comprarem um jogo que pudesse criar cicatrizes psíquicas largas e profundas em suas inocentes mentes. Alguns títulos são apontados como os principais responsáveis pela criação do ESRB, Entertainment Software Rating Board, a organização norte-americana responsável por indicar na caixinha do joguinho para quem ele é adequado (ou não). O análogo ao ESRB no Brasil é o DEJUS, que desde 2001 classifica os jogos eletrônicos e coloca aquele selinho dizendo qual é a idade adequada para usufruto do joguinho. Mesmo assim, a classificação indicativa não é o único instrumento da justiça que pode entrar entre você e seu passatempo preferido, às vezes alguns jogos eletrônicos são banidos por meio de ações como a do EverQuest/Counter Strike. Como a matéria está ficando longa e chata, escolhemos alguns joguinhos que, em algum momento, foram banidos das terras tupiniquins. Seguem alguns exemplos.

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OS PROIBIDÕES

Carmageddon

Se você não tinha nem a demo crackeada desse jogo, você não foi um jovem feliz na década de 1990. Munido de um carro possante, você precisa terminar a corrida em primeiro lugar e para isso você precisa passar pelos check points, bater nos outros carros ou atropelar pedestres inocentes para conseguir mais tempo para chega ao final da pista. Ou você pode meio que ignorar isso tudo e sair atropelando velhinhas de andador que ao serem atingidas pela sua caranga vão voar alto enquanto giram e espalham suas entranhas pelo cenário. Tinha até um modo de replay onde você podia ver de diversos ângulos diferentes a carnificina que era atropelar 15 pedestres ao mesmo tempo enquanto dá um cavalo de pau e deixa marcas de pneu manchadas de sangue na pista. O jogo não foi bem recebido pelas autoridades e pais do mundo todo. Não, não, ele recebeu tanta crítica e foi proibido em tantos países que os desenvolvedores originais do jogo tiveram que fazer versões substituindo os pedestres por robôs e zumbis. Na sequencia do jogo Carmageddon 2, os pedestres foram substituídos definitivamente por zumbis, embora existam patches na internet que devolvem os humaninhos para a carnificina desenfreada de seu carro tunado.

Que bagunça gostosa…

Duke Nukem 3D

Baseado em uma série da era dourada da Apogee software, o controverso loirão musculoso é um símbolo do que é ser macho e babaca. O Duke Nukem 3D foi um dos grandes responsáveis por popularizar o gênero de tiro em primeira pessoa junto com Doom e Quake. Com frases de efeito tiradas da cultura popular e a possibilidade de você dar um troco para strippers te mostrarem peitinhos pixelados, o gostosão Duke Nukem é o encarregado de salvar a terra de uma invasão alienígena. Já que estamos falando de Duke Nukem, sua continuação Duke Nukem Forever foi uma das maiores piadas da industria dos jogos eletrônicos, que culminou depois de 15 anos no desenvolvimento de um dos jogos mais sem graça e escrotamente sexistas que a humanidade foi capaz de criar — isso que eu tenho alguma noção do que os japoneses fizeram no universo do jogo hentai, ok?

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"Sacode isso, bebê"Duke Nukem (tradução livre).

Qual é o problema da justiça brasileira com esse joguinho, então? Bom, em 1999 o então estudante Mateus da Costa Meira saiu atirando durante uma sessão do filme Clube da Luta, que resultou na morte de quatro pessoas e ferindo mais cinco. O que os advogados de defesa fizeram? Colocaram a culpa no Duke Nukem 3D, em que uma fase tem uma parte que se passa em um cinema. Lembro da reportagem na época, reconstituindo a cena do crime dentro do jogo, com o duke nukem indo ao banheiro e atirando no espelho como Mateus fez. A justiça não engoliu a história dos advogados, mas isso certamente ajudou a chamar atenção do pessoal para o jogo, que entrou para a lista dos proibidos. O que essa bagunça poderia ter feito de bom e não fez é aumentar o número de reconstituições de crimes reais através de jogos de videogame — eu certamente assistiria esse programa de televisão.

