​A molecada que está dominando o basquete de rua de São Paulo
Foto: Jardiel Carvalho/ R.U.A. Foto Coletivo

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VICE Sports

​A molecada que está dominando o basquete de rua de São Paulo

O futuro do esporte é bonito na Zona Norte, onde a cultura hip-hop inspira uma galera a arrebatar uma série de torneios regionais.

A cidade inclina rumo à Parada de Taipas, bairro na Zona Norte de São Paulo, no meio da encosta da serra da Cantareira e a marginal Tietê. Por ali, entre os dois pontos geográficos, há uma rampa de 200 metros de altitude que deixa a cidade beirando 900 metros acima do nível do mar. Percorrê-la significa ultrapassar o topo da tabela da quadra de basquete da região que nos últimos anos revela talentosos jogadores que seguem o exemplo do astro Leandrinho, da seleção brasileira e do Phoenix Suns, da NBA.

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O rolê encontra os CEUs e suas quadras em piso de madeira, cobertas, como o principal atrativo para os times que se formam ao lado do asfalto e as casas emendadas sem uma sombra de árvore. É lá que sobrinhos e tiozinhos se encontram aos sábados e nas noites quentes para jogar com os camaradas o basquetebol. Ao contrário da grana que rege a várzea no futebol, com times com estruturas equiparadas a clubes das altas divisões do Brasileirão, no esporte cujas bolas são alçadas às cestas a socialização é mais rápida e menos competitiva.

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No alto de um desses morros, está o CEU Jardim Paulistano. Nos últimos anos, moleques colecionaram taças disputadas com outras unidades na cidade. São 45 CEUs em São Paulo, instalados em regiões cujo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) demandam mais espaço para lazer. Eles estão instalados nos bairros com os mais baixos índices da cidade. Na Zona Norte, eles misturam as denominações dos bairros com nomes ou desejos idílicos – Parque Anhangueira, Jardim Paulistano, Pêra-Marmelo, da Paz, Perus, Vila Atlântica.

"São de 20 a 30 garotos que trabalham com o basquete aqui. Se você deixar, eles só querem futebol. Mas é aprender o sistema tático que eles continuam. É a autosseleção: quem não gosta, não gosta. Quem gosta, vai querer aprender mais", diz o ex-jogador de vôlei Edvaldo Naná, 66 anos, coordenador de atividades esportivas no CEU Jardim Paulistano. O time da escola é uma máquina. Desde 2015, é bicampeão do InterCEUs (competição entre as 45 unidades paulistanas) na categoria Mirim (até 15 anos) e campeão na Pré-Mirim (limite 13 anos). "Perdemos a final em 2015 porque metade do time estava fazendo teste em um clube." No infantil, até 17 anos, o vencedor foi outro CEU da região, o de Perus.

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Foto: Jardiel Carvalho/ R.U.A. Foto Coletivo

Os muros estão cobertos de referências à negritude. Em frente a um centro comunitário, um grafite lembra o dançarino Nelson Triunfo, ícone da música black brasileira nos anos 1970 e 1980, e os Jackson 5 ainda com Michael Jackson ainda garoto. "Tem toda uma identidade com o movimento hip-hop, e o basquete é o esporte mais identificado. O som, o grafite, essa ligação do esporte do gueto, da raça negra. Eles se espelham nos negros que veem jogando a NBA, vestem suas roupas, as camisas de seus clubes. Nossos jogadores [brasileiros] na NBA são negros: o Bruno Caboclo, o Lucas Bebê, o Leandrinho… É uma abertura que não se via antes. Havia muita dissimulação quanto aos negros. Os clubes eram fechados para brancos", diz.

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Em uma quadra a dois quilômetros de lá, na Vila Mirante, Carlos Alberto da Silva, 60 anos, um ex-jogador de basquete que se orgulha da formação em educação física e psicologia, reúne 151 adolescentes e pré-adolescentes, entre eles cinco meninas. Dentro desse grupo, garotos que levou o Jardim Paulistano a ser o melhor time dos CEUs paulistanos – como voluntário, Carlão participa da formação desses garotos nas quadras dos centros de educação.

"O Naná tinha o grupinho que batia bola", diz. "Sentei com eles e comecei a montar os times. Mas lá no CEU só tinha um dia. Bati palma aqui nesta quadra e perguntei o que eles faziam. Eles disseram: 'nada'. Então apresentei um projeto e passei a ocupá-la com o basquete."

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Carlão forma duas imensas filas de garotos. Pede que eles treinam a tradicional bandeja – a arrancada a partir da região central da quadra que termina com um leve arremesso em direção à cesta. É a vez de Bruna Katherini da Silva, 14 anos, que chegara havia dois dias na quadra. Ela parte com a bola, mas erra o arremesso. Alguns garotos riem. Carlão contemporiza: "Ela fez todo o certo. Acertar o arremesso não é o mais importante agora. Ela vai aprender".

As bolas e os coletes, que servem para dividir os times nas horas de coletivo, foram doadas por pais e incentivadores do esporte. Graças a elas, são mais de dez redondas em movimento ao mesmo tempo. "Espero que daqui eles cheguem a um clube ou a receber uma bolsa de estudo", diz Carlão. Ele mexe no smartphone. Um recado no WhatsApp pede indicações.

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Por semana, diz, clubes como Paulistano, Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Associação Atlética São Paulo, entre outros, pedem indicações de suas revelações. "Os clubes não querem saber de formar", diz. "Eles querem o atleta pronto. O que tem de telefonema para eu mandar jogador… As únicas exceções são o Pinheiros e o São Bernardo, que têm trabalho de base."

Carlão aos poucos vai apontando suas crias. Dá uma puxão de orelha em Gabriel Vinícius Pereira, 15 anos. "Por que você não veio no sábado?", pergunta. "Porque estava com preguiça." "Tá vendo", diz, olhando para o repórter. "Tenho que trabalhar isso." Com os gêmeos Thomaz e Tadeu de Moura Soares, ambos de 11 anos, ele teve que estimular o avô, Prifist Mufd, 60 anos, a não tirá-los da escolinha do Palmeiras, onde treinavam. "Daí eles começaram a apavorar nos campeonatos daqui. Foram campeões pré-mirim neste ano."

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As bolas na quadra da Vila Mirante são encostadas no chão, e apenas uma sobra para o rachão entre os mais velhos. A roda de amigos que esperava o treino dos meninos agora está em quadra. O sol se põe na quarta-feira, mas a partida vai se prolongando, sob os refletores da pequena quadra na zona norte. Com os braços cruzados e franzindo o olhar de observador, Carlão contempla: "Aqui na região você vê todo mundo batendo uma bola de basquete. Crianças, adolescentes, gente de 40 e 50 anos. E eu me sinto meio culpado por tudo isso".

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Confira abaixo um pouco mais do basquete da ZN:

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