Requiem: Avenging Angel

Nossa, lembra desse jogo histórico??? Pois é, eu também não.

Ok, eu consigo ver o que há de errado com esse jogo, mas não engulo muito essa parada de "Impacto de Alta Violência". É um jogo de tiro em primeira pessoa de 1999, quando o mercado de jogos de computador estava sobrecarregado de trocentos milhões desses jogos meia boca, não foi muito bom também que ele tenha sido lançado um pouco depois de Half Life, um sucesso ridículo no gênero, engolindo todos os outros jogos do tipo da época. Qual foi a falha dos desenvolvedores dessa belezoca além de ter sido uma péssima ideia lançar o jogo nessa época? Encher o jogo de referências bíblicas diretas. Os poderes angelicais que você usa para destruir seus inimigos são descritos por meio de passagens bíblicas no manual do jogo. Algo que o bom e velho Gary Gygax já sabia bem antes que não era uma boa ideia. No livro de complemento do Dungeons & Dragons original, Deities & Demigods (Deidades e Semideuses) o bom velhinho sabia que era OK colocar deuses Hindus com os devidos pontos de vida, classe de armadura e habilidades similares à magia, mas se você colocar Jesus Cristo com 50 dados de vida e poder infinito de cura e ressurreição, o bicho ia pegar para o seu lado. Esse parece um motivo mais razoável da proibição do jogo no Brasil do que a suposta violência gráfica excessiva, que existia em praticamente todos os jogos do gênero à época.

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O Deus hindu Vishnu no Livro dos Monstr… quer dizer, Deidades e Semideuses do Dungeons & Dragons.

Bully

CUECÃO! CUECÃO! CUECÃO! CUECÃO! CUECÃO!

Assim como o Everquest, o problema aqui parece ser moral, já que você tem a liberdade de sair no braço com outros coleguinhas da escola e humilha-los corriqueiramente. Proibido em 2008, é difícil saber ao certo agora qual a posição legal do jogo Bully, embora não seja possível encontrar o jogo para vender na loja do Steam, ele tem aparentemente a classificação etária da DEJUS de 12 anos, o que, para mim, parece bem razoável, já que apesar das brigas entre a molecada e o tema geral de assédio moral entre menores de idade, ele tem um enredo bem "sessão da tarde". De qualquer forma, a decisão de um estudo feito por psicólogos acabou revelando que o jogo pode causar feridas psíquicas incuráveis tanto em crianças quanto adultos. O mais curioso é a multa diária de R$ 1.000,00 instituída até para quem apenas possui o jogo. Ok, isso já é um pouco ridículo demais.

BONUS: Thrill Kill

Supostamente, um dos jogos mais violentos que sequer chegou a ser lançado, mas que foi largamente distribuído graças ao poder da internet. Thrill Kill é um jogo de luta de Playstation 1 no qual quatro jogadores simultâneos lutam entre si para matar os outros três oponentes. Os personagens são gente como a gente: um doido varrido em camisa de força (que tem um golpe em que ele simplesmente enraba o adversário), uma dominatrix taradona com um bastão eletrocutador, um anão sadomasoquista de perna de pau e quepe, um canibal de fralda que usa uma perna humana como arma, etc. As lutas em Thrill Kill sempre terminam com um fatality e prometia ser o próximo Mortal Kombat. Curioso não apenas pela violência e sugestões sexuais pesadas, mas também pela mecânica das lutas serem entre quatro lutadores, tanto que mesmo após a proibição da distribuição do jogo pela Eletronic Arts, que havia acabado de comprar a desenvolvedora do jogo, usou o engine do jogo para lançar nada mais nada menos que, isso mesmo, O JOGO DE LUTA DO WU-TANG CLAN, Wu-Tang: Shaolin Style.

Siga o Pedro Moreira no Twitter: @pedrograca

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